domingo, 20 de junho de 2021

ACADEMIA DE LETRAS PASSARÁ POR REFORMAS


Uma casa que não é cuidada, pouco a pouco vai sendo depredada. Pensando no cuidado com a Academia de Letras de Ilhéus - ALI, a diretoria se reuniu e expôs questões urgentes à confrades e confreiras que precisam ser tomadas com o telhado da instituição. "O telhado é feito de telhas antigas de cerâmica, com os ventos, as telhas se desprendem constantemente (veja foto no card da campanha logo abaixo) possibilitando com facilidade a entrada das águas da chuva, provocando alagamentos no piso superior, estragando o forro de gesso, molhando as salas da secretaria e da biblioteca e inúmeras infiltrações em ambos os pisos", relata o presidente Pawlo Cidade. "Neste sentido, criamos uma campanha entre os membros solicitando antecipação de mensalidades e contribuições". 



"O resultado da campanha tem sido extremamente positiva. A generosidade de todos é reflexo do amor que todos sentem por nosso maior patrimônio", afirma o presidente. Os membros poderão contribuir até o final de junho quando começam as obras do telhado. A tesoureira Anarleide Menezes acrescenta que: "O primeiro passo será o telhado, depois será a vez da rede elétrica e hidráulica e por fim, o piso. A umidade, talvez por causa da infiltração ou da própria impermeabilização causou pequenos estufamentos e isso precisa ser corrigido logo antes que se complique".

As contribuições podem ser feitas diretamente na conta da Academia. Veja o card no final da matéria. O confrade Antônio Hygino, através de versos, homenageou a iniciativa como um porta-voz de todos que amam a ALI:

"Em breve não teremos telhado.

Teremos teto.

Em breve não teremos teto.

Teremos abrigo.

Em breve não mais teremos telhado, teto ou abrigo.

Em breve teremos restauração.

Em breve abriremos as portas e as luzes das letras iluminarão a nossa Academia".




terça-feira, 15 de junho de 2021

DA IMPORTÂNCIA DO PRÊMO DAS ARTES JORGE PORTUGAL, PELO ESCRITOR CYRO DE MATTOS

      

Jorge Portugal (1956-2020)
 

Os Prêmios das Artes Jorge Portugal com bases na Lei Aldir Blanc, em parceria com a Fundação Cultural do Estado da Bahia, é de suma importância para ampliar os raios de ação em que se movimentam as manifestações artísticas como experiências individuais e coletivas. Funcionam como um incentivo e reconhecimento ao artista, fazendo com que ele saia do anonimato e entre na órbita necessária de circulação de sua obra em diversos níveis de humanidade.  


O artista não produz a obra para ficar no anonimato, mas para manter um diálogo com os outros sobre sua forma de pensar e sentir a vida.  Esse diálogo jamais poderá acontecer se não for publicado, sua obra não tenha voz nem andamento no ambiente social e artístico a que se destina e assim possa ser capturada e discutida. E, quanto mais divulgado o produto de sua criatividade, através de benefício oriundo de apoio governamental, esse encaixe entre autor e perceptor individual/ coletivo será mais eficaz, uma vez que ocorreu a oportunidade ideal para expandir o conhecimento de novos sentidos da vida.  


No meu caso, em que apresentei o projeto de publicação de minha obra poética completa, com base na Lei Aldir Blanc, reunindo livros publicados e inéditos, editados no Brasil e exterior, cuja execução do projeto resultou em alentado volume de 800 páginas, o valor desse apoio pela FUNCEB tornou-se inestimável. Jamais conseguiria a proeza de ver publicado meu livro Canto até Hoje por editora de circulação nacional ou até de pequeno porte.  Não é tarefa fácil publicar um bom livro de literatura no Brasil. Desafio que requer esforço e tenacidade, crença nos valores perseguidos. E publicar livro de poesia com 800 páginas é impossível, a não ser que seja às expensas do autor, que em geral não tem condições para isso. 



