DISCURSOS DE POSSE


 Discurso de posse -  Cadeira 38


JOSÉ NAZAL PACHECO SOUB
Cadeira 38 - Posse: 13 de dezembro de 2024




"Hoje é um dia de muita alegria! Um dia que me traz o sentimento de quem vem tentando seguir aquilo que aprendi com meus pais, meus avós, familiares, amigos e, em especial, aos professores e mestres 
que marcaram minha vida".



Hoje é um dia de muita alegria! Um dia que me traz o sentimento de quem vem tentando seguir aquilo que aprendi com meus pais, meus avós, familiares, amigos e, em especial, aos professores e mestres 
que marcaram minha vida

Mais do que alegria, sinto gratidão: sempre e em primeiro lugar a Deus, nosso Criador, que me permitiu chegar aqui, para integrar, de forma humilde e absolutamente respeitosa, a Cadeira 38 da Academia de Letras de Ilhéus, local que sempre frequentei ao longo desses anos, nos eventos aqui realizados, sem nunca imaginar vir a ser confrade de pessoas que admiro e tenho como ícones da nossa cultura, literatura, história, feitos e saberes, faróis que alumiam nossa cidade e região, desse vasto chão do cacau.

Na fundação da Academia de Letras de Ilhéus, a Cadeira 38 foi dedicada ao Patrono José Virgílio da Silva Lemos, nascido no município de Piaçabuçu, localidade Ribeirinha do Rio São Francisco, município de Penedo, no Estado de Alagoas. Iniciou seus estudos na sua cidade, seguindo para a capital baiana em 1883.

Em 1885, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, abandonando logo o curso para se dedicar ao ensino particular, ao jornalismo e às causas abolicionistas. Aliado a Raimundo Bizarria, Eduardo Carigé, Luís Anselmo da Fonseca e outros, combateu algum tempo depois a escravidão, ensaiando os seus primeiros passos como publicista na imprensa diária. Foi jornalista e diretor no jornal Diário de Notícias, em 1888. Neste ano fundou o Diário do Povo, por meio do qual iniciou a propaganda do regime Republicano. Com justificação judicial adotou o nome de Virgílio de Lemos e, assim, ficou famoso, abandonando o seu extenso nome.

Com isso, eu me sinto honrado por ocupar a cadeira de um cidadão que lutou contra a maior pena de humanidade: a escravização humana. Sinto-me obrigado a continuar essa luta, contra todas as formas de opressão, preconceito e segregação, que infelizmente ainda temos em nossa sociedade.

O primeiro ocupante da Cadeira 38 foi o intelectual e padre Nestor de Passos, que exerceu o ministério sacerdotal na cidade de Itabuna, à época ainda Diocese de Ilhéus. Segundo documentos da Arquidiocese de Vitória da Conquista, em 1927, com a criação do município de Itambé, o prefeito Dr. Aparício do Couto Moreira, pede a influência do seu tio, Mons. Moisés do Couto Moreira, Vigário de Itabuna para que junto ao Arcebispo da Bahia, criasse a Paróquia de Itambé.

Assim sendo, foi criada pelo Arcebispo Primaz Dom Augusto Álvaro da Silva a Paróquia São Sebastião de Itambé a 28 de novembro de 1935. Para que pudesse ser erigida, o Vigário de Nossa Senhora das Vitórias em Conquista, Pe. Nestor Passos, prontificou-se a dar os primeiros apoios para que essa Paróquia fosse criada. Foi ele o seu primeiro Vigário, de 28 de fevereiro de 1936 até 27 de dezembro de 1937.

Da então Diocese de Vitória da Conquista, Nestor Passos voltou para a Diocese de Ilhéus, continuando seu ministério na cidade de Itabuna. O livro comemorativo do centenário da Diocese de Ilhéus, traz registro do jornal Diário de Ilhéus, de 1948, onde se lê: “Ao evangelho, depois da ‘Ave Maria’ [...] ocupou a tribuna sagrada o padre Nestor Passos, vigário de Itabuna, que proferiu belo sermão durante o qual fez o panegírico de São Jorge [...]”.

Hoje, no município de Itabuna, existe um logradouro cujo topônimo o homenageia, Rua Nestor Passos, onde Padre teve forte atuação política, tendo sido candidato a prefeito na eleição de 1962, quando foi derrotado pelo seu adversário, Félix Mendonça.

O último ocupante da Cadeira 38, o professor Carlos Eduardo Lima Passos da Silva, jurista e literato, que tive a honra de conhecer pessoalmente, dedicou sua vida profissional como Promotor no Ministério Público da Bahia, atuando durante muitos anos na Comarca de Itabuna.

Em entrevista concedida para a Academia de Letras de Itabuna - ALITA, da qual também era membro, ele dizia que era uma pessoa modesta, cônscia de suas limitações intelectuais, aberta ao diálogo e às interações com pessoas que possuem os mesmos dotes e interesses, na ambição de crescer no plano "espiritual" e ofertar aos semelhantes algo valioso.

Assim confessa o professor Carlos Eduardo: "Lembro-me quando possuía onze anos de idade, que papai, abrindo uma gaveta, encontrou uma ‘poesia’ inserta num pequeno caderno de anotações. De logo foi tomado de entusiasmo, passando a propagar o feito. Depois disso não mais parei de escrever, embora nunca tenha publicado os meus textos juvenis."

Dedicou sua vida profissional ao parquet e se realizou pessoalmente defendendo e difundindo a literatura que tanto amava. Espero poder honrar o lugar que ocuparei.

Por fim, voltando aos agradecimentos, rogo aos céus para não esquecer a quem dirigir minha gratidão. Dessa Academia, conheci muitos membros, hoje confrades, e que não mais estão fisicamente entre nós. Dentre eles, Dorival de Freitas, que todas as vezes que nos encontrávamos, repito, todas as vezes, ele me dizia: “você tem que ir para a Academia”; seguido do saudoso João Hygino; como também Raymundo Pacheco Sá Barretto, meu querido e saudoso primo e tio-avô; e Manoel Carlos Amorim de Almeida, meu tio-de-leite. A eles, o meu perdão pelas recusas, entendendo que tudo tem sua hora.

Mais recentemente, também recusei convites de Maria Luiza Heine, Sebastião Maciel Costa e Jabes Ribeiro. Não me foi possível negar ao Professor Ramayana Vaz Vargens, que conseguiu me convencer. Agradeço a ele em nome de todos que me convidaram. Hoje, digo sim a todos.

É imperativo, para mim, o registro de duas ausências, de dois grandes mestres, mais ainda, de dois grandes amigos: Carlos Roberto Arléo Barbosa e André Luís Rosa Ribeiro. Foram presenças marcantes em minha vida.

Ao professor e confrade Jabes Sousa Ribeiro, que conheço desde 1973, quando fui seu aluno no Cursinho RNA, agradeço as palavras a mim dedicadas em sua saudação, exorto e desejo que ele possa concluir o livro de memórias que está em produção, trazendo a todos nós a memória de sua trajetória política, de nossa cidade e região grapiúna. Gratidão por suas palavras, de todo meu coração.

Agradecendo a todos que aqui vieram, honrando e elevando esta solenidade, rogo a Santa Luzia, no seu dia, que nos abençoe e proteja.

Confreiras e confrades aqui presentes, que serei eternamente grato pela honra da presença. Aos que não puderam estar presentes, externo minha gratidão pelas mensagens enviadas.


Obrigado eu a todos, por tanto.

José Nazal Pacheco Soub



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 Discurso de posse -  Cadeira 19

  



Saúdo à mesa e a todos os presentes. 



Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Muda-se o ser, muda-se a confiança

Todo mundo é composto de mudança

Tomando sempre novas qualidades

.............................................................

E afora esse mudar-se a cada dia

Outra mudança faz de mor espanto

Que não se muda mais como soia

Camões

Inicio a minha fala com esse fragmento do soneto camoniano, para reafirmá-lo. Sim, não se muda mais como se costumava mudar...

Estou aqui hoje respondendo aos convites que recebi, em diversas épocas, de presidentes desta casa. Afinal, Mudam-se os tempos...Em atenção àqueles convites - desde o primeiro que recebi do saudoso Francolino Neto (lá se vão alguns tantos anos...), chegou o momento de aceitá-los. 

Quero agradecer ao confrade Aleilton Fonseca, pela apresentação do meu curriculum à confraria desta Academia. Agradecer à receptividade da sua diretoria: Pawlo Cidade, Anarleide Menezes... E, ainda, a atenção da secretária, Eliene Higínio. Especialmente, agradeço a acolhida de todos os confrades e confreiras, que hoje me recebem.

Foi com muita emoção que ouvi as palavras de saudação de Ruy Póvoas, antes de tudo, um amigo-irmão que a vida me deu. 

Hoje, a sensação é de mais um passo na minha caminhada, quando chego a esta casa para tomar posse da cadeira 19, que tem como Patrono Ferreira Câmara e como Fundador Eusínio Gaston Lavigne. E, mais recentemente, foi ocupada por Arléo Barbosa - três intelectuais. Idealistas, defensores da cultura, do bem social e da história, valores que, acredito, dão sentido à vida. 

Nesses valores, busco inspiração para esta minha fala.

O Patrono da cadeira 19, Manuel Ferreira da Câmara de Bittecourt e Sá nasceu em Minas Gerais (1762) e viveu muitos anos em Portugal. Lá, na Universidade de Coimbra, foi colega de José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da nossa independência. Engenheiro, publicou inúmeros trabalhos na área científica dentre os quais destaco Ensaio de Descrição Física e Econômica da Comarca de Ilhéus na América (1789),  

Na sua trajetória, nos idos do sec XVII, enquanto membro da Academia Real das Ciências de Lisboa, defendeu o plantio do cacau para Ilhéus. Atenta à sua defesa por Ilhéus, digo com Fernando Pessoa, (QUINTO/ D Afonso Henriques. In: Mensagem) . 

PAE, foste Cavallero

Hoje a vigília é nossa.

Dá-nos o exemplo inteiro

E a tua inteira força!

