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quinta-feira, 23 de abril de 2015

CENTENÁRIO DE ADONIAS FILHO, por Cyro de Mattos

Comemora-se neste ano o Centenário de Adonias Filho, escritor baiano aclamado pela crítica nacional, nascido em Itajuípe, antigo Pirangi, distrito de Ilhéus, em 27 de novembro de 1915. Deixou  em sua obra de contista e romancista  cinco livros que têm como cenário o Sul da Bahia na época da conquista da terra: Os Servos da morte (1946), Memórias de Lázaro (1952), Corpo vivo (1962), Léguas da promissão (1968), e As velhas  (1975).

Adonias Filho é um autor de livros de ficção que engrandece  a região cacaueira baiana no corpo das letras brasileiras. Legítimo homem da civilização cacaueira baiana sustentou pela vida afora um amor de perdição por suas raízes e histórias de sua gente. Nos últimos anos de vida,  mudou-se do Rio de Janeiro  e foi morar com a esposa  na sua fazenda  Aliança, em Inema. Depois de muito caminhar pela cidade grande, por entre edifícios e gente vinda de todos os lados, retornava aquele homem de voz mansa, cordial, ao chão de seus ancestrais. 
            
É sabido que a obra literária motivada por certa região enfoca o peculiar de determinada cultura, tendo por fundo um cenário típico, cujas condições são refletidas no conteúdo da narrativa, conferindo-lhe nota especial. Os estudiosos dizem que o que faz uma obra regional é o fato de mostrar-se presa, em sua matéria narrativa, a um contexto cultural  específico,  que se propõe a retratar e de onde vai haurir a sua substância. Mas isso não a impede de adquirir sentido universal, em função de seu significado portador de humanidades, mensagem  profunda da existência, fazendo com que ultrapasse as fronteiras da região retratada.
         
É o caso do consagrado narrador Adonias Filho. Um criador de histórias que tem como cenário a região cacaueira baiana na época da infância quando a selva era impenetrável e hostil. Percebe-se nesse artesão da linguagem uma moderna forma de ser contada a história, harmonizada com a representação das essencialidades da criatura, as quais são retiradas do ambiente onde habitam.   
         
Ressalte-se que atrás do homem de determinada região, com sua típica problemática existencial do indivíduo,  seus falares e maneiras próprias de relacionar-se com o mundo,  há  o que é próprio de qualquer ser humano onde quer que esteja. Razão e emoção, pensamento e sentimento. O pensamento e o sentimento dos personagens de Adonias Filho obedecem às forças cegas do destino, que resultam  de solidões e desesperos impostos pelo ambiente de natureza bárbara. Como seres embrutecidos, primitivos, possuem os sentimentos reprimidos. São índios, negros, tropeiros,  caçadores,  pequenos agricultores arruinados.
           
Esse narrador de estilo sincopado e poético é uma das vozes fundamentais da melhor literatura de todos os tempos. Influenciado pelos dramaturgos gregos, Shakespeare, o cinema, do fundo trágico de seus romances, novelas e contos emanam personagens marcantes, em cujos passos e travessias ressoam  os sortilégios da morte através de entonações bíblicas.

Homem culto, simples, ocupou cargos públicos importantes. Foi diretor da Biblioteca Nacional, Editora A Noite, Serviço Nacional de Teatro e pertenceu à Academia Brasileira de Letras. Conquistou o Prêmio Nacional da Fundação Educacional do Paraná, Instituto Nacional do Livro, Jabuti, Pen Club do Brasil  e  Fundação Cultural do Distrito Federal pelo conjunto da obra. Seus romances foram publicados nos Estados Unidos, Portugal, Alemanha, Venezuela e Bratislava. É tão importante  o seu trajeto de vida para o Sul da Bahia que foi instalado em Itajuípe  o Memorial Adonias Filho para preservar sua obra e acervo. O Centro Cultural de Itabuna, da Fundação Cultural da Bahia, leva o seu nome. Ele é o patrono da Academia de Letras de Itabuna (ALITA).

Depois que a esposa Rosita  morreu em 1990, Adonias Filho caiu em grande tristeza. Ficava deprimido, em seus vagares pela casa-sede da fazenda. Dizem os conterrâneos  que morreu de amor, em 2 de agosto daquele mesmo ano, na casa-sede de sua fazenda, em Inema. O homem criador de romances pujantes e densos não conseguiu suportar a solidão com a perda da mulher amada e companheira.

Agora, no reencontro do legítimo homem do cacau  com a sua paisagem, no seu regresso às origens, o bem vence  o mal. Ultrapassa a morte  pelas mãos do amor  vivido entre Adonias e Rosita.