(Obra do autor premiada no Prêmio das Artes Jorge Portugal)


 Não fosse a aprovação do meu projeto pela Fundação Cultural da Bahia e Lei Aldir Blanc para a publicação de Canto até Hoje, não sei até quando suportaria lidar com os meus anseios e decepções.  Sem ter a possibilidade de ver meu trabalho andando com suas pernas para ganhar a cumplicidade dos outros no conhecimento do mundo. Deixaria assim de ser útil aos outros, através da palavra impregnada de sonho, mito, ideia, intuição e sentimento.  


         Não teria a oportunidade de oferecer aos humanos certo alívio da alma na cidadela da resistência. Aliviar suas angústias com horas de solidão solidária transpostas para o plano da poesia. Ficaria prostrado nos campos do herói abatido, que se viu impotente para usar a arte da palavra e fazer o bem aos outros como cúmplices da jornada literária na aventura da vida. Não seria o portador da esperança aos que estão cercados por sombras assustadoras e horrores do medo nesses tempos de pandemia, alimentada pela fome insaciável do coronavírus.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

NOVA EDIÇÃO DO "TERTÚLIAS ACADÊMICAS" SERÁ DIA 19 COM O TEMA "PATRIMÔNIO CULTURAL"



"Na terceira edição das tertúlias acadêmicas da Academia de Letras de Ilhéus, Maria Luiza Heine, filósofa, ambientalista, historiadora e Anarleide Menezes, pesquisadora, museóloga, professora, sob a mediação do escritor Pawlo Cidade, falam sobre o rico patrimônio material e imaterial de Ilhéus, de museologia e patrimônio natural, com suas áreas de importância preservacionista e beleza cênica. 

Tudo que possui importância histórica e cultural para uma cidade, como arquitetura, festas, danças, música, manifestações populares, artes, culinária serão debatidos nesta live no próximo sábado. Temas como coletividade e pertencimento, inerentes ao patrimônio cultural, também farão parte do debate. 

Quando? Dia 19/6, sábado; às 18h, no instagram da Academia de Letras de Ilhéus.

sábado, 12 de junho de 2021

CRÔNICA




O TROPEIRO E O BURRO 
Antônio Carlos de Souza Hygino*


Numa roda de viola, entre um trago e outro, contou-me um amigo que, naqueles tempos, no interior do nosso País, onde não havia estradas, a comunicação era feita de forma primitiva, basicamente através de tropas e tropeiros. Consistiam as tropas em alguns burros treinados que transportavam em seus lombos, normalmente de um centro comercial mais desenvolvido para o interior, gêneros de primeira necessidade, a exemplo de feijão, arroz, banha de porco, carne seca, querosene, sal, fumo de rolo, etc... No retorno, traziam vários produtos das localidades por onde passaram, como farinha, carne de sol, requeijão … Mas não era só isso, levavam e traziam notícias, bilhetes, carta de amor, recados... enfim, faziam uma integração regional.

Aqui no sul da Bahia não era diferente. Havia vários tropeiros. Dentre eles o que mais se destacava era “Valdomiro Tropeiro”. Na linguagem de hoje seria ele um empreendedor de sucesso, um emergente.

A sua tropa destacava-se das demais. Os aminais usavam indumentárias patronizadas, exatamente iguais. Todos eles tinham um chocalho dourado pendurado na coleira que, quando em marcha, tilintavam sons embalados pelo vento a anunciar a aproximação da tropa. Era um acontecimento a aparição da tropa de Valdomiro.

Certo dia, viajando pela estrada afora, conduzia ele a sua tropa. Era perto das quatro horas da tarde, quando o céu de repente enegreceu anunciando chuva, forte chuva. Estrada deserta... Burros carregados de mercadorias... O que fazer? Pensou Valdomiro! E a chuva caiu em forma de tormenta... Sem alternativa, revolveu pedir rancho numa fazenda próxima, de propriedade de um coronel do cacau.

