sábado, 12 de junho de 2021

CRÔNICA




O TROPEIRO E O BURRO 
Antônio Carlos de Souza Hygino*


Numa roda de viola, entre um trago e outro, contou-me um amigo que, naqueles tempos, no interior do nosso País, onde não havia estradas, a comunicação era feita de forma primitiva, basicamente através de tropas e tropeiros. Consistiam as tropas em alguns burros treinados que transportavam em seus lombos, normalmente de um centro comercial mais desenvolvido para o interior, gêneros de primeira necessidade, a exemplo de feijão, arroz, banha de porco, carne seca, querosene, sal, fumo de rolo, etc... No retorno, traziam vários produtos das localidades por onde passaram, como farinha, carne de sol, requeijão … Mas não era só isso, levavam e traziam notícias, bilhetes, carta de amor, recados... enfim, faziam uma integração regional.

Aqui no sul da Bahia não era diferente. Havia vários tropeiros. Dentre eles o que mais se destacava era “Valdomiro Tropeiro”. Na linguagem de hoje seria ele um empreendedor de sucesso, um emergente.

A sua tropa destacava-se das demais. Os aminais usavam indumentárias patronizadas, exatamente iguais. Todos eles tinham um chocalho dourado pendurado na coleira que, quando em marcha, tilintavam sons embalados pelo vento a anunciar a aproximação da tropa. Era um acontecimento a aparição da tropa de Valdomiro.

Certo dia, viajando pela estrada afora, conduzia ele a sua tropa. Era perto das quatro horas da tarde, quando o céu de repente enegreceu anunciando chuva, forte chuva. Estrada deserta... Burros carregados de mercadorias... O que fazer? Pensou Valdomiro! E a chuva caiu em forma de tormenta... Sem alternativa, revolveu pedir rancho numa fazenda próxima, de propriedade de um coronel do cacau.

Foi um constrangimento para ele pedir ajuda, isto porque era um sujeito cismado, birrento, presunçoso.

Na Fazenda, dirigiu-se a casa grande e pediu estada ao coronel.

Envaidecido com a presença de Valdomiro, não só o autorizou a montar acampamento, como também o convidou para jantar. Afinal, jantar com Valdomiro era sinal de prestígio.

Arranchada a tropa, momento depois foi Valdomiro jantar com o coronel. Entre uma conversa e outra bebericaram algumas doses de aguardente, licor de mel de cacau e de jenipapo. Valdomiro atento, desconfiava de tamanha gentileza. O jantar foi ecológico. Servido foi ensopado de paca, de tatú, de teiú, galinha ao molho pardo e moqueca de jiboia. De sobremesa foi servido doce de coco verde e, por fim, um digestivo caseiro feito de laranja da terra.

Entusiasmado, o Coronel virou-se para Valdomiro e lhe disse: “amigo, hoje você vai passar a noite aqui com Neném”. Cismado, Valdomiro pensou consigo: “ Neném! Quem será? Imaginando ser uma armadilha do coronel, declinou do convite e foi ao rancho juntar-se aos seus ajudantes. Eram três.

E a chuva continuava...

Perto de o dia amanhecer, resolveu ir embora. Levantou acampamento e foi se despedir do anfitrião.

Chegando em frente a casa do Coronel, apeou do burro e o amarrou num mourão de jacarandá.

Bateu à porta! 

Ao ser aberta, surgiu na penumbra uma mulher. Uma linda morena! Olhos claros, cabelos lisos, negros e na altura dos ombros; lábios cor de jambo, dentes alvos e sorriso largo; o cheiro de botão de laranjeira que emanava de seu corpo escultural se espalhava pelo ar. Da camisola transparente via-se os seios em formato de pera, cujos bicos pareciam querer varar-lhe as vestes. Via-se o ventre, o umbigo e a flor do amor. A beleza da moça o encantou, deixando-o fascinado.

Sorrindo, ela lhe disse: “Eu sou Neném. Você deve de ser Valdomiro Tropeiro, não é?

“Não, eu sou o burro! Valdomiro está amarrado ali no mourão”, respondeu ele descabriado.

* Antônio Carlos de Souza Hygino, membro da Academia de Letras de Ilhéus e Juiz de Direito.

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