Neste ano de comemoração dos duzentos anos das bravas lutas dos baianos pela independência do Brasil, tomo esses versos em postura de decolonialidade, afirmando: “hoje a vigília é nossa”!

Do Fundador dessa mesma cadeira, Eusinio Gaston Lavigne, muito há a dizer. Falecido em 1973, a sua biografia é do conhecimento de alguns de vocês. Eu não tive a honra de conhecê-lo e o que vou lhes falar, resumidamente, é fruto de leitura de alguns dos trabalhos publicados, dele e sobre ele, que o declaram um democrata humanista. 

Mas refiro pontualmente o livro Eusínio Lavigne - Paradigma de Caráter e Honradez (2009), de autoria do seu filho José Leo Lavigne que, nas suas 497 páginas, reúne o cerne do pensamento do pai: inabalável à causa socialista. 

Não há contradição quando, tantos que escreveram sobre esse democrata, dizem que ele foi um intelectual de primeira linha: jurista, político, escritor, jornalista. Participou de vários movimentos sociais e político-democráticos, desde a campanha civilista de Ruy Barbosa, na revolução de 1930, movimento de partidários da paz, que ele liderou em Ilhéus, onde foi prefeito, de 1934 a 1937. 

Incentivava a história e a literatura porque acreditava na sua força para a formação do cidadão. Ainda sobre os seus feitos é de mencionar o livro da confreira desta casa Maria Luiza Heine. IME, O sonho de Eusinio Lavigne. (1999), que trata dos 60 anos do primeiro ginásio público do interior da Bahia e evidencia a luta de Lavigne em defesa da educação.

Autor de diversos livros, notadamente sobre espiritismo e socialismo, dentre tantos, sobre ele, disse Jorge Amado, no prefácio de Os espiritualistas perante a paz e o marxismo: a perfectibilidade do espírito, pelo socialismo (1955):


“as ideias expressas neste livro apenas completam a sua 
nobre e corajosa atitude de cidadão que tem sido, no Brasil, 
um dos mais destacados e ativos partidários da Paz.”

Passaram-se os anos e essa Cadeira 19 foi ocupada por Carlos Roberto Arleo Barbosa, desde 2009 até quando, infelizmente, ele nos deixou, em fevereiro de 2022.

À família de Arléo Barbosa, à sua esposa, seus filhos e netos, que agora com afeto cumprimento, digo que, sobre Arléo, é fácil falar, até porque com ele convivi nos tempos de UESC, e sei do profissional comprometido, idealista e pesquisador apaixonado por estas terras e por sua história. 

Baiano de Jequié, ainda adolescente veio morar nesta cidade e aqui plenamente viveu. Sua formação de graduação foi em Pedagogia, ainda pela Faculdade de Filosofia de Itabuna, em 1968. Depois voltou o seu interesse de pesquisa para a área de História, fazendo especializações sucessivas: História Contemporânea, Educação Brasileira, História Regional. Em 2002, concluiu o mestrado em Educação, com a dissertação: “A rede pública de ensino médio de Ilhéus: décadas de 1940-1950. Análise de um trajeto histórico”. 

Teve significativa atuação na vida cultural ilheense, inclusive foi um dos fundadores do Colégio Fênix, em 1988. Foi professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, de 1974 a 2008, onde além de professor foi pesquisador na área da História Regional

Publicou vários livros e artigos em jornais e revistas. Especialmente cito os livros: Monarquismo e Educação (1972); Nhoesembé (1973); Ilhéus (2010) e Notícia Histórica de Ilhéus (2013).

Foi presidente desta Academia de Letras de Ilhéus, no período de 2009 a 2013. Ao longo da sua trajetória, recebeu várias homenagens. De tantas, aqui destaco, o título de Cidadão Ilheense (1986) e a Comenda do Mérito São Jorge dos Ilhéus (2004), ambas pela Câmara de Vereadores de Ilhéus. Além disso, recebeu o Reconhecimento pelo pioneirismo e anos de dedicação ao ofício de Historiador, à formação de professores na região Sul Baiana, do XXX Ciclo de Estudos Históricos (2019). 

Professor da rede pública e privada de Ilhéus, em março deste ano de 2023, foi homenageado com o seu nome para o colégio estadual da Barra de Itaípe que passou a ser Colégio Professor Carlos Roberto Arleo Barbosa. 

Agora, também em sua homenagem, sigo a linha do tempo, citando Colombos, in Mensagem, de Fernando Pessoa: 

.........................................

Outros poderão achar

o que, no nosso encontrar, 

Foi achado, ou não achado,

Segundo o destino dado. 

Mas o que a eles não toca 

É a magia que evoca

O Longe e faz d’elle história.

............................................... 

E, neste instante, para dizer de mim, eu recorro à literatura, através de fragmentos:

A memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que importa, eternizando momentos.

Adélia Prado

É preciso recomeçar a viagem. Sempre. 

José Saramago

Mais importante do que o que a vida faz com a gente, é o que fazemos do que a vida fezcom a gente. 

Mia Couto

É que tem mais chão nos meus olhos 

do que cansaço nas minhas pernas. [...] 

Cora Coralina

O valor da coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis. Fernando Pessoa 

E completo com as minhas maiores referências:

Perseguir sonhos, é vida que segue 

Ladislau Netto, meu pai

Viajar é preciso, e viver para contar a história 

Henrique Simões


Pois é, quanto a mim, não há mais muito que falar, pois Ruy disse até dizeres do avesso (usando o título do seu último e belo livro). 

Como alguns já sabem, sou soteropolitana de nascimento, mas me tornei grapiúna por identidade e vida.

Sempre me considerei uma pessoa de sorte. 

Começo por dizer da minha descendência indígena, da tribo dos Kiriri, um povo guerreiro e observador, localizado no sertão nordestino (norte da Bahia). Essa descendência é por parte do meu pai, Ladislau Netto, advogado, escritor, de quem herdei o gosto da aventura, o prazer da leitura e a crença de que se deve sempre perseguir os sonhos. E tive o exemplo da minha mãe, Anna Teixeira Netto, de sangue português, poetisa, exemplar companheira, uma mulher toda coração... Assim, vivi a infância, cercada por quatro queridos irmãos (hoje, aqui, representados pelo mais velho, Sérgio, nosso patriarca). Vivi em Salvador, na península de Itapagipe, no Monte Serrat, entre o mar e os livros... entre o estudo, as aventuras e as viagens...

E a minha sorte seguiu, quando, aos 13 anos, conheci Henrique Simões; com ele, casei-me aos 18. Tive a ventura de ter meus dois filhos: Mauricio e Moyses. E a família cresceu com as noras e as netas. E aqui estão Juliana e Camila.

Pois bem, casada, vim morar na acolhedora Itabuna, onde fui recebida por seus pais - Celita e Paulo Simões - e os 8 irmãos, que se tornaram a minha segunda família.

Depois, encantados com Ilhéus - por sua história, sua beleza natural -, escolhemos viver nesta arrebatadora cidade.

Felizes vivemos até o ano de 2020, quando ele precisou partir para uma dimensão paralela... 

Neste momento, ao falar para vocês da minha caminhada, perdoem-me, mas não consigo fazê-lo sem trazer a presença de Henrique, com quem intensa e plenamente partilhei toda a vida. O destemor da aventura foi a nossa maior cumplicidade. E a nossa vida foi de estudo, trabalho, viagens... Sempre juntos... fazendo a vida valer!!

Então... Juntos, vivenciamos o sonho do ensino superior na região. 

Cheguei à Itabuna ainda no tempo das escolas isoladas; a Faculdade de Filosofia, àquela época com Flavio Simões Costa, Manuel Simeão da Silva, Maria Rita Coelho Dantas, Valdelice Pinheiro, Rivaldo Baleeiro, meus mestres, que neste momento reverencio. 

Vimos a primeira geração de sonhadores que, liderados por Soane Nazaré de Andrade, reuniu as escolas isoladas - de Direito de Ilhéus, Faculdade de Filosofia e de Economia de Itabuna - na Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna. Aqueles sonhadores plantaram a semente do ensino superior na Região, que a minha geração seguiu, na crença de que é pela educação que se conquista a liberdade cidadã e o desenvolvimento. Hoje, tenho a certeza de que valeu a luta de muitos por um ideal. A Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC - aí está. 

Na FESPI e, depois, UESC, vivemos a maior parte das nossas vidas. É com alegria que digo: fizemos parte do grupo fundador daquela instituição ao lado de tantos valentes idealistas, alguns aqui presentes, como a primeira reitora eleita da UESC, Renée Albagli Nogueira.

No Departamento de Letras e Artes, na FESPI, depois UESC, vivi a minha vida profissional.

Bem ... preciso dizer que, no caminhar da vida, a literatura sempre me iluminou para melhor entender o mundo e as gentes...

Desde cedo, aprendi que a leitura de um texto é um convite instigante para o pensamento e para a reflexão. “A literatura é como uma grande colagem de saberes [...]” como diz Roland Barthes. 

Mas a minha formação passou também por viagem. As viagens ampliaram o meu horizonte e alimentaram o meu senso de liberdade. Como não falar? Viajamos o mundo, buscando conhecer culturas, estudando e, cada vez mais, entendendo que a diferença e o respeito, enriquecem a humanidade. 

E o meu olhar pesquisador acrescentou a viagem à literatura. 

Então, no Departamento de Letras da UESC, criei o grupo de pesquisa Identidade Cultural e Expressões Regionais - ICER, direcionando a pesquisa para a literatura e o turismo. O entendimento é de que as narrativas de um povo são legado; evidenciam cultura, história, paisagens, costumes... E a expectativa é de que o turismo deve funcionar como estratégia de sustentabilidade e resistência identitária, pelos que recebem; enquanto enriquecimento cultural, para os visitantes.

Relacionando a viagem com o trabalho da pesquisa, de tantas experiências que a vida me oportunizou, destaco aqui o projeto de educação patrimonial através da literatura, desenvolvido entre UESC e escolas de ensino fundamental . A ideia do projeto, antes de mais, é fazer a “viagem” leitora, buscando o reconhecimento do nosso patrimônio natural e cultural e da identidade grapiúna, visando a valorização da literatura regional e a formação de cidadania no jovem leitor.


