Antologia Poética
(2013), de Afonso Manta (foto), seleção, prefácio e organização de Ruy Espinheira Filho, é uma publicação da
ALBA, editora da Assembleia Legislativa da Bahia, em parceria com a Academia de
Letras da Bahia. O livro está inserido na Coleção Mestres da Literatura Baiana.
Pela primeira vez um livro do poeta de Poções recebe uma publicação digna de
sua lírica. Seus livros tiveram edições por gráficas e editoras pequenas do
interior, fazendo com isso que sua poesia circulasse no ambiente de amigos e
poucos leitores. Tornaram-se raridades bibliográficas.
Essa Antologia
Poética agora faz jus ao conhecimento e expansão de um poeta que tem um
brilho inusitado, capaz de enlouquecer as flores, aprofundar as cores,
tornando-se, no trânsito da ternura, como um anjo em voo do infinito. Chegou a nos dizer que quando essa noite
passar com o seu manto de trevas, numa “sinistra gaiola comendo o alpiste do
dono... com seus frios caracóis de angústia e desesperança, praga dos que vivem
sós... faz teu canto na manhã, que todo dia traz luz. E não é vã, não é vã.”
É fácil perceber que a
poesia de Afonso Manta flui pelos caminhos da esperança, da ternura expressa
por uma linguagem simples longe do vulgar, ao invés disso se apresentando com a
palavra tomada emprestada ao encantamento. Toca-nos sem arroubos, nos versos
simples sem pieguismo, encanta o pensamento e o sentimento com leveza, dizendo
com nitidez sobre a tristeza diáfana. Nos momentos de sonho produz mel e
ingenuidade, que confortam e possibilitam uma carícia de brisa. Em muitos casos
usa a rima, a estrofe apoiada no verso que soa e fere a vida através das notas
da contradição humana. Mostra a alma fragilizada de um homem sensitivo, que ao
se ver no espelho flagra como está cansado de tudo.
Se a poesia no Brasil
repercute no século vinte com o que tem de melhor na clave da solidão, intensa
nos conflitos, em questões complexas, em Afonso Manta conserva-se nos ares
ingênuos, embora de interioridades profundas, como na explícita certeza desses
versos:
Vale a pena viver, mesmo sofrendo.
Eu mesmo vivo assim,
triste gemendo,
Escravo da ilusão e da
beleza.
Essa é a maneira do
poeta estar na vida com sinceridade, ter como base, apesar da dor, as
construções de conteúdo inocente, guardadas pela alma de um cantor prisioneiro
do menino, bebedor de umas doses de extravagância, mas sem maldades, a exalar a
consciência do dever cumprido, banhar-se com as luzes de uma musa portadora de
canários verdes na varanda. Entre a ordem e a vertigem, do viajante que
transita para o último gemido, Afonso Manta tece seus poemas de versos
harmoniosos. Escreve uma poesia clara, com a alma de um poeta que só precisa de
um pouco de sonho para equilibrar-se em seus rumos e rumores loucos, de
“estrelas na testa de rapaz” para que suas angústias fiquem serenas. Só assim,
com a mansidão das amargas, o poeta se dará por contente.
Se tudo isso aqui onde
vivemos é ilusão, para quem queira ler e ouvir a poesia de Afonso Manta vai
saber como esse poeta foi um homem digno de seu estar no mundo, corajoso
conforta-nos quando assume sua maneira de andar sozinho com os seus versos
delicados para o alimento da alma, intenso de saberes, sustentando-o como um
homem real, que transita na vida pela rua da solidão e do sonho com matizes do
lilás. Vai senti-lo em dado momento aos frangalhos, mas consciente de que não
precisa ser rico, nem ter crédito na praça, pois convive com o vento que o
agita interior e largado. No poema “O Realejo do Vinho”, esse poeta sabe como a
vida é falha, mas basta quando o torna com os cabelos devastados, rosto,
sorriso e palavra.
Na fatura do soneto
Afonso Manta é modelar, raro inventor de sentimentos na frase iluminada. Qualquer um deles surpreende pela
simplicidade da rima, condução nítida da ideia, o fluxo espontâneo que nos
torna cúmplice da palavra simulada com emoção e simbolismo. Libertos de sua camisa de força imposta pelo
formato clássico, vemos como tamanha é a habilidade de sua elaboração por um
mestre, que não se veste com a roupa compositiva de sua estrutura fixa. Faz com
fluência que transmitam sentimentos doloridos, os ares do que é triste, que se
encontrará sempre na paz do espírito redimido.
Assim o poeta procede em “O Rei Afonso”.
Aqui, o rei Afonso, o
Derradeiro,
Vê naus que não são
mais as naus do porto.
São já as naus febris
do sonho morto
No mar tão vasto como
traiçoeiro.
Aqui, o mesmo rei,
também chamado
Restaurador do Império
Agonizante,
Perde para o inimigo,
doravante,
O reino duramente
conquistado.
O rei, flor-de-lis
santa e vulnerável
Ferido pela dor
inevitável,
Perdoa a punhalada do
assassino
E morre sem palavra de
desgosto,
Mostrando paz até o fim
no rosto,
A mesma paz dos tempos
de menino...
Louco esse poeta vestido
do pôr do sol, mas que tinha uma rosa na cabeça? Bicho estranho que não queria morrer enquanto
existisse estrelas cintilando no céu e o pássaro cantando? Homem da lua, triste
divagando pelas ruas da Bahia? O que tocava o violino nas solidões de sua cidade
natal com as cordas do sorriso? Ousado guerreiro, dispersivo, que tudo
arriscava num momento veloz e passageiro? Um detentor de humanas paixões, que
morreu sereno e forte?
Era poeta que tinha um olhar vago, de mendigo
e sonhador, de aspecto excessivo de profeta.
Banhava-se nas águas da esperança. Não há quem não desperte enriquecido
quando se entra em contato com a sua lírica de alto nível, não se deixe
encantar com o prontuário iluminado onde não morre a solidão solidária,
imaginada nos toques do amor. Quanta
simplicidade em versos que enleiam, rumorejam com generosidade, primam por
relâmpagos que nos mostram da vida verdades. Poeta de alma com doces soluços,
brilhantes abraços da cor dos lírios, dos jasmins com seus inebriantes perfumes.
Oferta, na chuva que bate nas orelhas, incandescentes ternuras naquele lugar
onde a esperança não morre.
No poema “De Um
Rabisco”, de fino humor, os versos como se fossem para serem lidos em dia de
riso, Afonso Manta alerta:
Há que deixar em paz o
poema.
Ou o poema nos afeta.
O poema há de ser
perfeito.
Ou ele come o poeta.
No seu caso, o poema,
por ser perfeito, alimenta a alma, comete a catarse de curar como o melhor
alento.
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