Foi um constrangimento para ele pedir ajuda, isto porque era um sujeito cismado, birrento, presunçoso.

Na Fazenda, dirigiu-se a casa grande e pediu estada ao coronel.

Envaidecido com a presença de Valdomiro, não só o autorizou a montar acampamento, como também o convidou para jantar. Afinal, jantar com Valdomiro era sinal de prestígio.

Arranchada a tropa, momento depois foi Valdomiro jantar com o coronel. Entre uma conversa e outra bebericaram algumas doses de aguardente, licor de mel de cacau e de jenipapo. Valdomiro atento, desconfiava de tamanha gentileza. O jantar foi ecológico. Servido foi ensopado de paca, de tatú, de teiú, galinha ao molho pardo e moqueca de jiboia. De sobremesa foi servido doce de coco verde e, por fim, um digestivo caseiro feito de laranja da terra.

Entusiasmado, o Coronel virou-se para Valdomiro e lhe disse: “amigo, hoje você vai passar a noite aqui com Neném”. Cismado, Valdomiro pensou consigo: “ Neném! Quem será? Imaginando ser uma armadilha do coronel, declinou do convite e foi ao rancho juntar-se aos seus ajudantes. Eram três.

E a chuva continuava...

Perto de o dia amanhecer, resolveu ir embora. Levantou acampamento e foi se despedir do anfitrião.

Chegando em frente a casa do Coronel, apeou do burro e o amarrou num mourão de jacarandá.

Bateu à porta! 

Ao ser aberta, surgiu na penumbra uma mulher. Uma linda morena! Olhos claros, cabelos lisos, negros e na altura dos ombros; lábios cor de jambo, dentes alvos e sorriso largo; o cheiro de botão de laranjeira que emanava de seu corpo escultural se espalhava pelo ar. Da camisola transparente via-se os seios em formato de pera, cujos bicos pareciam querer varar-lhe as vestes. Via-se o ventre, o umbigo e a flor do amor. A beleza da moça o encantou, deixando-o fascinado.

Sorrindo, ela lhe disse: “Eu sou Neném. Você deve de ser Valdomiro Tropeiro, não é?

“Não, eu sou o burro! Valdomiro está amarrado ali no mourão”, respondeu ele descabriado.

* Antônio Carlos de Souza Hygino, membro da Academia de Letras de Ilhéus e Juiz de Direito.

CONTO



“Eu não acredito em coincidência, eu acredito em destino.

É mesmo? Eu também.

Que coincidência!”

Roberto Laranjeira

 


Pawlo Cidade*

 

 

Carlos Santiago acordou com uma baita dor de cabeça. Escovou os dentes, tomou banho e se perfumou com uma colônia Fiorucci, da Red Lions, que sua noiva lhe presentou em seu último aniversário, no dia 13/8, antes mesmo de tomar um gole puro de café sem açúcar. A colônia fazia parte de um kit masculino que veio acompanhado de um desodorante spray, de 138 ml, que ele quase não usava, pois preferia desodorantes sem perfume. Uma semana depois, navegando pelo mercado livre, descobriu que o mesmo kit estava sendo vendido com 138% de desconto. Uma pechincha que ele achou que pudesse ser um embuste.

No quarto, sobre o criado-mudo, ao lado da cama, repousava a Bíblia aberta em Coríntios 1, capítulo 13, versículo 8, que estava escrito em destaque amarelo: “o amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará”. Mas ele não recordava de ter deixado o livro sagrado marcada naquela passagem. Acreditou que aquela era a palavra para ser lida naquela manhã e saiu para o trabalho. 

No caminho, a visão começou a ficar borrada e um estranho zumbido surgiu no ouvido. Como havia um posto de saúde no bairro, resolveu passar para medir a pressão arterial. Ao aferir a pressão, a enfermeira notou que o esfigmomanômetro mecânico marcava 13 X 8. 