Citei especificamente esse exemplo, dos tantos projetos realizados, pela importância da cultura na formação dos jovens, em atenção ao objetivo precípuo de uma Academia de Letras de “cultivar a língua portuguesa e a literatura e cultura nacionais”. 

Mas também o citei, aproveitando este momento, para dizer que ações similares não se sustentam somente no idealismo do fazer do educador; carecem de apoios e sensibilização dos poderes públicos para a sua execução. 

Enfatizo, portanto, a necessidade de políticas públicas que garantam um ensino de qualidade, com a valorização do trabalho docente e a disponibilização à comunidade de equipamentos como teatros, centros de excelência, etc, que atendam aos projetos culturais locais. E, também, claro, que atentem para a preservação do nosso patrimônio.

Penso que a ousadia, a vontade política, o olhar lúcido e comprometido com o bem-estar social é que fazem grandes idéias se tornarem realidade. Acredito ser também uma das responsabilidades de uma Academia de Letras contribuir e influenciar nessas políticas.

Assim pensando, retomo os valores comuns aos meus antecessores, que considerei como um laço entre nós: além do amor por Ilhéus, o compromisso com a sua cultura e história. O olhar para o social, com respeito às diferenças em consideração da multiculturalidade brasileira. E é a isto que, neste momento, me proponho ao tomar posse desta cadeira 19: tentar somar, fazendo valer esses valores, com vistas a contribuir, cada vez mais, para a solidez desta Academia.



Agradeço a acolhida desta casa e a presença de todos vocês.

Obrigada!



Maria de Lourdes Netto Simões (Tica Simões)

Ilhéus, em 22 de julho de 2023.

 

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Discurso de posse de Manoel Carlos de Almeida Neto na Academia de Letras de Ilhéus. 

 

 

 

Senhoras acadêmicas, senhores acadêmicos

 

Tenho a honra de chegar à vossa ilustre convivência, com o coração repleto de satisfação, mas sobretudo, com humildade, porquanto fui eleito para ocupar a Cadeira sagrada que foi, por mais de 60 anos, do imortal fundador da Academia de Letras de Ilhéus, José Cândido de Carvalho Filho, de saudosa memória.

 

Vestes, becas e togas

 

Existe uma relação entre as vestes talares dos templos clérigos e fardões acadêmicos, com a beca e a toga dos tribunais, que remonta os trajes sacerdotais da antiga Roma. Isso deve nos lembrar que não se trata de adorno de vaidade, mas de um símbolo de tradução atemporal e de liturgia institucional. Porque os homens são efêmeros, mas as ideias, os ideais e algumas de suas criações podem se tornar imortais. E por isso as reverenciamos.

 

No templo brasileiro das letras, a criação da Casa de Machado de Assis se deu por obra do seu idealizador, o ministro Lúcio Mendonça, do Supremo Tribunal Federal. Evandro Lins e Silva, que também honrou a mesma toga, a mesma beca e o mesmo fardão, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras registrou que foi o próprio Machado de Assis, em almoço por ele oferecido a Lúcio Mendonça, o proclamou, em público, como “o verdadeiro fundador da ABL”.

 

A aproximação natural dos juristas com a Academia ocorre pela força do elo que os une, o apego e a devoção pelo vernáculo. Todavia, a linguagem forense ou “boca de foro”, como dizia San Tiago Dantas é geralmente viciada por expressões em latim, termos técnicos, arcaicos e enfadonhos próprios no mundo bacharelesco, que formam um plexo vocabular coloquialmente conhecido como “juridiquês”. 

 

Poucos notáveis forjados na linguagem do Direito conseguiram se libertar dessas amarras para transcender os limites do universo jurídico para a glória das letras, na senda aberta por Ruy Barbosa, o maior de todos os juristas do Brasil. É que, como ensinou o filósofo Wittgenstein, “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”.

 

O fundador e seu legado

 

É exatamente nessa categoria de jurista que repousa o nome do acadêmico imortal José Cândido de Carvalho Filho, ministro de ontem e de sempre do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, de saudosa memória, que honrou a toga para glória da profissão e fundou a Cadeira nº 39 da Academia de Letras de Ilhéus – ALI, a Casa de Abel Pereira, ao lado de Adonias Filho, Jorge Amado, João Mangabeira, Orlando Gomes, entre outros imortais, em 14 de março de 1959.

 

Nascido em 13 de abril de 1924, no município de Boa Viagem, Sertão de Canindé, Estado do Ceará, filho de José Cândido de Carvalho, então prefeito da cidade, e Maria Emília de Carvalho. Seus avós paternos se chamavam Francisco Alves Madeira e Izabel Fausta de Carvalho, e os maternos se chamavam Manoel Duarte de Araújo e Maria Emília de Carvalho.

 

José Cândido, carinhosamente chamado de “Zequinha”, escapou da mortalidade infantil pelos cuidados de sua irmã mais velha, Amélia, para estudar em Canindé e Fortaleza, onde recebeu tratamento de saúde adequado para vencer a enfermidade, conforme revela em sua autobiografia “Boa Viagem da Minha Infância”, de 2008. 

 

Cursou a graduação e se formou bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, entre 1946 a 1950, e, na mesma instituição licenciou-se em História pela Faculdade de Filosofia e, em 1965, recebeu o título de Doutor em Direito Penal.

 

Sob orientação do professor Raul Chaves, conquistou a cadeira de professor assistente de Direito Penal da UFBA, com a tese denominada “Concurso Aparente de Normas Penais”, publicada em 2009, por incentivo de sua querida neta, a procuradora Maria Cândida Carvalho Monteiro de Almeida, com prefácio do ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, Doutor pela Universidade de Roma, o qual assenta, com absoluta razão, que, “o livro, não há exagero, é de consulta obrigatória”, pois o “conflito aparente de normas penais, insista-se, é instituto chave da interpretação”. 

 

Atingiu a cátedra maior, de Professor Titular de Direito Penal da UFBA, com tese que disseca os “Tipos Legais Criminológicos do Código de 1969”, publicada em 1976, pela editora Beneditina, em Salvador. 

 

Antes de ingressar na magistratura, José Cândido exerceu o mandato parlamentar, como Deputado Estadual na Assembleia Legislativa da Bahia, por duas legislaturas consecutivas, a de 1959 e 1966. No ano seguinte, em 1967, foi investido no cargo de Juiz Federal e, em 1969, assumiu a função de ministro suplente do Tribunal Federal de Recursos – TFR e tomou posse no cargo de Juiz efetivo do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia. 

 

Em 1980, tomou posse como ministro efetivo do Tribunal Federal de Recursos, no qual exerceu a presidência da 2ª Seção. Foi corregedor-geral da Justiça Federal entre 1987 e 1989 e presidiu a comissão de obras dos cinco tribunais regionais federais criados pela Constituição Federal de 1988.

 

Com a extinção do Tribunal Federal de Recursos, o ministro José Cândido passou a atuar no Superior Tribunal de Justiça – STJ, desde a sua instalação, em 1989, onde presidiu a 6ª Turma e a 3ª Seção, integrou o Tribunal Superior Eleitoral – TSE, e se aposentou em 25 de abril de 1994, quando completou 70 anos.

 

Em 2005 publicou “As Curvas do Rio”, belíssima obra de memórias da região que, nas palavras da acadêmica Maria Luiza Nora de Andrade, “recupera cenas importantes que permitirão que sejam guardados costumes, crenças, superstições, religiosidade e valores culturais (...) E faz isso através da valorização do conhecimento do trabalhador rural, o mais humilde e, ao mesmo tempo, o mais sábio dentre os quatro debatedores”. Publicou, ainda, em 2010, a obra “O médico e a índia”, no cenário fabuloso do distrito de Olivença, impregnado de história e encanto. 

 

O saudoso acadêmico imortal José Cândido de Carvalho Filho teve a plenitude da felicidade em seu casamento com Maria da Conceição de Carvalho, a sua amada Mariinha, com quem teve três filhos: Cesar, Célia Márcia e José Cândido de Carvalho Júnior e netos. O seu legado e exemplo jamais serão esquecidos.

 

Cairu, o patrono 

 

Patrono da Cadeira nº 39, José da Silva Lisboa nasceu em Salvador, em 1765 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1835. Primeiro barão e “Visconde de Cayrú”, foi figura de proa e um dos mais importantes personagens da transição do Brasil-Colônia para o Brasil-Império. Filho do arquiteto português Henrique da Silva Lisboa com a baiana Helena Nunes de Jesus, começou os seus estudos no convento das Carmelitas, em Salvador, onde funcionava a sede do vice-reino de Portugal. 

 

Aos 18 anos, em 1774, foi para Portugal, formou-se em Direito Canônico e Filosófico pela Universidade de Coimbra. Em 1778, foi nomeado professor substituto das cadeiras de grego e de hebraico do Real Colégio das Artes de Coimbra e, no mesmo ano, assumiu, por nomeação régia, a cátedra de filosofia nacional e moral para cidade de Salvador, onde deu aulas por duas décadas, inclusive de grego. 

 

Com vastíssima erudição e sólida produção literária, publicou “Princípios do Direito Mercantil”, em 1801, obra pioneira no Brasil, “Princípios de Economia Política”, em 1804, “História dos principais sucessos políticos do Império do Brasil”, em 1826, por encomenda de D. Pedro I, após a outorga da Constituição Política do Império, de 1824. 

 

Em razão da chegada da família real no Brasil, o Visconde de Cairu teve papel decisivo na assinatura da Carta Régia que abriu os portos brasileiros para as nações amigas, e, também, na criação do Banco do Brasil, em 1808. 

 

Reverberando o ideário liberal de Adam Smith e o conservadorismo de Edmund Burke, de quem era tradutor e interlocutor, e muito longe de ser perfeito, se posicionou contrário à liberdade religiosa na Constituinte de 1823, porque via no catolicismo o único caminho possível para a moralidade e a estabilidade do Império. 

