sexta-feira, 7 de maio de 2021

ARTIGO



O vôo absoluto de um poeta grapiúna* 
 Kleber Torres

Dia 5 de maio é a data em que nasceu o filósofo Karl Marx no século XIX. Neste mesmo dia, em 1930, há exatos 90 anos, nascia em Ferradas, o poeta grapiúna Telmo Padilha, autor de mais de 30 livros publicados, alguns deles traduzidos para o italiano, o espanhol, o inglês e até para o japonês, que conquistou dois importantes prêmios literários: o Prêmio Nacional de Poesia, do MEC, através do Instituto Nacional do Livro, em 1975 e o Prêmio Internacional de Poesia San Rocco, da Itália.

Ele atuou como jornalista no Rio de Janeiro e depois em jornais da região Sul da Bahia, onde chegou a ocupar a secretaria executiva do Conselho Nacional dos Produtores de Cacau, hoje extinto. Também foi Membro da Academia de Letras de Ilhéus, por indicação de Adonias Filho, de quem foi amigo pessoal.

Entre os livros publicados estão "Girassol do Espanto"(1956); "Ementário"(1974); "Onde tombam os pássaros"(1974); "Pássaro da Noite" (1977); "Canto Rouco"(1977); "O Rio"(1977); "Vôo Absoluto" (1977); "Poesia Encontrada"(1978); "Travessia"(1979); "Punhal no Escuro"(1980) e "Noite contra Noite" (1980), todos no gênero da poesia e dois outros trabalhos editados pela Editus, mas ainda não lançados oficialmente pelos seus familiares.

O livro Vôo Absoluto, uma das suas obras mais marcantes, lhe valeu a premiação na Itália e nesse livro, como nos demais trabalhos onde imprimiu um tom intimista, o discurso literário envolve ao mesmo tempo um conteúdo e uma preocupação filosófica, de caráter existencialista, o que permite ao leitor diversas leituras e releituras, com uma reflexão sobre a sua vida e o estar no mundo.
O autor também trabalhava temas recorrentes como a morte, os pássaros – que dão títulos a dois de seus livros -, a solidão, além do amor e da vida. Falava ainda da sua relação com a realidade da sua terra, da cultura do cacau e do próprio compromisso do artista com a história.



Na foto, os escritores, Jorge Amado, Sá Barretto, Telmo Padilha, 
Florisvaldo Mattos e James Amado


Críticos

Telmo Padilha conviveu com vários autores e críticos como Gilberto Mendonça Teles, José Paulo Paes e Eduardo Portela, para quem sua poesia residia numa lírica lucidez, que se contrapõe a um verdadeiro abismo interior, entre a febre e insônia, expressando num processo criativo maduro e num estilo impecável.

Telmo Padilha se caracterizou como um poeta que escrevia compulsivamente e por isso, deixou milhares de poemas escritos em papel ofício, de embrulho e até em lâminas de maços de cigarro, sempre com uma letra miúda, que estão sendo catalogados por familiares. Há ainda um legado não sistematizado de centenas de artigos publicados em jornais, revistas e publicações da região e da capital.

Nos artigos ele falava sobre tudo: literatura, poesia, economia, política, filosofia e até dos amigos para quem tinha sempre uma palavra elogiosa e um afago. Também deixou um longo Poema de Amor e Ódio a Itabuna, cidade que retrata através das pessoas e das vivências do seu dia a dia e que foram transformados em poesia.

O poeta nos deixou numa manhã chuvosa do dia 16 de julho de 1997, depois de sofrer um acidente de automóvel na BR 101 e mesmo sendo removido como vida para um dos hospitais da cidade, acabou não resistindo aos ferimentos recebidos e morreu de traumatismo cranioencefálico. (Kleber Torres)

Texto poético

INFÂNCIA
Telmo Padilha

Fartura. Nem tanto
mais que uma fazenda
com seus pastos, seus animais,
o engenho antigo, o rio
correndo entre pedras,
tímido sob as grandes
árvores,
água.
A noite desenhava
úmidas assombrações.
O vento no rosto
do menino cavalgava
mais que seu cavalo.
A vida tinha seu cheiro
de eternidade, exato
e puro.
A morte era um fato
natural, quase geométrico
na ignorância da tarde.


* Artigo publicado originalmente na página pessoal de Kleber Torres. Disponível em: https://www.facebook.com/kleber.torres.549 

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