- Sua pressão está quase alta. Você é hipertenso? - perguntou a profissional de saúde.

- Que eu saiba, não – respondeu, dizendo também que acordou com uma dor de cabeça forte e no trajeto até o posto de saúde, percebeu que a visão estava enodoada e tinha um estranho zumbido no ouvido como se fossem grilos cantando.

- Hummm, sintomas de hipertensão – sentenciou a enfermeira franzino a testa, por cima dos óculos de grau. - O médico vai lhe medicar. Mas é melhor ver isso depois. 

Ele assentiu com a cabeça. Depois, foi atendido com uma rapidez incomum, por um médico recém-formado que lhe aconselhou repouso e que evitasse, entre outras coisas, alimentos ricos em farinha branca, a exemplo de biscoitos, macarrão e pão francês. “Logo, pão francês!”, protestou. Mas como já estava se sentindo melhor, e já estava quase na hora de bater o ponto no trabalho, correu até a parada de ônibus e conseguiu pegar o veículo da linha 138, que só ia até dois quarteirões antes do que estava habituado a descer. Mas foi o que apareceu disponível naquele momento e não havia mais tempo a perder.

Chegou na empresa com 13 minutos e 8 segundos de atraso, transpirando que nem maratonista. O segurança da portaria fez um sinal, meneando a cabeça com jeito de dono da empresa, desaprovando o atraso. Carlos Santiago riu sem mostrar os dentes ao mesmo tempo em que arqueava as sobrancelhas respondendo sem falar: “Foi o ônibus”.

Quando se sentou na cadeira de seu escritório, depois de passar por uns 13 conjuntos de baias e 8 lixeiras que estavam enfileiradas no corredor, arte de Caldas, zelador que costumava juntá-las para depois redistribuir entre as baias, escolhendo a seu bel prazer quem ficaria sem lixeira naquele dia, ligou o computador e o navegador trouxe logo a manchete “Burkina Faso: ataques mais sangrentos desde 2015 deixam ao menos 138 mortos.” Deu de ombros e comentou: “Sei lá onde fica Burkina Faso. Parece até nome de remédio”, riu. Um colega da baia ao lado que ouviu seu comentário e, provavelmente, havia lido também a notícia que foi manchete em todos os jornais, respondeu alto: 

- Fica na chamada zona das três fronteiras, entre Mali e Níger, na África Ocidental. Sua capital é Uagadugu. 

- Valeu, professor! – exclamou. De fato, Eduardo Limeira, seu colega de trabalho, havia, por um tempo, lecionado geografia no tradicional Colégio Estadual Paes de Carvalho, porém, por razões pessoais, abandonou a docência e resolveu se dedicar à contabilidade. “É mais fácil de organizar e acompanhar todas as mudanças”, confessou certa vez ao comparar o ato contábil com o processo educacional. 

No Colégio Estadual Paes de Carvalho, meninos e meninas usavam meias e camisas brancas. As meninas vestiam ainda saia plissada e os meninos calça, tal qual a calça azul marinho de tergal que Carlos Santiago usava quando estudou da primeira a quarta série, sempre ocupando o número 13, no caderno de chamadas, e a 8ª. posição na fila, à direita da professora. 

- Viu a goleada de ontem, Santiago? 13 a 8. Seu Paysandu está morto! – gritou o outro companheiro por cima da baia – era Pedro Bola, torcedor fanático do Remo, que ainda conservava um Corcel 76, com placa do Mercosul, com final 1H38. Além da paixão pelo time de coração, gostava de fofoca. Foi ele quem espalhou para a turma que Carlos Santiago andava frequentando a casa do chefe, às sextas-feiras, quando o gerente saía para um carteado da Rua 13, sempre às 8 da noite. O buchicho deu uma confusão dos diabos e quase rendeu a demissão de Carlos. O zelador comentou que se tivessem inventado uma mentira daquelas com seu nome que ele se valeria logo do artigo 138 do Código Penal, pois já fora vítima de calúnia e difamação e seu vizinho teve que indenizá-lo. Carlos Santiago deixou por menos. Embora soubesse que fora Pedro Bola o difamador, não havia como provar.