 

No Senado imperial, logo no ano seguinte a sua instalação no Palácio do Conde dos Arcos, no Rio de Janeiro, em 1827, defendeu ensino diferenciado e simplificado para as meninas, ressalvado nas disciplinas de português e religião, com inaceitável retórica preconceituosa e discriminatória contra a mulher, posições acolhidas pelo conservadorismo reinante. Sustentou, ainda, a manutenção da monarquia luso-brasileira durante a revolução do Porto. 

 

Embora reconhecido pela comunidade científica no exterior, porquanto foi membro do Instituto Histórico da França, da Sociedade de Agricultura de Munique e do Instituto Real para a Propagação das Ciências Naturais de Nápoles, o fato é que a sua inabalável subserviência ao Império e a sua incontornável posição conservadora, contra o progressismo que move as sociedades para frente na conquista de novos direitos fundamentais, explica a razão pela qual o Visconde de Cairu é hoje uma figura tão pouco lembrada, citada e estudada no Brasil. 

 

Em sua passagem por Ilhéus, exerceu o cargo de Ouvidor do Império. Foi ainda Desembargador da Mesa do Desembaraço do Paço, Deputado da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do Estado, Desembargador da Casa de Suplicação, Conselheiro de Sua Majestade Fidelíssima, Inspetor-Geral dos Estabelecimentos Literários e Diretor-Geral dos Estudos, Suplente da Assembleia Constituinte do novo Império, em 1823, Deputado pela cidade de Salvador. No ano de  1825 recebeu o título de Barão e, no ano seguinte, tornou-se Senador do Império, por escolha pessoal de Dom Pedro I. 

 

 

Por toda densidade biográfica dessas duas figuras públicas, de envergadura maior no campo da literatura, a Cadeira nº 39 fundada por José Candido de Carvalho Filho, impõe a significativa responsabilidade e compromisso com o seu propósito central de “Servir à Pátria Cultuando as Letras” (Patriae Litteras Colendo Serviam). 

 

Sombras, aflição e solidariedade 

 

Senhoras Acadêmicas e Senhores Acadêmicos

 

Precisamos ter consciência de que a humanidade atravessa tempos sombrios, por conta de uma terrível pandemia que tirou a vida de 6 milhões de pessoas, entre os quais 657 mil brasileiros. 

 

E quando finalmente a ciência parece lograr êxito no combate ao inimigo invisível e suas variantes, o segundo maior país do velho continente é invadido pelo seu irmão maior, em uma inaceitável guerra que tem ceifado a vida e a paz de milhares de civis inocentes, entre mulheres e crianças, dilacerando famílias em um bárbaro retrocesso civilizatório. 

 

Lembro-me da oração de Antônio Frederico de Castro Alves, o maior de todos os nossos poetas e patrono desta Academia de Letras, sobre o horror perante os céus:

 

“Senhor Deus dos desgraçados! 

Dizei-me vós, Senhor Deus! 

Se é loucura... se é verdade 

Tanto horror perante os céus?! 

Ó mar, por que não apagas 

Co’a esponja de tuas vagas 

De teu manto este borrão?... 

Astros! noites! tempestades! 

Rolai das imensidades! 

Varrei os mares, tufão!” 

(Tragédia no Mar, O navio negreiro, V, de 18 de abril de 1868).

 

O sentimento, portanto, é de aflição, pesar e solidariedade absoluta a todos aqueles que perderam os seus entes queridos para a pandemia e para a barbárie da guerra. E aqui podemos notar o quanto é imortal o grande poeta. Castro Alves, nesse caso, dolorosamente, continua mais atual do que nunca. As ideias não morrem, sobretudo as grandes.

 

Casa de Abel

 

Mas o coração da Casa de Abel bate no compasso dos seus fundadores e, também, de todos os imortais que por aqui passaram. Eles estão presentes, todos estão aqui. Adonias Filho, Arléo Barbosa, Eusínio Lavigne, Francolino Neto, Halil Medauar, Heitor Dias, João Mangabeira, Jorge Amado, Manoel Carlos Amorim de Almeida, Orlando Gomes, Ramiro Berbert de Castro, Raymundo Sá Barreto, Zélia Gatai, entre tantos outros. 

 

Aos Acadêmicos de hoje, muitos dos quais tive a honra e o privilégio de conhecer e admirar, na condição de aluno, de colega de magistério na Universidade Estadual de Santa Cruz ou de cidadão ilheense, o meu sincero agradecimento pela confiança dos votos que recebi. 

 

Ao mestre dos mestres, professor Edvaldo Brito, meu orientador de mestrado na UFBA, que ocupa a Cadeira sagrada de nº 28, fundada pelo grande jurista e seu pai intelectual, Orlando Gomes, e ao querido professor Jabes Souza Ribeiro, a minha especial gratidão, pela lembrança e condução do meu nome para tão nobre irmandade de letras. 

 

Aprendi desde muito jovem sobre a importância da Casa de Abel Pereira pelas lições do meu saudoso avô, o Acadêmico Manoel Carlos de Almeida, que honrou a cadeira nº 33. Foi ele quem primeiro me ensinou a respeitar os acadêmicos de ontem, de hoje e de sempre.

 

Quando o meu avô Manoel Carlos partiu para a imortalidade, tive o privilégio de receber da minha amada avó Sarah, uma preciosidade que ficava emoldurada na parede de seu escritório e ele costumava mostrar, lembro-me, com bastante orgulho e maravilhoso sorriso no rosto. Eu era garoto, gostava da rima com os nossos nomes, mas demorei a entender aquela estrutura poética.

 

Tratava-se de um poema original, manuscrito em oito linhas, um clássico Triolet à moda francesa, que tanto enfeitiçava o Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis. Oito versos com apenas duas rimas, sendo que o primeiro verso se repete no quarto, os dois primeiros fecham a estrofe como sétimo e oitavo. 

 

Fora esculpido à quatro mãos, pela pena sagrada de Abel Pereira e de Zé Fernandes, que o subscrevem, para o meu avô, seu amigo e confrade:

 

“Triolet


Manoel Carlos de Almeida,

De Firmino Eloy é filho ...

Se não chegou à “Eneida” , 

Manoel Carlos de Almeida

Escritor de tanto brilho,

Pelo menos leu Castilho.

De Firmino Eloy é filho,

Manoel Carlos de Almeida.”  

(Abel Pereira e Zé Fernandes)

 

Se sempre me senti honrado em ter um pedacinho afetuoso da obra do grande Abel Pereira em minha casa, não é possível expressar a dimensão do que sinto em fazer parte, hoje, da Casa de Abel, e ter o privilégio da convivência das Senhoras Acadêmicas e dos Senhores Acadêmicos, a partir desse memorável entardecer de outono nas “Terras do Sem Fim”, do Amado, Jorge, por toda eternidade.

 


Muito obrigado, de todo coração!

 


Ilhéus, 25 de março de 2022.








ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS
DISCURSO POSSE NA CADEIRA 33


Excelentissimo Senhor Presidente da Academia de Letras de llheus, ProfessorARLEO BARBOSA;


Excelentissimo Senhor..........................................................................


Excelentissimos Senhores Acadêmicos;


Cumprimento, de modo especial, os Senhores Familiares do meu sucedido, Senhor Manoel Carlos Amorlm de Almeida, saudando a todos na pessoa do seu filho, Sr. Isaac Albagli, que representa, neste ato, a sua genitora, a Excelentissima Senhora Sara Albagli de Almeida;


Senhoras e Senhores,


No dia 26 de setembro de 1996, cheguei a llheus, removido, que fora, a pedido, da 3a Vara Federal da nossa Capital, para assumir o exercicio come Juiz Federal da Vara Onica de llheus, e inaugurar, no dia seguinte, o novo edificio-sede da Justi9a Federal nesta Cidade. Pedi essa remo9Bo porque, nascido e criado no sertao da Bahia, num Municipio onde as pessoas, se de la nao sairem para longe, morrem sem conhecer um rio perene, desejava conhecer a exuberancia da mata· atli2ntica e das aguas desta regiao, assim como a chamada "civilizayaodo cacau". Menos de·'tres anos depois de aqui chegar, precisamente no dia 14 de agosto de 1999, recebi da Camara de Vereadoresdeste Municipio o Titulo de Cidadao llheense. Nao esperei, a época , receber desta terra galardão maier. Mas me enganei. Em solenidade realizada na sede da Justiça Federal em Salvador, em abril do ano 2000, quando recebi dos Juizes Federais na Bahia uma bonita homenagem pela minha promoção para o Tribunal Regional Federal da 1a Região, com sede em Brasilia, o entao Prefeito de llheus, o agora meu Confrade, Dr. JABES RIBl=IRO, presente aquele ato, anunciou, em discurso ali proferido, que eu seria contemplado, como fui, com a maior condecorayao outorgada por este Municipio: a Comenda "Sao Jorge do llhéus,"que recebi em 28 de junho daquele ano, no belo Teatro Municipal de Ilhéus.


Convenci-me, entao, de que ja recebera de llheus muito mais do que o merecido. Mas me enganei uma vez mais, porque a generosidade de Vossas Excelencias,Senhores Academicos, levou-os a acolher o meu pedido de ingresso neste Sodalicio, pedido que formulei motivado pela admira9ao nutrida por estainstitui9ao, a qual tive ensejo de comparecer, como convidado para algumas sessões solenes aqui realizadas enquanto exerci, nesta cidade, o cargo de Juiz Federal.


Foi relator do meu pedido o Ministro JOSE CANDIDO DE CARVALHO FILHO, a quem me liga uma amizade de quase 40 anos, desde que, ainda coma Procurador da Republica, passei a participar, a partir de novembro de 1973, de audiencias por elepresididas, como Juiz Federal Titular da 2a Vara da Justiya Federal, em Salvador. E uma honra para mim, Ministro, a sua presença a esta minha posse, sobretudo porque posso avaliar o seu esforço, superando dificuldade momentanea de saude, para deslocar-se de Brasilia ate aqui. Se ja lhe seria imensamente grato pela sua presen9a, muito mais o sou pelas gentis palavras que acaba de dirigir-me, e que guardarei como um titulo a mais nesta minha vida profissional e social, que. Vossa Excelencia acompanhou, em sua maior parte.


