quinta-feira, 26 de agosto de 2021

ARTIGO

 

James Amado: 1912 - 2001

Situação de James Amado

Cyro de Mattos*

 

Os exemplos não são poucos em que autores de uma obra importante não impressionam à crítica arguta com o livro da estreia. As imperfeições são flagrantes.  O talento e a entrega ao fazer literário não se tornam  suficientes para que o nascimento do escritor aconteça  no texto de nível superior reconhecido. Fundo e forma demonstram instabilidade. Vícios e virtudes convivem em alguns trechos.

 É muito grande o salto que James Joyce deu entre a primeira fase de sua obra e a segunda com Ulisses (1966), considerada esta como subversiva na estrutura tradicional das formas narrativas da novelística ocidental.  Machado de Assis no passado e Jorge Amado no presente podem ser assinalados entre nós como escritores que se tornaram importantes com a obra em andamento, ficando a desejar com os seus livros primeiros. Os romancistas Assis Brasil e Lígia Fagundes Telles chegaram ao ponto de  riscar  de sua bibliografia  o livro de estreia por considerá-lo insignificante como expressão literária na prosa de ficção.     

      .    O fato repetiu-se  com os nossos autores ao longo dos anos em razão de  nossa novelística  ainda não ter se aprofundado na renovação dos processos  formais  de criação  e firmado uma tradição de autonomia. A intuição predominava na construção do texto, os instrumentos de concepção e execução da obra não tinham sido bem assimilados. O risco do desequilíbrio entre a forma e o fundo ocorria sem que fosse obtido o efeito eficaz da projeção positivada.

          Adonias Filho, com Os servos da morte (1946), João Guimarães Rosa,  comSagarana(1946),  Samuel Rawet, com os Contos de imigrante (1956), Clarice Lispector, com  Perto do coração selvagem (1944),  José J. Veiga, com  Os Cavalinhos de Platipanto (1959) e  Luís Vilela , com  Tremor de terra (1967), entre outros, são exemplos de autores bem-sucedidos na estreia. 

O romancista levado a construir um universo ficcional com linguagem adequada e moderna, diferente dos meios tradicionais empregados na sua época e antes dela, adota elementos formais novos para focar sua temática característica. Expande suas visões oblíquas do mundo ao introduzir no conteúdo os motivos decorrentes das relações sociológicas e regionais, trabalhando com a perspectiva formal moderna, que projeta encontrar para a narrativa uma maneira incomum de dizer sobre seres e coisas, com base numa técnica avançada. Exemplo disso é o romancista James Amado com o seu Chamado do mar, livro de estreia,  o único de ficção que o autor escreveu.

James Amadoé o terceiro e último filho de João Amado de Faria e Eulália Leal Amado, desbravadores da região cacaueira baiana, na época da conquista da terra. Nasceu em Ilhéus, em 1922. Era o irmão caçula de Jorge Amado. Com Chamado do mar obteve menção honrosa no Prêmio Paulo Prado, em 1949.

O livro reproduz um território que alterna a paisagem marinha e a servidão à terra, tendo como cenário Pontal dos Ilhéus, no Sul da Bahia.  A ambiência de natureza marinha é o local em que acontecem conflitos interiores e sociais vividos por pescadores numa colônia de pesca. É um dos romances mais vigorosos da ficção brasileira que tem como motivação o mar e sua gente. Acontecem os dramas de ordem psicossocial numa paisagem típica e regional, com personagens convincentes que transmitem a imagem da criatura humana afundada numa conjuntura miserável, marcada pelas injustiças sociais.

Na incursão por sentimentos baixos e desvãos da alma, em que entra o desespero, a revolta, o ciúme e o medo, o lirismo não é deixado de lado. A praia e a economia do cacau com suas mazelas servem como referenciais contrários à paisagem humana em que criaturas primárias vivem a dura realidade diária carregada de dramas. O que chama atenção nesse romance com forte apelo do mar é a técnica usada, que difere da empregada por Jorge Amado em seus romances de conteúdo popular. Se em Jorge Amado o que interessa   para a teia romanesca se tornar interessante é contar a história  como se apresenta na vida real, com uma linguagem que corresponda a do povo, despretensiosa, em nível da fala,  através do relato que se desenvolve nas ações dos personagens com princípio, meio e fim, em James Amado o procedimento do ficcionista moderno toma direção inversa.

 Existe no autor de O Chamado do mar uma técnica moderna na montagem do romance. Na estrutura da obra entra o corte cinematográfico, o uso do contraponto e do monólogo interior. Aqui com propriedade são empregados os meios adequados modernos para auscultar a alma e expor o drama. Os personagens ganham dimensão na trama, ocupando um curso que avança em situações descontínuas dos movimentos. 

Narrado assim, com a técnica moderna dos ficcionistas norte-americanos, que trouxeram para a estrutura do romance, após a Segunda Guerra Mundial, o uso do contraponto e do tempo cronológicolinear fragmentado, desmembrado para se associar à trama, até hoje Chamado do mar guarda a áurea de texto romanesco inovador e mantém o segredo perene de atualidade. Personagens de marcante psicologia sobressaem no desenvolvimento fragmentado do enredo, como Alício, Arlinda, Tonha, Yazinha, José Alves e Vicente.

Tradutor de Tolstoi, Eugene O’Neil, Hemingway e Sartre, James Amado foi também o responsável pela edição das Obras Completas de Gregório de Matos, publicadas pela Editora Janaina, em Salvador.  Pena que publicasse apenas um romance, dos bons. Talento, vocação e consciência do ofício, qualidades que lhe sobravam, infelizmente não foram requisitos  suficientes para motivá-lo a escrever  livros de contos ou romances, deixando um legado  expressivo em termos de criação no panorama das letras brasileiras. Seu conto “A sentinela” participa de três antologias: Panorama do Conto Baiano, organizada por Nélson de Araújo e Vasconcelos Maia; Histórias da Bahia, por Adonias Filho, eModerno Conto da Região Cacaueira, por Telmo Padilha.

           Formado em sociologia e política, James Amado foi atuante na política e tinha posições firmes na defesa da democracia. E na luta pela liberdade. Dono de um humor cáustico, exerceu o jornalismo no Rio. Foi casado com Jacinta Passos, Gisela Magalhães e Luiza Ramos, filha do escritor Graciliano Ramos. Ocupou como membro efetivo a cadeira 27 da Academia de Letras da Bahia. Faleceu em 1* de dezembro de 2013, em Salvador.

 

Referência

AMADO, James. Chamado do mar, romance, Editora Record. 5ª. edição, Rio de Janeiro, 1977. 

* Membro da Academia de Letras da Bahia, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna.

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