Morreu em casa, em Salvador, na
Bahia, neste domingo (1º), aos 91 anos, o escritor James Amado,(FOTO), irmão caçula do
também escritor Jorge Amado (1912-2001). Elizabeth Ramos, familiar do escritor,
contou ao R7 que ele morreu cercado da família, vítima de falência
múltipla dos órgãos. O sepultamento está marcado para às 17h de hoje, no
cemitério Jardim da Suadade, em Salvador, onde o corpo será velado na Capela F.
Paloma Jorge Amado, filha de Jorge
e sobrinha de James, lamentou a morte do tio em uma rede social.
— Estou rachada completamente
destroçada. Meu pensamento está todo voltado para minha tia Luiza, mulher
formidável, e para meus queridos Janaína, Inaê, Maurício e Fernanda, mais que
primos, irmãos muito amados. Hoje é dia de dor e saudade.
Terceiro e último filho de João
Amado de Faria e Eulália Leal Amado, James Amado nasceu em 1922 no sul da
Bahia. Ele era o último irmão vivo de Jorge Amado.
James Amado era membro da Academia
de Letras da Bahia desde 1990, na qual ocupava a cadeira de número 27.
Ele escreveu o romance Chamado
do Mar, ambientado na cidade de Ilhéus. Além de escritor como o irmão, James
também foi ativista político, já que integrou a área de Cultura do Partido
Comunista Brasileiro por muitos anos.
Ele se casou três vezes: com
Jacinta Passos, com Gisela Magalhães e também com Luiza Ramos Amado, filha do
escritor Graciliano Ramos, sua última mulher. Ele deixa quatro filhos: Janaína,
Inaê, Maurício e Fernanda.
"Dois centenários grapiúnas", texto de James Amado. Clique abaixo e leia.
DOIS CENTENÁRIOS GRAPIÚNAS -
Sosígenes Costa e Nelson Schaun na poesia política
Duas personalidades que se marcaram no perfil do mundo cultural
sul-baiano, Sosígenes Costa e Nelson Schaun, têm centenário de nascimento este
ano. Seus trabalhos e paixões impõem-se à rememoração. Sosígenes Costa, que
teve a poesia por destino, imaginou uma mítica história de sua terra e sua
gente, mas datou-a “do tempo do onça, em que o rio não tinha cacau” e misturou
nesse enredo os deuses do Olimpo e os que ele criou na sua mitologia indígena,
aboliu o néctar e a ambrosia do banquete dos gregos e os substituiu pelo suco
da polpa do cacau: E o cacau foi chamado o alimento do céu.
A origem divina dessa lavoura se mostra, com clareza, quando nasceram
Sosígenes e Nelson, e por sobre a imensidão da floresta que ia da foz do rio
Cachoeira à barra do Jequitinhonha, terá havido a cimeira dos deuses. Não
somente os locais, mas todos eles num congresso de ventos. Maravilhados com a
beleza do mar e da mata virgem, deitaram sobre ela uma bênção consensual. A
bênção divina foi rapidamente levada à prática e dois novos elementos se
juntaram ali: um odor denso, moreno, cobriu toda a região, encheu todos os
peitos do mesmo anseio, todas as cabeças do mesmo e único sonho.
Nelson Schaun e Sosígenes Costa, dois legítimos grapiúnas, nasceram no
primeiro ano do último século do milênio. O cacaueiro, que nenhum deles
plantou, até já teria deixado de produzir, mas seus trabalhos e paixões são
ainda palpáveis, mesmo que, para alguns, possam parecer de duvidosa utilidade.
Neste relato, que agora se faz pedestre, retomo da memória suas figuras num
mesmo dia-a-dia sem aventura, diferentes uma da outra mas que se aproximam e se
assemelham no lastro comum que animou seu pensamento.