A Vossa Excelencia, Senhor Ministro, e aos demais Excelentissimos Senhores Academicos agradeço por me haverem acolhido neste templo do saber. Tenham certeza de que a imortalidade que se costuma atribuir, simbolicamente, aos membros das Academias de Letras, não sera simbólica, mas efetiva, quanta a gratidão que lhes dedico por essa acolhida. Mas quero agradecer, de modo especial, ao Desembargador Federal do Trabalho, Dr. ANTONIO RAIMUNDO LARANJEIRA, pela bela saudação que me dirigiu nesta solenidade, elencando fatos reais da minha vida, e tecendo elogios a minha modesta pessoa. Ser um prazer enorme ter Vossa Excelência como Confrade nesta Academia, onde teremos uma atividade mais amena e mais agradavel do queaquela que tivemos, durante decadas, nos Juizos e Tribunais, em que pese a ru>brezada fun9ao de julgar. Muitissimo obrigado a Vossa Excelência.


Ao ingressar nesta Academia, volto meu pensamento para outro serrinhense, o saudoso Professor RUBEM NOGUEIRA, sem dúvida, o mais ilustre filho daquela terra, que, alem do magistério superior, exerceu os mandatos de Deputado Estadual e Deputado Federal, assim coma o elevado cargo de Procurador-Geral da Justiça, foi membro da Academia de Letras da Bahia e da Academia de Letras Jurfdicas da Bahia, tendo sido, tambem, o maior bi6grafo de RUI BARBOSA. Sua Excelencia, que teve umaliga9ao familiar com llheus, pois que aqui vive um seu filho, o Sr. Claudio Nogueira,casado com a Professora Rene Albagli, foi, enquanto Deputado Estadual, autor do projeto de lei que criou o Ginasio Estadual de Serrinha, mais tarde denominado Ginasio Estadual Rubem Nogueira, o primeiro ginasio publico estadual do interior da Bahia. Por isso devo a ele, em boa parte, a minha formação profissional, pois que, sem aqueleginasio, dificilmente teria eu safdo da zona rural onde nasci, para prosseguir nos estudos.


No seu exemplo buscarei inspiração para desincumbir-me da responsabilidadeque assumo, a partir de hoje, nesta Casa de Letras, responsabilidade que se faz maiorporque venho suceder uma figura extraordinária da sociedade ilheense, o Senhor MANOEL CASTRO AMORIM DE ALMEIDA, pessoa que, nas palavras do Presidente Arleo Barbosa, por mim presenciadas em recente ato solene que aqui se realizou, paralanc;amento de uma obra jurfdica de autoria do neto daquele saudoso Confrade, o jovem e talentoso Manoel Castro de Almeida Neto, sem duvida, um dos orgulhos da llheus de hoje, foi ele, o Sr. MANOEL CASTRO AMORIM DE ALMEIDA, um dos mais ilustres membros desta Academia, em todos os tempos.


Se ja nao fosse por isso, e teria eu, por recomendação regimental, que ocupar-me, neste ensejo, da vida e obra daquele eminente homem público. Nao tive a ventura de conhecê-lo, enquanto exerci, aqui, a judicatura. Mas conheci o seu filho, Isaac Albagli, entao Secretario Municipa,l e os seus cunhados, dos quais me aproximei mais; o Dr. Franklin Albagli e o Sr. Alberto Albagli, bem assim a sua cunhada e, então, Magnifica Reitora da UESC, Professora Rene Albagli.


Lendo, porém, o principal livro por ele deixado, intitulado "PORTO DE ILHEUS e etc. etc. etc.", convenci-me de que, no amor a llheus, ninguem o excedeu. Nascido a 04 de fevereiro de 1924, nesta cidade, filho do casal Firmino Eloy de Almeida e Alice Amorim de Almeida, aqui cursou o primario, parte no Grupo Escolar General Osorio,e parte na Escola Afonso de Carvalho. Nao prosseguiu nos estudos formais, segundo revelou, em seu discurso de posse nesta Casa, em razao de uma deficiencia auditiva, que o acometeu desde cedo, prejudicando-o, ate mesmo, no relacionamento com aspessoas, mas se tornou um autodidata, como ele pr6prio se definiu no citado discurso, o que lhe permitiu exercer, com desenvoltura, o jornalism·o nesta regiao, e ocupar importantes fun9oes, publicas e privadas, dentre as quais se destacam os cargos de Presidente do Sindicato Rural de Una, Diretor da Cooperativa Central do Cacau - COPERCACAU, Presidente do Conselho de Cultura de llheus, Presidente da Comissao de Desenvolvimento de llheus - CODECIL, esta encarregada de trabalhar pelaimplanta9ao do Distrito Industrial de llheus, alem de integrar outras importantescomissoes constituidas para tratar de providencias importantes para o desenvolvimentode llheus.


Perpassando as 224 paginas do seu livro ja mencionado, que se constitui em uma coletanea de artigos por ele publica<;ios em jomais desta regiao e no Jornal A TARDE, de Salvador, pude assenhorear-me de como ele, usando da caneta, combateu o born combate, na conhecida expressao do Ap6stolo Paulo, na tjefesa intransigente dosinteresses de llheus.


Foi assim que defendeu a construc;ao de um nova.porto, ao inves de fazer-se a dragagem do porto antigo; a institucionalizac;ao da CEPLAC, sob a forma juridica defundac;ao, tendo o CNPC como seu Conselho de Administra9ao; a industrializagao docacau em llheus, e nao em Salvador, como estava ocorrendo, com a criac;ao, ·aqui, de um Centro Industrial; a constrUg.§o daEstag.§o Rodovi8ria de llhéus, a cria iio do Estado de Santa Cruz, ideia sobre a qual afirmou que "A questao e ter paciência._ Um dia sear realidade"(fl. 54). Defendeu, ainda, a estruturação, pelo Governo do Estrado, da entao recenteEstancia Hidro-Mineral de Olivença, e, ate mesmo, uma melhor organizac;ao docarnaval de llheus, na forma que indicou.


Nessa obra, registra , ainda, Manoel Castro que, em 1980, propôs ao Jornal da Manha, de llheus, a criac;ao de uma sec;ao, no Jorna,l intitulada "PRO-MEMORIA", na qual, segundo as suas pr6prias palavras, se publicariam"depoimentos de pessoas que tenham participado, direta ou indiretamente, de eventos dignos de serem registrados para conhecimento nao s6 da gera9ao atual como dasfuturas, formando, inclusive, uma consciencia hist6rica apoiada em testemunhos incontestáveis" (Fl. 219).


Acolhida, entretanto, a proposta, pelo Jornal, afirma ele que apenas o Prof. SOANE NAZARE produziu um depoimento, relatando a reuniao havida na sede do Bispado de llheus, na noite de 14 de marc;o de 1959, sob a presidencia do entao Bispoda Diocese de llheus, quando foi fundada a entidade mantenedora da Faculdade de Direito de llheus, entidade que se juntou aoutras unidades de ensino superior, dando origem a FESPI (Federação das Escolas Superiores de llheus e ltabuna), a qual, por sua vez, seria o embriao da atual UESC, instituição que, pessoalmente, considero a mais importante, nos dias de hoje, para o desenvolvimento desta regiao, pela diversidade e q_ualidade dos cursos superiores que mantem. Dita manifestac;ao do Prof. SOANE,transcrita no livro, foi assim encerrada:


"Foi assim fundada a mantenedora do primeiroestabelecimento de ensino superior do Sul da Bahia, a fecunda e gloriosa Faculdade de Direito d llheus, hoje unidade federada da FESPI. 


Aos que participaram do encontro, o destine conduziu por diversas estradas.Jose Candido de Carvalho Filho passou de deputado a magistrado e e hoje Ministro do Tribunal Federal de Recursos. Henrique Cardoso elegeu-se deputado estadual, depoisfederal e e hoje lfde·r do PDS, na expectativa do próximo pleito; Tenente Geraldo Silva, transferiu-se para Brasilia, onde nos reencontramos quando fui exercer la as funi;oes tje Chefe do Gabinetedo Ministro das Comunica96es e ele era responsável pela Segurança do Ministério. Telmo Padilha, entregou-se de corpo e alma aliteratura e e poeta mundialmente consagrado.


Quanto ao Bispo, tendo se apaixonado por Maria Vilas- Boas, que fora minha aluna de Sociologia da Educação no INSP, com ela fundou famflia, trocando a mitra pelo casamento. Segundo soube, reside em GovernadorValadares, Minas Gerais.


Eu estou aqui mesmo, ajudando a construir a Universidade de Santa Cruz, nascida naquela noite de 14 de man;o de 1959, e ainda hoje fator de emancipa9ao da gente grapiuna, esta Nagao de dois milhoes dealmas e de tao poucos Hderes" (Fl. 222).


Abstraída a nota pitoresca do fato, relativa a paixão do Bispo, nunca e demais rememorar aquele encontro de 1959, pela sua importancia hist6rica para acultura desta região, sobretudo nesta Casa, que e integrada por dois dos participantesdaquele evento, quais sejam, o pr6prio autor da missiva, Pror.' Soane Nazare de Andrade, e o Ministro Jose Candido de Carvalho Filho. Mas MANOEL CARLOS ainda deixou, pronto para ser publicado, um pequeno livro, intitulado "OS MAXIMILIANOS eoutras hist6rias", editado no ano passado, no qual ele, basicamente, relata a vinda allheus dos nobres europeus, o Prfncipe Maximiliano de Wied Neuwied, em 1817, e o Arquiduque Maximiliano D' Austria, em 1860, ambos em viagens de estudo da flora destaregiao, ressaltando o autor que se decidiu por essa publicagao ao verificar que, "nosnoticiarios que se distribufam pelos jornais faziam-se serias confus6es sobre a figuradaqueles nobres europeus, ambos com o mesmo nome, mas de nacionalidades, tftulosnobiliarquicos e epoca da visita ao Brasil diferentes"(Fl.15.)