Sentiu fome. Ao olhar o relógio digital na parede, bem em frente a sua sala, no corredor, viu que já passara em muito o horário do almoço. O aparelho registrava exatamente 13 horas e 8 minutos. Estava tão concentrado no relatório que teria que entregar até o final da tarde que nem notou quando os outros companheiros saíram para almoçar. Ficou empacado na página 138 do documento por causa de uma dúvida sobre o lançamento de uma nota fiscal sem razão social, semelhante a outra nota do mesmo valor, R$ 138,00, emitida no mesmo dia e horário. A princípio, pensou logo se tratar de uma duplicação, mas depois foi informado pelo estagiário que as duas notas foram emitidas no mesmo valor, dia e horário pelo departamento de compras. Coincidência? Não. Estava aí uma coisa que Carlos Santiago não acreditava: coincidência. 

- Seu Santiago, o senhor soube que o Fernando Reis, do RH, ganhou uma bolada no jogo do bicho? – comentou o estagiário antes de esclarecer a ele sobre as notas duplicadas.

- E foi?! – indagou o contador em tom de exclamação.

- O sortudo levou 138 mil! – disse o estagiário sonhando com o prêmio. 

Neste momento, uma luzinha se acendeu na cabeça de Carlos. Pegou rapidamente um lápis, um bloco de papel, e foi escrevendo o que ele chamou de “simultaneidades” que havia vivido até aquele horário, 13h8. “Não pode ser!”, pensou. “É muita simultaneidade”. E continuou anotando as situações em que o número 138 havia se manifestado desde que saíra de casa naquela manhã. 

- Você acredita em coincidência? – perguntou uma hora depois a atendente do restaurante depois de pagar o almoço, R$ 13,08 (treze reais e oito centavos). A moça riu, pensando que ele estivesse lhe dando uma cantada. – É sério, prosseguiu, acredita ou não em coincidência?

- Acredito – disse ela, com as bochechas avermelhadas e os olhos semicerrados.

- Pois é – e começou a descrever as “simultaneidades” do dia. Hoje eu li uma passagem bíblica que estava no capítulo 13, versículo 8; usei um desodorante que nem gosto muito que tem 138 ml; passei mal esta manhã e a minha pressão deu 13 X 8; peguei o ônibus da linha 138; cheguei com 13 minutos e 8 segundos de atraso na empresa; hoje teve um massacre na África com 138 mortos; meu time tomou de 13 a 8; duas notas fiscais no meu balanço deram exatamente R$ 138,00; acabei de pagar a você R$ 13,08 e ainda nasci no dia 13/8! – gargalhou. 

A atendente, de boca aberta, olhos grandes e esbugalhados, enquanto uma fila de 138 pessoas já se formava atrás dele, disse receosa esperando a cantada ou a bronca do cliente:

- Digitei sem querer o valor de R$ 138,00 do seu almoço e o senhor nem percebeu! 

Ele sorriu outra vez, como fez com o segurança da empresa, sem mostrar os dentes. O celular tocou. Era sua noiva. Saiu do caixa fazendo sinal com o dedo sob reclamação dos demais clientes pela demora. Mas, felizmente, a atendente estornou o valor e só lhe foi cobrado o valor devido. 