*Cyro de Mattos é contista, romancista, poeta e cronista. Organizou e prefaciou a coletânea  Histórias Dispersas de Adonias Filho.  



terça-feira, 14 de abril de 2015

SARAU NA ACADEMIA DE LETRAS REUNIU POETAS, ESCRITORES E AMANTES DA LITERATURA


Sob a organização do confrade Gerson dos Anjos, com apoio dos confrades Pawlo Cidade e Geraldo Lavigne de Lemos, o primeiro sarau da Academia deste ano contou com a participação de vários poetas e escritores, como Luh Oliveira, José Maria, Ângela, Mari, o próprio Geraldo e Pawlo Cidade. Além de estudantes da escola estadual Paulo Américo, conduzidos pela professora Naiara Rocha.

Foi uma noite de muita poesia e depoimentos que passaram por declamações de Fernando Pessoa, Olavo Bilac, Renato Russo, Valdelice Pinheiro e muitos outros. Sem falar dos poemas dos autores regionais e locais.

O próximo sarau será no dia 11 de maio, a partir das 18h30.

sábado, 4 de abril de 2015

CRÔNICA


Queima do Judas

     Cyro de Mattos
        
  
O sábado era o dia em que mais gostava na Semana Santa. Amanhecia alegre porque Jesus Cristo ressuscitava nesse dia. Já podia cantar marchinhas no banheiro lá em casa quando fosse escovar os dentes e tomar banho. Já podia  beber leite no café da manhã e comer carne de gado, porco, carneiro ou galinha na refeição do almoço. Podia jogar bola no campinho  da beira-rio, pescar, nadar e mergulhar no rio Cachoeira. Se quisesse, podia ir assistir ao último episódio do seriado de Flash Gordon na matinê do Cine Itabuna.
A cidade voltava a ter sua vida normal, os comerciantes abriam as portas de suas lojas, as pessoas caminhavam  na rua, ora apressadas, ora tranqüilas. A feira atrás da estação do trem voltava a fazer sua festa, com vozes que não paravam de falar, as pessoas comprando tudo que podia se imaginar. O padre Nestor celebrava a missa das sete com entusiasmo na igreja de Santo Antônio cheia de fiéis. Depois que dava a bênção final, bradava que Cristo estava vivo, era o verdadeiro e único  rei dos cristãos, reinou e sempre haveria de reinar, ressuscitava para o bem da vida,  aleluia!
A queima do Judas acontecia nos bairros populares. Para minha alegria e surpresa, dessa vez  o Judas  ia ser queimado lá na rua. Quem preparou o boneco de palha, cheio de bombas na cabeça, tronco e membros, foi seu Filó, o dono da casa que vendia ferro e alumínio na rua do comércio.  À noite, por volta das 19 horas, já havia muita gente diante  do Judas pendurado no poste.
Seu Filó começou a ler o testamento do Judas por volta das 20 horas.

A cabeça vai pra seu Ribeiro,
A dele nunca prestou mesmo,
A do burro vale mais dinheiro.
As mãos espertas e macias
Dou pro açougueiro Berilo
Roubar melhor no quilo,
Cada nádega  é pra seu Augusto
Comer gostoso e soltar arroto,
As pernas finas e compridas
Deixo pro João Monteiro
Andar pra frente e ligeiro,
O chapéu grande de palha
É pro prefeito usar sem as galhas,
A calça velha, a camisa rasgada,
O paletó com  a gravata preta
Vão vestir o Zeca Hemetério
Quando viajar pro cemitério,
Os sapatos furados sem cadarço
Dou pra Luís Bernardo calçar
Quando tiver são ou bêbado,
É da meninada minha barriga
Cheia de doces e lombriga,
O charutão é de seu Tonico,
Bom proveito quando for ao circo,
O dinheiro vai pro seu Aleixo
Gastar no jogo do bicho,
O par de meias  com chulé
É pro padre Nestor fazer rapé,
O que precisa Maria Padeira
É um bocado de pele grossa
Pra ela fazer uma peneira,
Já uma parte da peitaça
É pra Dona Maria Graça,
Se ainda sobrar algum osso
É pra dona Joanísia botar
Na sopa de seu Lindolfo.


Começava  a ser queimado pelos pés, aí o que se ouvia eram os estouros de cada bomba arrancando os pedaços do traidor de Jesus Cristo. Eram lançados para todos os lados. Os estouros das bombas misturavam-se com gaiatices, sorrisos,  gritaria de gente grande e pequena.
Alguns dos moradores da rua achavam graça quando tomavam conhecimento de que tinham figurado como herdeiros no testamento do Judas. Outros ficavam aborrecidos, evitando se encontrar com seu Filó na rua, durante algumas semanas. Seu Ribeiro, o agente dos correios,  exigiu que ele lhe pedisse desculpa, se ainda quisesse tê-lo como amigo e bom vizinho. O prefeito Nazário pensou até em processar seu Filó, velho companheiro de partido. Achava que sua fiel esposa Maria Santinha não merecia ser ofendida por tão  grande mentira, mesmo que se tratasse de uma brincadeira inventada por seu Filó no testamento de Judas. Não levou a idéia adiante porque as eleições municipais iam ocorrer naquele ano. Queria ser reeleito como prefeito. E ele bem sabia  que seu Filó era o seu melhor cabo eleitoral na cidade.   (Do livro Roda da Infância, novela, Editora Dimensão, BH)





quinta-feira, 2 de abril de 2015

ACADEMIA REABRIU OS TRABALHOS COM POESIA DE CASTRO ALVES NA PRAÇA QUE LEVA SEU NOME


Acadêmicos presentes: Pawlo Cidade, Josevandro, Neuza, André Rosa, Geraldo Lavigne e Gerson dos Anjos