Nessa obra, o autor, alem de descrever, pormenorizadamente, as andan9as desses fidalgos europeus pelo interior da Bahia, especialmente por esta Regiao Sul,menciona evento do qual tive a oportunidade de participa,r quando Juiz Federal nesta cidade, qual seja, uma "canoagem", isto e, um passeio em canoas e barcos pelo Rio Cachoeira, em homenagem ao Arquiduque D'Austria, promovida pela Fundação do Mar e da Mata - MARAMATA, entidade criada em 1997 pelo Prefeito Jabes Ribeiro, e que teve como primeiro Presidente o Prof. SOANE NAZARE, idealizador daqueel evento, o qual, segundo me recordo, contou com a presença do Embaixador e da Embaixatriz da Alemanha no Brasil, aquela época, estando presente, também, a nossa historiadora e, agora, minha Confreira, MARIA LUIZA HEINE, a quern, salvo engano, conheci naquela oportunidade.


Referidas, assim, Senhores, ainda que "per saltum", as obras escritas por MANOEL CARLOS, registro que o seu desaparecimento, ocorrido em 17 de fevereiro de2009, faz e fara, ainda, muita falta, nao apenas a esta Casa, mas a toda esta regiao, cabendo a n6s, ilheenses, de cidadania nata ou adquirida, seguir o seu exemplo de dedica9ao e amor a esta terra.


Mas esta Cadeira 33, que, a partir de hoje, passo a ocupar, tern como Patrone ecomo Fundador, respectivamente, o Senhores RUI PENALVA e FRANCISCO DE BRITO TEIXERI A, o primeiro um ilustre Advogado Criminalista nesta regiao, que alcan9ou grande destaque nos embates forenses,especialmente na tribuna do Juri, e o segundo um eminente Professor da UnguaPortuguesa em ltabuna, onde abriu, tambem, uma Livraria, que manteve ate a sua morte, e que se tornara um ponto de encontro da intelectualidade itabunense.


Tudo isso só aumenta a minha preocupa9ao em integrar o seleto corpo de componentes deste 6rgao de elite, que, ao longo de sua existencia, ter abrigado tantos vultos de renome internacional, como _Jorge Amado, Adonias Filho, Milton Santos, TelmoPadilha, entre outros. Por certo, os meus saudosos pais, Procopio Ezequiel da Silva e Agripina Batista da Silva, ao se esfor9arem para me tirar dos labores rurais a que eles se dedicavam, no entao Distrito de Barrocas, e me direcionarem para a Cidade de Serrinha,a fim de cursar, ali, o ginasio, nao podiam, sequer, imaginar que o seu filho pudesse, umdia, integrar uma Academia de Letras, instituil;ao da qua!, sequer, jamais ouviram falar, muito embora se trate de uma das mais vetustas instituii;oes do mundo, bastando lembrar que o termo academia surgiu na Grécia Anliga, ainda no anode 387 A.C., para denominara Escoa Filósofo Platao, que funcionava nos jardins consagrados ao herói Ateniense Akademus, e que, embora destinada, oficialmente, ao culto das musas, teve, tambem,intensa atividade filos6fica. A sua conotac;ao atual, de local destinado as discussoes literarias, surgiu muito mais tarde, na Franc;a, no ano de 1635, quando foi criada, pelo Cardeal Richelieu, no reinado de Luis XIII, a Academie Franyaise de Lettres.


No Brasil, essa instituic;ao chegou no anode 1897, quando foi fundada, nos moldes da Academia Francesa, a Academia Brasileira de Letras, que abrigou, ate hoje, os vultos mais destacados da intelectualidade brasileira, a partir do seu fundador e primeiropresidente, o consagrado escritor MACHADO DE ASSIS. Decisivamente, oconhecimento do que fosse uma Academia de Letras nao era coisa que pudesse chegar, ainda que por ouvir dizer, a zona rural da Barrocas de minha infancia e adolescencia, la pelos meados dadecada de 50.


Recebo, assim, a minha admissao nesta Casa como uma excelsa honraria, eprocurarei participar, na medida do possivel, das reunioes plenarias e das sessoes publicas que aqui se realizarem, o que, por certo, dar-me-a grande satisfayao, seja pelo aprendizado que aqui farei, seja pelo reencontro com tantos amigos que aqui vejo entre os meus futuros pares, alem de outros tantos que pretendo aqui conquistar. Minhas vindas a essas reunioes serao, ainda, oportunidades a mais para rever esta bela cidade e de estar com os meus filhos, Luiz Henrique e Ana Clarice, meus netos, Ana Beatriz, Mariana e Antonio Ezequiel Neto, meu genro, Augusto Cesar, e minha nora, Marilen_e, todos aqui residentes.


Não desejando abusar mais da paciencia dos presentes, apresso-me em encerrar estas palavras, e o fac;o agradecendo a presenc;a de todos que compareceram para prestigiar esta solenidade; tambem a presern;a dos meus familiares e, ainda, aspessoas que prepararam esta bonita festa. Por fim, numa manifestayao de agradecimento a Deus, pelo estado de grac;a em que ora me encontro, concluo declamando um soneto que e uma expressao de amor ao Seu FilhoUnigEinito . De autoria atribuida a Siio Francisco Xa.

(Texto em revisão. Ao ser convertido, foi desformatado).




ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS
DISCURSO POSSE NA CADEIRA 01



Ilustríssimo Senhor André Rosa, DD. Presidente da Academia de Letas de Ilhéus 

Ilustríssima Senhora Jane Hilda Badaró, Secretária da Academia de Letras de Ilhéus 

Ilustríssimo Senhor Adeildo Marques, representando a Academia Grapiúna de Letras 

Ilustríssima Senhora Renê Albagli 

Ilustríssima Senhora Professora Silene Leão 

Ilustríssimo Senhor Joaquim Bastos 

Ilustríssimo Senhor Jorge Hygino 

Senhores Confrades 

Senhoras Confreiras 

Meus senhores 

Minhas senhoras 


A tarde caia suave, serenamente... 

Ainda não era noite e as estrelas no firmamento, timidamente, começavam a 

cintilar. 

Eu era menino e me lembro bem quando ele se dirigiu a mim e com ternura me 

perguntou: 

Você está pronto? 

Ao que respondi: estou. 


Lembro-me com nitidez de suas vestes, o terno de linho branco com discretas 

listras escuras, gravata a combinar, o cravo na lapela, o brilho reluzente do sapato 

escuro. O perfume, o creme no cabelo, o penteado. O sorriso nos lábios. A 

elegância. 


É claro que estou a falar do poeta João Hygino Filho, meu saudoso e querido pai. 

Então, disse-me ele: Vamos... 

Eu segurei as suas mãos e saímos caminhando pelas ruas de Ilhéus. 

No trajeto eu lho perguntei: 

Pai, para onde estamos indo? 

Para a Academia de Letras. 

Curioso, questionei-o: 

Academia de Letras? 


Ele me olhou e com magistral docência disse-me que a Academia era uma 

instituição que tinha por objetivo promover e incentivar a cultura, através de 

diversas atividades de natureza literária, artística e cultural e era integrada não só 

por poetas, mas por intelectuais e cultores das Artes e das Letras e que o seu lema 

é servir à pátria cultuando as letras: “Patriae Litteras Colendo Serviam”. 


Prosseguiu ele ensinando-me que a Academia de Letras de Ilhéus foi fundada em 

1959, no dia 14 de março, dia do natalício de um dos maiores poetas das 

Américas, Antônio Frederico de Castro Alves, o poeta dos escravos. Foi Abel 

Pereira o seu primeiro Presidente. 

Atento, eu o ouvia … 

Disse-me, ainda, que ocupava a Cadeira nº 01, cujo fundador foi Afonso Costa e 

Patrono Carlos Marques Monteiro. 


Afonso Costa nasceu em Lençóis. Formado em direito, não exerceu a advocacia. 

Foi jornalista. Residiu nesta cidade por vários anos. Fundou e dirigiu “O 

Commércio”, folha diária considerada, na época, o melhor jornal do interior do 

Estado. Através da imprensa, contribui muito em prol do engrandecimento da 

região. 


Ausentou-se desta cidade e passou a residir em Salvador e, na capital baiana, 

fundou o periódico “ATUALIDADES”, de efêmera duração. 


Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde fez editados os seus livros. Foi um dos 

fundadores da Academia Carioca de Letras e a presidiu por anos. Foi o idealizador 

da Federação das Academias de Letras do Brasil. Pertenceu a Academia de Letras 

da Bahia. 


Quanto a Carlos Marques Monteiro, contou-me que nos idos de 1927, Francisco da 

Silveira Dórea, homem de inciativas fecundas, inclinava-se à montagem de um 

jornal diário e, para consolidação desse objetivo, pediu apoio ao amigo Eusínio 

Lavigne, ilheense ilustre, cultor das artes e das letras, além de brilhante advogado. 

Eusínio mostrou-se pessimista, por três motivos: 1º) condições financeiras; 2º) a 

cidade não comportaria mais um outro jornal; 3ª) ausência de um jornalista. 

Francisco Dórea insistiu e ponderou no sentido de que: o primeiro óbice seria 

resolvido através de uma sociedade; o segundo, através da competição com o “O 

Commércio”, vespertino acima referido; entretanto, quanto ao terceiro, a falta de 

jornalista, pediu a Eusínio que desse a solução. Eusínio lembrou-se de Carlos 

Monteiro, jornalista em Belmonte. Homem inteligente, honesto e operoso, além de 

conhecedor do ofício. Francisco, então, escreveu para Carlos narrando-lhe o seu 

propósito. Dias depois, Carlos respostou-lhe aceitando o convite. Reunidos, 

Francisco, Alcino e Esmerado Dórea, juntamente com Eusinio Lavigne e Carlos 

Monteiro, fundaram o Diário da Tarde, em data de 10.02.1928. A redação do jornal 

ficou a cargo de Carlos Monteiro. Carlos não admitia notícias falsas. Não dava 

espaço às chantagens. Não violentava sua consciência. Por conta disso, adveio-lhe 

a credibilidade e os seus artigos desfrutavam de grande aceitação pela sociedade 

Ilheense. O Jornal cresceu e ultrapassou as fronteiras de Ilhéus. Para auxiliá-lo 

contratou um jovem de 18 anos, Otávio Moura. Tempos depois, Carlos retornou a 

Belmonte, sua terra natal, deixando um legado valioso para a imprensa de Ilhéus. 