Nelson nasceu em Ilhéus, Sosígenes chegou de Belmonte aos 16 anos. Nunca
saíram dali, a não ser por raros e breves dias; Ilhéus era o núcleo urbano
central do mundo cacaueiro, dali a lavoura subira os rios para o interior. Num
movimento inverso, a ela chegavam as cargas de amêndoas secas, nos vagões de
brinquedo da ferrovia dos ingleses, transferidas em alvarengas aos cargueiros
estrangeiros que ancoravam diante da avenida da praia, pois o porto somente
recebia embarcações de pequeno calado. Ilhéus era o centro nervoso do processo
de produção, cofre dos primeiros bancos, comprava e pagava à vista, com seus
agentes por todo o interior, o cacau miúdo dos posseiros e burareiros e as
safras numerosas dos grandes fazendeiros.
Era ela com seu mar e suas colinas, e era nova em folha, ao tempo de
Nelson e Sosígenes; de discutível antigüidade tinha apenas a igrejinha de São
Jorge; dispensava fortes coloniais que lhe recordassem antigos canaviais,
donatários ou senhores de engenho. Renascera capitalista, por seus caminhos
corria dinheiro vivo, nada lhe perturbava a riqueza, tanta e tão acessível. No
imaginário popular, Deus fora rebaixado a simples corretor da esperança que
levaria o alugado à eminência da estátua dourada do Coronel, figura emblemática
da bem-aventurança. Nelson Schaun e sua cidade eram amantes e contentes. Ele a
tratava com a intimidade alegre e sem restrições do namorado nascido, criado,
vivido e disposto a morrer ali onde bate seu coração e seu sangue reconhece
cada esquina e seu rosto é reconhecido em todos os momentos por todas as
pessoas.
De acordo com sua vocação de figura pública, ele se fez professor. Sua
escola estava em toda parte, estava no mestre sempre disposto à lição. Na sala
de sua morada com Vanja (nome raro, suave sussurro), primeira casa da rua do
Sapo, a das moças sem maridos, mas com filhos, aos quais ele ensinou
gratuitamente a “ler e escrever corretamente a língua portuguesa” (...). No bar
do fim de tarde, era onde se tornava aluno da intimidade, apenas murmurada, com
um sorriso maroto, dos segredos que todos saboreavam: o Maraú, do comandante
italiano, havia chegado e apitara longamente para avisar a Cremilda, no alto de
São Sebastião, que seria seu parceiro-coronel para a noite de amor; ou o
afundamento do iate no gargalo da barra, de onde escapara a professorinha de
Itapira, beata e virgem, passando graxa de sapato em todo o corpo para
esgueirar-se pela vigia estreita - e a garotada se assanhara com a visão.
Sosígenes Costa nasceu na ponta sul da região, foz do Jequitinhonha e
trouxe para Ilhéus todo o seu cabedal: o conhecimento dos sinais do sistema
morse e uma bela caligrafia, bens úteis e requeridos dos telegrafistas.
Aprendeu o Boudot, que imprimia em fitas estreitas de papel as mensagens
telegráficas. Estes eram os laços mais estreitos que Sosígenes Costa mantinha
com a comunidade, pois a ele cumpria ler, corrigir, cortar e colar nos
formulários cumprimentos, ordens, pedidos, declarações sucintas, nascimentos e
óbitos, e quanto mais lhe revelasse, na brevidade dessas comunicações, a vida
da cidade. Ele preservava, rigorosamente, sem concessões, seu direito à
privacidade, sua necessidade de comunicação tinha canais próprios, dispensava o
contato físico e a conversação, câmbio de sentimentos e pensamentos. Raramente
era visto em locais públicos. A caminho da agência do telégrafo, transitava por
ruas pouco freqüentadas e, assim, quando retornava ao seu quarto-e-sala,
improvisado num edifício comercial, sua oficina de trabalho noturno, onde fazia
e refazia, numa escala de tempo muito particular, seu verso maravilhoso. Ilhéus
era, também, a sua cidade, e ele seu produto, ali aprendeu, com rara percepção
crítica, os motivos de sua poesia tão especial, sem parentesco a não ser, pela
excelência da qualidade, com os poucos grandes poetas universais da língua. Ali
aprendeu os ritmos populares das festas de largo, e reinventou a linguagem dos
alugados. Sobre o longo poema da origem mítica da lavoura, esclarece: “Começa
com versos livres, soltos como menino no pasto, pula num samba, emenda por um
coco, cai de novo no samba e termina falando como a gente fala”.