Todo início de abertura dos trabalhos de cada ano, (14 de março) depositar flores no busto do poeta Castro Alves e recitar seus versos, é mais que uma obrigação, é uma celebração ao grande poeta dos escravos. Castro Alves nasceu no dia 14 de março. Data em que comemoramos o Dia Nacional da Poesia. Por coincidência ou não, quando foi fundada no mesmo dia em 1959, a Academia de Letras de Ilhéus já tinha pronto o seu lema: Patriae Litteras Colendo Serviam – Servir à Pátria cultuando as letras.

Encontro de poetas, José Delmo e o busto de Castro Alves

As comemorações iniciaram às 17h30, na Praça Castro Alves, bem em frente à Biblioteca Pública Adonias Filho, na Avenida Soares Lopes. O poeta e ator José Delmo recitou poemas de Castro Alves e de sua autoria. Depois foi a vez de estudantes do Colégio Ideal também prestar homenagem ao poeta. Em seguida, os confrades se reuniram na Academia de Letras de Ilhéus para a posse do segundo mandato do presidente Josevandro Nascimento e sua diretoria. Em seguida, antes mesmo da emocionante palestra da Dra. Olívia Barradas, o poeta José Delmo recitou um trecho do livro “As Velhas”, do autor centenário Adonias Filho.

A palestrante Olívia Barradas (FOTO) optou por falar sobre o escritor Adonias Filho revelando curiosidades sobre sua vida privada e de como os dois se conheceram. Falou de suas amizades e de como ele foi considerado um arquiteto e engenheiro da narrativa, sobretudo no livro que destacou: “Luanda, Beira, Bahia.” Salientou que “o historiador tem compromisso com o fato histórico, mas, o romancista tem compromisso com o verossímil.”


Diversas autoridades civis e militares estiveram presentes. Por fim, o presidente fez um breve relato das atividades de sua diretoria no biênio 2013-2015 reafirmando que ainda tem muito o que fazer pelas letras em Ilhéus. Lembrou o saudoso Barão de Popof

NOITE DA SAUDADE EM HOMENAGEM AO ESCRITOR HÉLIO PÓLVORA SERÁ DIA 14 DE MAIO



A noite da saudade, em homenagem ao escritor Hélio Pólvora, ocupante da cadeira nº 24, será realizada no dia 14 de maio, com a saudação feita pelo acadêmico Aleilton Fonseca, da Academia de Letras da Bahia, às 18 horas.

Hélio Pólvora era casado com Maria Pólvora Silva de Almeida. Ele deixa três filhos, Hélio e Raquel, frutos da união com Maria Pólvora, e uma filha (Fernanda), de união anterior. Entre os livros publicados estão os romances Inúteis Luas Obscenas (Casarão do Verbo, 2010) e Don Solidon (Casarão do Verbo, 2011), além dos livros Memorial de Outono (2005), Contos da Noite Fechada (2003) e “…de amor ainda se morre…” (2008).

O MESTRE DORIVAL DE FREITAS CONTINUA HOSPITALIZADO

O professor Dorival de Freitas, ocupante da cadeira nº 11 ainda continua sob cuidados médicos, em São Paulo. Estamos na torcida para que o idealizador do nosso Sarau Literário volte logo. Que Deus possa ouvir nossas preces e recuperar de vez o confrade.

POESIA EM HOMENAGEM AO SAUDOSO HÉLIO PÓLVORA POR CYRO DE MATTOS

Memória de Hélio Pólvora
                     Cyro de Mattos

No sempre do vento,
No sem agora do silêncio,
Embarcado em solidão.
Ah, o mar misterioso
Quer me parecer destino.
Entre viver e partir,
Nunca mais reverter
Minha casa de sonhos
Onde no quintal  convivi
Com auroras e bichos.
E no alpendre divisei
Gente que inventei
Para oscilar nas vagas
Assustadas, estranhas.
Assim cheguei  neste mar
Que me torna secreto.
De estar nele para sempre
Como em alta onda vertido
Não sei se encalho ou sigo,
Embora certo do que fiz
E deixo com mergulhos
Fundos, profundos,
Para inaugurar sentidos.