E caminhávamos em direção à Praça JJ. Seabra. Chegamos à Praça. Havia, e ainda 

há, dois monumentos em lados opostos, um em homenagem a Sapho, grande 

poetiza grega da Ilha de Lesbos e a outra de um senhor idoso, de barbas 

volumosas, envolto em uma espécie de manto cobertor, trazendo a ideia de frio, 

o Inverno. Adiante, à nossa direita, o Majestoso Palácio Paranaguá. À nossa frente, 

as tamareiras, o Colégio Afonso de Carvalho e a Associação Comercial de Ilhéus. 

Lembro-me do tapete vermelho. Da escadaria e do piso de puro mármore. Do 

corrimão em metal dourado. Do vitral colorido estilo Art Nouveau e em meio àquilo 

tudo, a imagem de Mércurio, o deus romano do comércio. A Academia, naquele dia, 

estava reunida na Associação Comercial. 


Era uma solenidade. Havia muitas pessoas. Eu estava maravilhado com tudo que 

via e ouvia. Na ocasião tive a oportunidade de conhecer homens da estirpe de Abel 

Pereira, Francolino Neto, Dorival de Freitas, Halil Medauar, Amilton Ignácio de 

Castro, Ariston Cardoso, Otávio Moura, Edgar Souza, dentre outros. 

Após a solenidade, retornamos à nossa casa. Ele estava feliz e eu também. 

E o tempo foi passando... 


Cresci. Formei-me em Direito e, com muito esforço, ingressei na magistratura. 

Já magistrado, vez por outra, eu o acompanhei nas idas à academia, cujas reuniões 

ocorriam em locais diversos, ora em casa de um acadêmico, ora em casa de outro. 

Essa atividade nômade cessou em 14.03.2004, quando, graças à generosidade do 

confrade Jabes Ribeiro, então Prefeito, a Academia recebeu sua sede própria e 

Ilhéus ganhou uma Casa à serviço da Cultura. 


Na oportunidade, a demonstrar o amor pela academia, de sua autoria, recitou o 

seguinte poema: 


ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS 

Cenáculo de luz, donde a luz se irradia 

Em revérberos de luz, em halos de pureza … 

E nas cintilações dos estros a grandeza 

Do seu valor revela, e sua glória anuncia. 

E nas fulgurações da luz na eucaristia 

Parte-se o pão da luz em hóstia de nobreza … 

E o vinho do saber, em haustos de lhaneza 

Haure-se nos cristais, nas taças da poesia … 

Ilhéus toda se ufana dessa luz que fulgura, 

Desse sol que dardeja em solo fecundo 

As letras projetando, as artes e a cultura.... 

E hoje, em sua sede, em seu templo de glória, 

Em seu sólio de luz seu anelo profundo … 

Ao mundo ostenta eril o facho da vitória. 


Embora maduro, continuava a segurar as suas mãos e gostava de ouvir os seus 

conselhos, as suas orientações. Ele sempre esteve ao meu lado, nos momentos 

alegres e tristes, nos momentos de dor e aflição ele alimentava em mim a certeza 

de que não há calvário sem salvação. Eu me sentia seguro. 


De repente suas mãos se desprenderam das minhas e eu chorei como um menino. 

Ele se mudou para o outro lado do caminho. Foi viver no mundo do criador e eu 

fiquei órfão no mundo das criaturas. 

Mas a morte não existe. 


Sobre a passagem, abro um parêntese para lembrar Santo Agostinho 

A morte não é nada. 

Eu somente passei para o outro lado do caminho. 

Eu sou eu, vocês são vocês 

O que eu era para vocês eu continuarei sendo 

Me deem o nome que vocês sempre me deram, 

Falem comigo como vocês sempre fizeram 

Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, 

Eu estou vivendo no mundo do criador. 

Não utilizem um tom solene ou triste 

Continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos 

Rezem, sorriam, pensem em mim. 

Rezem por mim. 

Que meu nome seja pronunciado como sempre o foi, 

Sem enfase de nenhum tipo 

Sem nenhum traço de sombra ou de tristeza. 

A vida significa tudo 

O que ela sempre significou, o fio não foi cortado. 

Porque eu estaria fora de pensamentos, agora que estou 

Apenas fora de suas vistas 

Eu não estou longe, 

Apenas estou do outro lado do caminho 

Você que ai ficou, siga em frente, 

A vida continua , linda e bela como sempre foi. 


Nunca imaginei fazer parte desse sodalício, muito menos nas circunstâncias em que 

tudo ocorreu. Entretanto, era o sonho dele ver-me adentar à Casa de Abel. E acá 

estou, sucedendo-o. 


Por força do Regimento desta Casa, o sucessor há de reportar-se sobre seus 

antecessores. Já o fiz em relação a Afonso Costa e a Carlos Monteiro, 

respectivamente, Patrono e Fundador, como dito alhures, da Cadeira nº 01 desse 

sodalício. Falta-me falar sobre o poeta João Hygino Filho. 


Antes de fazê-lo, embora se encontrem em outro plano, em outra dimensão, mas 

por permanecerem vivos em nossas lembranças, apenas para citar alguns nomes, 

humildemente peço licença a Abel Pereira, a Otávio Moura, a Sosígenes Costa, a 

Carlos Monteiro, a Halil Medauar, a D. Caetano, a Wilde Lima, a Gileno Amado e a 

Eusínio Lavigne; igualmente, pelo licença a Paulo Lopes, a Hélio Pólvoras, a Érito 

Machado, a Hans Schaeepi, a Cláudio Silveira, ao Padre Nestor Passos, a Natan 

Coutinho, a Paulo Cardoso Pinto, a Antônio Pessoa, a Adonias Filho, a Jorge Amado, 

a Zélia Gatai e a Ramiro Berbert de Castro; peço licença, também, a Raimundo Sá 

Barreto, a José Cândido de Carvalho Filho, a Leopoldo Monteiro, a Jorge Fialho, a 

Tom Lavigne, a Amilton Ignácio de Castro, a Janete Badaró, a Dorival de Freitas, a 

Edgar Souza, a Ariston Cardoso e ao Prof. Francolino Neto. 


Senhor Presidente, do mesmo modo com que pedi as licenças anteriores, o faço 

agora a V.Sa. e demais confrades e confreiras, aos ausente e aos presentes, sem 

qualquer distinção, porque tenho a convicção plena de a honraria de suceder o meu 

Pai, adveio mais da bondade e da generosidade dos senhores, do que por 

merecimento meu. 

Agradeço aos confrades e confreiras a confiança em mim depositada, assegurandolhes 

que saberei honrá-la em meu nome e em nome de João Hygino Filho. 

Presidente, permita-me quebrar o protocolo para fazer um agradecimento todo 

especial a eterna Secretária da Academia de Letras de Ilhéus, minha irmã Eliene 

Hygino. Lio, sabemos todos de sua devoção e do seu amor à Academia. A sua 

dedicação é tão intensa e forte que chega a ser complicado tentar dissociar sua 

imagem da imagem da Academia. Gratidão!!! 


Passo, agora, a falar do Poeta João Hygino Filho. Serei breve, para não cansá-los 

ainda mais. Natural de Porto Seguro. Nasceu em 27.11.1932. Filho de João Hygino 

de Figueiredo e de Perpétua Monteiro de Figueiredo. Iniciou seu estudos 

propedêuticos em sua terra Natal, em escola regida pela Prof. Raydália Bittencourt. 


Em seguida, deslocou-se para o Rio de Janeiro a fim de continuar seus estudos. No 

Rio, estudou no Colégio D. Pedro II. Apreendeu o ofício de alfaiate. Inspirado em 

Gonçalves Dias e distante do seu torrão formoso e belo, escreveu o Exaltação a 

Porto Seguro. 

Nesse épico, traduziu toda o seu amor e saudade pela terra mater do Brasil 

gigante. 

Eis excerto do poema: 


EXALTAÇÃO A PORTO SEGURO 

Porto Seguro, meu soberbo encanto, 

Terra formosa onde nasci, sorrido …. 

Cantando amores no teu rico manto, 

nos ternos braços maternais dormindo! 

Que Deus entoe em teu louvor um canto 

De amor, de glória e de esplendor mais lindo, 

quero em teu seio repousar do mundo, 

Fitando as cores do teu céu profundo! … 

Se me recordo o teu passado imenso 

Sinto em meu peito uma alegria infinda 

Ó minha terra, meu amor, meu senso 

Hei de elevar-te na expressão mais linda … 

Hei de exaltar-te, e como eu só penso, 

Eis que meu estro em teu louvor se finda 

Cantando sempre e no mais puro enlevo 

Pois só a ti meu coração eu devo... 

Tu és ó terra o meu maior tesouro, 

A minha sorte, o meu lar, minh'existência … 

A esmeralda, o rubi, o próprio ouro 

Não me cintilam qual reminiscência 

que de ti guardo, e só por ti eu mouro 

Cheio de amor, de glória e de opulência 

E se algum dia – em teu destino imerso- 

Levarte-ei ao porto do progresso!... 

Quem ti fala, ó meu torrão formoso, 

Não viu da lua a claridade amena, 

Não ouviu do sino o badalar saudoso 

Na torre antiga da Matriz da Pena … 

Não ouviu no rio - o Buranhém calmoso - 

Gemar na tarde a juriti morena … 

Não ouviu sequer dos coqueiras virentes 

o doce arfar pelas manhãs plangentes … 

Não viu teu céu de puro azul doirado, 

Do teu recife a construção mais fina … 

Da luz do sol o dardejar sagrado, 

da luz da lua a palidez divina … 

Nem pelas noites de esplendor pairado 

Bebeu perfumes da eternal bonina, 

Nem sobre a fonte dos Bambus um dia, 

Banhou seu corpo na corrente fria … 

Não viu teu mar de reluzentes vagas, 

As tuas praias cálidas, brilhantes … 

Do Apaga-fogo o rebentar nas fragas 

Das ondas, em estrépitos gigantes … 

Os formosos corais, as belas algas, 

Os peixes em cardumes abundantes … 

As falésias o Atlântico fitando, 

As belezas da terra revelando!... 

