segunda-feira, 27 de setembro de 2021

ARTIGO

         

MATO VIRGEM – Em tradução de Moema Parente Augel | Ilhéus... com amor!



ILHÉUS E O PRÍNCIPE AUSTRÍACO

Cyro de Mattos 



Desconhecido no Brasil, na íntegra, o volume Mato virgem (2010), de Ferdinand Maximiliano von Habsburg, príncipe austríaco, passa a ter agora uma edição primorosa em português através da Editus, editora da Universidade Estadual de Santa Cruz. A tradução do livro, introdução e notas são da Professora Doutora Moema Augel, baiana nascida em Ilhéus e há anos radicada na Alemanha onde leciona Português e Cultura Brasileira na Universidade de Bielefeld. No trabalho da tradução da obra, ela contou com a substancial ajuda do marido alemão, Professor Doutor Joahannes Augel.

A erudita tradutora fez peregrinações e pesquisas constantes em castelos, bibliotecas alemãs e austríacas, durante anos, para se aparelhar de instrumental necessário que lhe permitisse uma tradução eficiente da obra na qual o príncipe austríaco relata suas impressões da Mata Atlântica, que circundava em 1860 a cidade de Ilhéus, então remanescente da capitania hereditária do Brasil colonial.

As intervenções de Consuelo Pondé, presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, dos professores Soane Nazaré de Andrade e Joaquim Bastos, reitor da UESC, foram fundamentais para a publicação da obra, que compreende quatro partes, cada uma correspondendo ao dia que o arquiduque austríaco passou em Ilhéus, naqueles idos que vão longe. Assinalando cada dia, vê-se a localização e a data dos acontecimentos narrados: São Jorge dos Ilhéus, 15 de janeiro de 1860; fazenda Vitória, 16 de janeiro de 1860; no mato virgem, 17 de janeiro de 1860; na colônia alemã em Cachoeira, 19 de janeiro de 1860. O arquiduque Ferdinand Maximiliano von Habsburg, futuro Maximilano I, Imperador do México, era descendente da linhagem de Carlos V da Espanha e de Maria Theresia de Áustria, e sobrinho-afim de Vitória da Inglaterra. Primo do imperador Pedro II, foi casado com a princesa Charlotte, filha do Rei Leopoldo da Bélgica.

Nasceu em 6 de julho de 1832, em Viena, numa época de busca de consolidação das tradições monárquicas e conservadoras europeias, que o declínio do sagrado Império Romano-Germânico, dissolvido formalmente 26 anos antes, arrastou consigo. Buscava-se também as conformações dos reinos e impérios nacionais europeus. Além disso, era a época da ordenação dos estados alemães e consequente luta entre a Prússia e a Áustria pela supremacia dentro da Confederação dos Estados Alemães. Entre as mazelas e os bons frutos produzidos pela Revolução Francesa de 1848, o príncipe austríaco encaminhou-se para a carreira naval. Chegou a Comandante da Frota de Guerra aos 24 nos de idade e a Comandante-em-Chefe de toda a Marinha Austríaca. Seduzido pelo mar, desde cedo conheceu a Grécia, a Turquia, regiões da Itália, Espanha, Ilha da Madeira, Albânia, Egito e, por último, o Brasil. 

De cada uma dessas excursões resultou extenso relato, em livros com estofo literário, nos quais foram registradas impressões de viagem com seus pormenores. Tiveram publicação pela imprensa austríaca, em tiragem pequena. Foram sete volumes reunidos sob o título comum Esboços de viagem. A última dessas viagens, a que fez ao Brasil, foi de natureza privada e não mais na posição de representante oficial de seu país. Corresponde ao sonho de conhecer o Novo Mundo e a verdadeira floresta virgem, onde o dia era noite, o sol não penetrava, de tão entrançado o teto formado pela copa de árvores nativas, que dormiam com sua imensa cabeleira verde nas vagas de um sono milenar. Depois que conheceu o Brasil, o futuro Maximiliano I tornou-se Imperador do México onde enfrentou oito anos de reinado conturbado, até que foi fuzilado por ordens de Benito Juárez.

Inserido nos padrões de sua classe social e neles amoldado, viu o Brasil com os olhos de um príncipe em férias. De espírito aventureiro e romântico, amava a Natureza e sempre desejou substituir a convivência repetitiva e enfadonha dos perfumados salões imperiais na Europa por excursões a outros países onde pudesse conhecer diferentes gentes e costumes, assim como a fauna e a flora da mata virgem no Novo Mundo. Sua estada no Brasil teve início em 11 de janeiro e se estendeu até 15 de fevereiro de 1860. Nesse período esteve em Salvador, conheceu o Recôncavo e a Ilha de Itaparica. Andou por alguns dias no Rio de Janeiro, subiu a serra para visitar Petrópolis e regressou depois de passar por Recife, quase dois dias. 

