segunda-feira, 5 de agosto de 2013

SEMANA JORGE AMADO - A ACADEMIA VAI PUBLICAR UMA SÉRIE DE EVENTOS COM A PARTICIPAÇÃO DOS CONFRADES


Cyro de Mattos, no centro da foto
Elogio de Jorge Amado

 Cyro de Mattos

Da saga de cobiça e sangue, do curso da violência na terra primitiva, com suas léguas férteis que acenavam como um eldorado,  nasceria uma literatura original, que por vários aspectos tem lugar  destacado na novelística brasileira. Cabe a Jorge amado o lugar indisputável de quem como romancista  de denúncia social deflagrou importante corrente temática na ficção regionalista do Brasil. É  o escritor compromissado em recriar a realidade objetiva, que faz prevalecer o documental sobre o subjacente, a linguagem coloquial no texto  sem preocupação  em auscultar o herói problemático, em sua tensão crítica diante do  mundo.  
         
Diferente de Adonias Filho, um inventor de formas,  com seus romances trágicos que se desenvolvem no espaço da infância da região cacaueira baiana, percebe-se  no autor de Terras do Sem Fim que o  mais importante  no fundo de tudo e sempre é a essência mesma da narração, a história  e a emoção que dela decorrem, interagindo no outro feito cúmplice do mundo.  A narrativa linear obedece aos momentos do  princípio, meio e fim para apresentar o modo e o tempo seqüenciado  dos  acontecimentos destacados  da realidade objetiva. A cadência dramática da vida escorre-se nesses três momentos, configurando  como na novelística  tradicional  a estrutura romanesca do que o autor pretende representar.

Romancista da memória, fecundo criador de personagens, ímpeto impressionante na narrativa desenvolta, apresenta-se na escritura que prende como um  escritor  que participa e julga o mundo. Dá seu testemunho sobre o que  viveu e sentiu. Expõe  cenas e situações dentro de geografia humana típica. Com apelos dramáticos  e líricos, suas histórias acontecem na Região Cacaueira Baiana e Salvador.

         Cyro, Jorge e Zélia Gattai
    

A galeria de personagens femininas do romance brasileiro é ocupada com relevo pela enigmática Capitu, de Machado de Assis, a  suburbana carioca e sofrida Leniza Maier, de Marques Rebelo, a de feição ambígua e rústica Diadorim, de Guimarães Rosa,  a humilde roceira e complexa Biela, de Autran Dourado, a guerreira incansável  Maria Moura, de Rachel de Queiroz.  A morena Gabriela, de Jorge Amado, vem se juntar a todas elas, com seu jeito inesquecível vestido de ingenuidade,  sua graça feita beleza tecida  de flor e cor de canela. Na galeria dos grandes personagens  do nosso romance, não se pode deixar de considerar que  Jorge Amado é o criador de personagens que têm carne e sangue, riso e tristeza, sonho e desejo, vivem  como gente: Tieta do Agreste, Dona Flor, Pedro  Bala,  Pedro Archanjo, Mundinho Falcão, Ramiro Bastos, Vasco Moscozo de Aragão e Quincas Berro d’Água.

Nos livros de ficção desse escritor popular percebe-se, sem esforço,  que o narrador de linguagem sedutora dá voz aos humilhados e ofendidos, ao povo do candomblé, gente do cais, prostituas, seresteiros, pescadores, operários, poetas populares, meninos de rua. Fica nítido que para ele é mais importante o conteúdo,  muitas vezes interligado com humor no enredo,   do que a palavra com a qual  a vida é recriada.

Intimo dos ficcionistas norte-americanos comprometidos  com a realidade social  do século vinte, romancistas russos  de inspiração proletária, poetas populares, assim é este romancista com sua mensagem de liberdade e esperança na escrita irreverente, ora fascinante, ora sensual, mesclada com suas ondas  de indignação.

Desfrutei da sua amizade, incentivou-me, acreditou em meu processo criativo. Enviava-me alguns de seus livros  com amáveis dedicatórias. Os artigos que escreveu sobre alguns dos meus livros surpreendiam-me, davam-me sustos esplêndidos. Publicou esses artigos  em  jornais importantes  de nossas letras,  como “A Tarde”, “Jornal do Brasil” (Rio) “Jornal de Letras” (Rio) e “Jornal do Comércio” (Rio). Certa vez, em artigo publicado em “A Tarde”,  ao escrever sobre o meu livro infantil  “Palhaço  Bom de briga”,  artigo  em forma de missiva dirigida ao romancista Josué Montelo, então presidente da Academia Brasileira de Letras, ele  chegou ao ponto de  lembrar meu nome para fazer parte daquela  importante instituição cultural. Houve exagero, só mesmo o coração generoso do renomado romancista para esse tipo de lembrança.

Exercia a amizade como uma coisa nata. Com ele não entravam  no exercício da vida a vaidade, a  intriga, a inveja e o despeito. Dava-me conta por isso que existia  ainda  o homem simples como o artista, embora fosse comum encontrar na vida   o artista vaidoso como o homem.  O compromisso que sempre teve com as letras foi o da verdade, honestidade, promoção do reconhecimento do valor no outro e a defesa da  liberdade de expressão. Jorge Amado é reconhecido por justiça como um legítimo romancista, um poeta da prosa que encanta. Detentor  das mais belas páginas de nossas letras. De O Gato Malhado e Andorinha Sinhá, retiro essa passagem, com sabor e saber  que resultam de um criador maior:

O mundo só vai prestar
Para nele se viver
No dia em que a gente ver
Um gato maltês casar
Com uma alegre andorinha
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e Dona Andorinha.

Qual o escritor que não gostaria de assinar uma jóia como essa, simbolizando  o amor que a  vida deve ter sem preconceitos e dominações? Uma jóia singela com brilho de verdade, tão dele. O amor como armadura sustentável na  leveza do ser, ração igual e água clara para todos.

Nasceu Jorge Amado em 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, em Ferradas, um povoado  do jovem município de Itabuna, que aparece em Terras de Sem Fim como um dos domínios do coronel Horácio. Faleceu aos 6 de agosto de 2001, em Salvador.



*Comunicação apresentada na Academia de Letras de Itabuna, em 20.5.2013. Cyro de Mattos é escritor, poeta e advogado aposentado.

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