Às tardes, na Associação Comercial, secretariava e reportava em atas
formais, com sua letra cuidada e clara, as semanais reuniões da Diretoria. Nos
outros dias, ele supervisionava o cuidado dos jardins da casa imponente, que
ornamentava com flores raras, e tratava pessoalmente de algumas dezenas de
gaiolas de passarinhos canoros, que os meninos da redondeza pegavam e lhe
traziam, em troca de algumas moedas. A casa e a praça enchiam-se de trinados de
canários, cardeais e pintassilgos. Um pássaro preto, que imitava o canto dos
demais e repetia a primeira fase do Hino Nacional, andava atrás dele, esvoaçava
pelas salas do andar superior e às vezes pousava na mesa grande das reuniões. À
noite, quem passasse pela praça e os jardins diante da Prefeitura, ouvia, vindo
do salão de festas da Associação Comercial, o som das músicas que o poeta
tirava no piano de meia-cauda, entremeando peças clássicas e populares.
O mal dos deuses é terem fé nas criaturas que os criaram. Na região
cacaueira, o sonho único da riqueza geral foi rapidamente burlado: o lavrador
estabelecia a sua posse no meio da mata, plantava sua rocinha, vivia com a
família da caça e da pesca abundantes. Certo dia, aparecia o fazendeiro, que
havia comprado do governo, ao preço de um centavo o hectare, a terra devoluta.
Pagava ao posseiro a benfeitoria feita ao chão, contratava-o para fazer uma
roça muito maior e, quando a plantação começava a produzir, assumia a sua
propriedade, pagando ao lavrador um tostão por árvore. A “operação” repetia-se muitas
vezes, o lavrador alugava seu braço e sua intimidade com a lavra, vivia e
morria miserável, sem dinheiro e sem terra, proibido de comer cacau, perdido de
seu sonho.
Nelson Schaun e Sosígenes Costa, grapiúnas urbanos, sem machado ou foice
para derrubar pau e ciscar o solo, um deles professor e extrovertido, o outro
poeta e introvertido, pareciam não cruzar seus caminhos no espaço exíguo da
cidade pequena. Uma vez, ao menos, estiveram juntos. Schaun reuniu seus poucos
companheiros e, sem os cuidados que a situação de clandestinidade impunha ao
seu sonho, estruturou o primeiro comitê do movimento comunista em toda a imensa
região cacaueira. Durante algum tempo aquela mínima unidade orgânica foi
sozinha na cidade de Ilhéus, sozinha no mundo inteiro. Vista desde hoje, sete
décadas passadas, tão longínqua, é um pequeno e singelo momento da mais alta
grandeza humana. O sonho era devolvido à população grapiúna, sonho antigo e
desgastado, mas renovado em termos modernos, um século antes. Nelson Schaun
gostaria de haver encerrado o ato simples com o verso oratório de um poeta de
sua predileção (mas ainda por escrever): Um fantasma assombra a Europa, o
mundo*/ Nós o chamamos Camarada.
Sosígenes Costa, infenso a reuniões de quaisquer tipos, soube do ocorrido
e fez um pequeno poema, como se fosse ele o professor (leia o poema na pág. 8).
Depois, muito depois, aqueles deuses simpáticos e benfazejos, que doaram aos
grapiúnas a bênção do cacau, aborrecidos com tanto caxixe, fizeram uma breve
reunião de controle da situação e resolveram mandar a praga da vassoura de
bruxa dar fim à história.
* Abertura do texto do Manifesto Comunista (1848) de Engels e Marx.
James Amado é escritor e grapiúna; pertence à Academia de Letras da Bahia.(Texto: Excertos).
[A Tarde, Cultural, 29.09.2001]
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