Entre centenas de excursões de viajantes estrangeiros que chegaram ao Brasil no decorrer do século XIX, ocupa lugar destacável a do arquiduque Ferdinand Maximiliano von Habsburg, que ficou registrada no volume Mato virgem, publicado em reduzida tiragem, em Viena, pela Imprensa da Corte e do Estado, em 1864. O relato sobre a viagem que empreendeu o príncipe ao Sul da Bahia, no navio Elizabeth, tem início com a sua chegada ao cais de Ilhéus. Ele descreve o desconforto que teve até chegar ao Sul da Bahia. 

As insuportáveis dores, ora agudas ora como pontadas, ora repuxando, faziam-me recordar vivamente minha falta de atenção por não me ter protegido dos raios solares, despertando-me arrependimento e sofrimento, causando até mesmo crises de desespero, pois eu receava que o estado em que me encontrava pudesse impedir-me de realizar minha tão sonhada expedição à floresta virgem. 

Na sua chegada a Ilhéus, com o navio Elizabeth, de bandeira branca hasteada, veio acompanhado do cônsul da Áustria na Bahia, representante da nobreza austríaca, senhor Lehman, que havia se instalado na Bahia desde 1850, como próspero comerciante exportador. A missão do cônsul era conduzir o ilustre patrício até a propriedade do Senhor Steiger-Muenssinger, um suíço alemão que vivia na região há quinze anos. Ao desembarcar do vapor, foi de barco avisar ao amigo sobre a visita do príncipe enquanto Maximiliano permanecia no navio. 

Desconhecendo o idioma português, o príncipe deixava o sossego e o conforto nobre da Europa para se hospedar na casa-sede da fazenda Vitória, de construção rústica, pertencente ao conterrâneo Frederico von Steiger. Assim começava a realizar sonho tão esperado de visitar a selva habitada de perigos, insetos, feras, serpentes, as estações temperadas pelo clima tropical, diferente do intenso frio europeu. Conheceria uma fauna diversa nas inúmeras espécies e uma flora exuberante, que inundava com a sua beleza o seu olho azul do príncipe. Ficaria impressionado com a vida selvagem de outro conterrâneo, Heinrich Berbert, a quem ele denominou Rei da Floresta, em razão de seus conhecimentos do meio bárbaro onde vivia. Essa figura lendária de alemão usava pequena bússola para se orientar no emaranhado da selva hostil e impenetrável. Era respeitada pelos fazendeiros, negros, índios e a gente mestiça. 

Mato virgem traz a marca de uma escrita sedutora, configurada pelas impressões de um espírito romântico, tão ao gosto da época na Europa, que negava a eficiência da razão e, ao mesmo tempo, comprazia-se em fazer o elogio como afirmação da vida a intuição, a emoção e o amor à natureza. Para Otto Maria Carpeaux, o acontecimento da Revolução Francesa produziu na Europa inteira uma profunda emoção, exprimindo-se em uma literatura de tipo emocional, que se deu a si mesma o nome de romantismo(História da literatura ocidental, vol. IV, p.1852). Nas trilhas do Romantismo, o príncipe Maximiliano von Habsburg achava-se capaz de enfrentar a empreitada de conhecer a natureza bárbara, com dificuldades terríveis, a fadiga em consequência de dias seguidos de marcha através de espessa vegetação, o calor extremo, os ferimentos causados por espinhos e insetos, perigo iminente de serpentes e feras. Seu espírito pertinaz, arrebatado pela emoção que acalentava um sonho antigo, o impelia para se encontrar diante de avassalador cenário bruto, revelador de sustos esplêndidos e descobertas exuberantes. Mergulharia no universo indescritível formado do verde pela floresta, com árvores nativas, de troncos enormes, macacos que saltavam nos galhos como os melhores trapezistas e cantos de pássaros, numa orquestração selvagem, lembrando de novo o nascimento do paraíso. 



Referência 

HABSBURG, Ferdinand Maximilian von. Mato virgem, diário de viagem, tradução de Moema Augel, Editus (UESC), Ilhéus, Bahia, 2010.

*Cyro de Mattos é autor de 80 livros, de diversos gêneros. Publicado em Portugal, italiano, francês, alemão, espanhol, dinamarquês, russo e inglês. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.

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