- Amor, você não vai acreditar o que aconteceu! – foi dizendo antes mesmo que Carla Nívea pudesse falar. A noiva não deu ouvidos ao que ele tentara contar e foi logo gritando excitada:

- Você acredita que hoje, eu e minhas amigas, pedalamos 138km? Chegamos numa fazenda, do quilômetro 13, onde morreram 8 vacas com a queda de um raio, você soube? Vou enviar a foto para você. Se tivéssemos passado no mesmo horário, nós é que teríamos morrido. Que horror!... Depois, passamos por uma cachoeira linda, amor, com 13 patos adultos e 8 patinhos. Não é coincidência? E você vive me dizendo que não acredita em coincidência! E agora, acredita? A gente chegou na fazenda depois de passar por 13 ramais e 8 pés de eucalipto, você acredita nisso? Meu Deus, estou tão surpresa que só depois a gente se deu conta que éramos 13 ciclistas, com 8 de nós completando 13 anos e 8 meses de ciclismo. Não é fantástico?

Carlos Santiago apenas gaguejou do outro lado da linha. Pensou até em contar também todas as “coincidências” do dia, mas não quis interromper a comoção e a alegria da noiva. Deixou-a acreditando que os acasos daquele dia haviam acontecido unicamente com ela.

- Amor, preciso desligar. As meninas estão dizendo que só temos 13 minutos e 8 segundos de pedalada. Não é uma loucura, tudo isso? Beijo! – e desligou.

Carlos Santiago sacudiu a cabeça ainda sem acreditar. A tarde no escritório, passou depressa. Até às 17 horas, quando costumava bater o ponto e correr para o ponto de ônibus, nenhuma coincidência com medidas, pesos ou outras coisas mais lhe ocorreu. Exceto, os três números finais do telefone de sua noiva: 138, que ele nem sequer recordava que ela havia trocado.

Chegou em casa com o dia desaparecendo. Morava a tanto tempo naquele prédio que podia subir até o seu apartamento de olhos vendados. Na portaria, um técnico da prefeitura conversava com Seu Josué, o porteiro, que interrompeu a conversa para cumprimentá-lo e dizer:

- Seu Santiago, a prefeitura está mudando toda a numeração da rua, para atender ao novo código de endereçamento postal. O número do nosso prédio agora é... 

Antes mesmo que Seu Josué pudesse concluir, interrompeu o porteiro com um ar de quem não estava acreditando muito no que ele mesmo iria dizer, mas disse:

- 138!

- Como o senhor sabia? – indagou o porteiro, deslumbrado, como uma criança maravilhada frente a magia dos adivinhos.

Carlos Santiago, indiferente, mas ainda com ar de incrédulo e jeito de quem falou por falar, respondeu, sorrindo, sem mostrar os dentes:

- Coincidência.



* Membro da Academia de Letras de Ilhéus, ocupa a cadeira nº 13. É o atual presidente da ALI para o biênio 2021-2023. Para conhecer mais contos e livros, acesse: http://pawlocidade.blogspot.com 

 

 

 

 

 

terça-feira, 8 de junho de 2021

POESIA



Confrade Ruy Póvoas, ocupante da cadeira nº 18



RESISTÊNCIA



Na ara do viver,

imolo vontades,

sacrifico quereres.

Também mato desejos

e disfarço dizeres.

Na taça de existência,

faço muitas libações

com meus azeites.

E no cálice

do meu sonhar,

junto a noite com o dia,

e não deixo faltar

os prazeres da utopia.

Pelos cantos inclinados

do altar da vida,

vejo correndo, avermelhado,

o sangue da juventude

e, da senioridade,

o gosto degastado.

Para encerrar o ritual,

mistura de ócio e ação,

meio missa,

meio missão,

não penso em desistir.

E com o olhar

pregado no horizonte,

ainda espero

a força que há de vir.




Ruy Póvoas - 8/6/21.

* O confrade Ruy Póvoas possui graduação em Letras Português Inglês pelo Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna(1972) e mestrado em Letras (Letras Vernáculas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(1983). Professor da Secretaria de Educação do Estado da Bahia e Membro de corpo editorial da Revista Kàwé. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras. Atuando principalmente nos seguintes temas:linguagem - candomblé - sócio-lingúística. Ë ocupante da cadeira nº 18, da Academia de Letras de Ilhéus.