Tu és tão linda – ó minha terra amada, 

Que o próprio mar, de amor alucinado 

Que devorar-te, em fúria tresloucada, 

Roendo o solo em beijo apaixonado! … 

Tu és tão linda, ó terra abençoada, 

Que de mil glórias o meu peito ornado, 

com glórias mil há-de exaltar teu manto, 

PORTO SEGURO, meu soberbo encanto!!! 


Devido a aposentadoria de seu pai, que exercia as funções de escrivão, retornou a 

Porto Seguro para assumir a escrivania. 

Em Porto, na festa em homenagem a Nossa Senhora de Pena, Padroeira da Cidade, 

conheceu uma outra santa, Maria Joaquina de Souza Hygino, a mulher por quem 

apaixonou-se, casou-se e teve filhos. 

A ela, com todo o seu amor, dedicou-lhe o seguinte poema: 


A MINHA MULHER, LILIA HYGINO 

Quantas vezes na alma agasalhamos 

Uma paixão profunda – inconfessada … 

Uma paixão que nunca revelamos, 

e que fica na alma bem guardada? … 

Amo-te e muito – ó minha doce amada! 

Muito mais do que quando nos casamos … 

Nossa filha tem sido embriagada 

dos aromas do amor, que respiramos! … 

São quarenta e seis anos de casados, 

sete filhos queridos adorados - 

com que Deus premiou nossa união … 

Nossa vida em comum toda incendida 

De uma grande paixão – terna, incontida … 

Que arde no meu calado coração! …. 

Aos seus filhos, entoou: 


AOS MEUS FILHOS 

Filhos do meu amor – filhos queridos 

Filhos do coração, filhos amados, 

Filhos maravilhados, filhos adorados, 

Encantadores filhos – bem nascidos … 

Todos felizes, prósperos, unidos, 

na vida finalmente encaminhados … 

Pelas bençãos de Deus iluminados, 

Do Seu sublime amor enriquecidos … 

Jorge, Antônio Carlos e Zitinho, 

Kátia, Simone, Cláudia e Eliene 

São frutos da ternura e do carinho 

De um amor singular, amor infrene, 

Mais puro que a pureza do arminho 

um eternal amor, amor perene! … 

E aos netos, escreveu: 


AOS MEUS NETOS 

Diz a Bíblia, as Sagradas Escrituras: 

“São os filhos dos filhos a grandeza 

dos avós - a coroa de nobreza 

que a fronte lhes nimba de venturas 

Por isso, envolto, imerso nas doçuras 

De ser pai duas vezes – agradeço 

Essa bênção dos céus, que não mereço, 

Essa dádiva de Deus às criaturas … 

Amo Samantha, Amanda e Fernandinha, 

Isabela, Karol, Geovana, amo Bruninha, 

E a doce e formosa Beatriz … 

Amo a Athos, Arthur, Augusto, amo Netinho, 

João Eduardo, Júlia, amo Juninho, 

E dos avós me sinto o mais feliz!!! 


Durante a sua trajetória, ingressou na politica partidária. Foi chefe de Gabinete do 

Prefeito José Macedo Pereira, mediante a condição de fazer seu curso jurídico no 

final da administração. Com a morte prematura do Prefeito, ficou sem ter como 

voltar para o Rio e como vir para Ilhéus. Escreveu uma carta para Carlos Pereira 

Filho, irmão do Prefeito Falecido. À época, Carlos Pereira era jornalista e assessor 

da Cooperativa Central de Agricultores de Ilhéus, que tinha como presidente o 

empresário e cacauicultor Ananias Dórea. Ao tomar conhecimento da referida carta, 

Ananias Dórea, antevendo o pendor do missivista para as letras, abriu-lhe as portas 

do Diário da Tarde. Conheceu, então, Otávio Moura. Com Otávio aprimorou o seu 

talento. Foram amigos e compadres. Cacaurama foi a sua coluna no referido 

vespertino. Como Jornalista, atuou na Tribuna do Cacau, jornal dirigido por Telmo 

Padilha, grande poeta grapiúna. Colaborador do jornal “A Tarde”. Foi Chefe do 

Gabinete da Associação Comercial de Ilhéus, onde substituiu o poeta Sosígenes 

Costa, ao tempo do Presidente Álvaro Melo Vieira. Permaneceu na entidade nas 

gestões de José Alves dos Santos e Antônio Lino. Trabalhou no Banco Português e, 

mediante concurso público, ingressou na Ceplac, tendo ocupado o cargo de 

Secretário do Departamento de Cooperativismo. Formou-se em Direito pela 

Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna. Ingressou no Instituto de 

Cacau da Bahia, também mediante concurso público. Foi Procurador Jurídico da 

referida autarquia. Formou-se em Teologia pela Faculdade Teológica e Cultural das 

Assembleias de Deus de Teixeiras de Freitas. 


De todos os títulos que possuiu, costumava dizer que três são os que o honraram 

e o dignificaram: ser cristão, ter nascido em Porto Seguro e ser filho de Ilhéus por 

Adoção. 

Revelou ele todo seu amor por Ilhéus, no seguinte poema: 

Ilhéus é um oceano de nobreza, 

De espuma rendado, de ternura … 

É um oásis de amor – toda douçura 

de um beijo de emoção da Natureza! … 

É uma dádiva do céu – toda beleza 

De um sonho de esplendor e de Ventura … 

Um salmo de divina formosura 

Dos ungidos saltérios da pureza … 

Seduz a sua graça e majestade, 

Os encantos, que o astro não exprime 

E exprimi-los, afinal, quem há-de? 

Se tudo é paz, é luz, é santidade, 

Do mar que brame ao Cristo que redime, 

Abençoando os destinos da cidade?!... 


Senhor Presidente, Senhores Confrades, Senhoras Confreiras, Senhores, Senhoras, 

bem sei que não estou à altura dessa Casa, mas dentro da minha pequenez serei 

um gigante, um guerreiro invencível na batalha de manter vivo o sonho de Abel. 

Muito obrigado!!!!









ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS
DISCURSO POSSE NA CADEIRA 21


A

Carlos Roberto Arléo Barbosa

DD Presidente da Academia de Letras de Ilhéus.


Senhores e Senhoras, autoridades presentes e/ou representados, imprensa regional – escrita e falada - amigos, familiares e confrades.

Quero dizer-lhes que é muito bom estar aqui e compartilhar com vocês a minha imensa alegria. Pense em um sonho almejado ao longo dos anos, que no princípio parecia impossível, mas que agora se torna factível.

Pensem, vocês, um menino de infância pobre, sob o ponto de vista econômico, criado sem pai, mas muito bem criado por sua mãe, uma feirante (camelô). Criado no boêmio Bairro da Mangabinha, em Itabuna, jogando bola de gude, soltando “arraia/pipa”, brincando de patinete/carrinho de rolimã, jogando bola no campo enladeirado do pasto de animais de Elzo Pinho - onde também furtava deliciosas goiabas e araçás - e do campo do espinhaço na beira do rio, da comunidade da Bananeira, e lendo revista em quadrinhos do Chet, Pato Donald, Pateta, Mickey e revista de faroeste, entre outros. Morando em um barraco de madeira, também na beira do rio, pedindo ao Pai Celestial que não mandasse chuvas em demasia, pois corríamos o risco de termos que sair às pressas por conta das enchentes, chegar a essa Egrégia Casa. Sim, senhores, vocês não podem ter a noção do quanto estou emocionado e agradecido.

O que prometo é transformar essa emoção e agradecimento em prol do engrandecimento dessa Academia, principalmente honrando a Cadeira 21, que teve como patrono o saudoso historiador Francisco Borges de Barros, fundada por Paulo Cardoso Pinto e ocupada até o dia 25 de maio de 2010 pelo brilhante poeta Edgar Pereira Souza. Imortais esses que tenho a honra dar continuidade nesta Augusta Academia.

Desejo, neste momento, ressaltar o grande e belo trabalho da cinquentenária Academia de Letras de Ilhéus (ALI) e do seu importante e irrelevante papel no desenvolvimento cultural da cidade, mormente na cultura das letras regional.

Salve Abel Pereira (a quem só conheci através de sua obra: “Colheita – Poesias”, de 1957, que chegou as minhas mãos através do intelectual livreiro itabunense Aécio José dos Santos, que foi seu amigo) que, iluminado, em hora concebeu e fundou esta academia que honra a cidade e toda região outrora conhecida como cacaueira, exercendo seu papel dignamente e fomentado espaço e oportunidade para se viver a cultura, para se viver a literatura. A ALI é um marco e uma grande referência Sulbaiana, a qualidade dos seus pares a engrandece e edifica.

Agora, passo a falar dos meus antecessores: primeiro do fundador da Cadeira 21, Paulo Cardoso Pinto, eminente advogado, nascido em Ilhéus, Bahia, em 6 de julho de 1923, que tem três filhos: Luciana, Paulo (falecido) e Rômulo; e netos, João, Ricardo, Mariana, Antonio Eduardo, Paulo Ricardo, Maria Luiza e Guilherme.

Graduado em Direito, por décadas advogou na cidade natal e região cacaueira, construindo banca jurídica de respeito, ainda hoje festejado pela competência e honradez.

Professor da Faculdade de Direito de Ilhéus, da qual foi um dos fundadores, por longo período ensinou Direito do Trabalho, ramo do Direito Social, do qual se encantou desde os primórdios, e assim se fizeram contemporâneos, parceiros de muitos estudos.

Foi Presidente da Subseção ilheense da Ordem dos Advogados do Brasil, justamente quando sancionado projeto de lei criando a Junta de Conciliação e Julgamento que seria instalada em Ilhéus, no alvorecer da Justiça do Trabalho. A Sala dos Advogados que existia no Fórum Trabalhista João Mangabeira, em Ilhéus (Malhado), teve seu nome. Na Galeria de Ex-Presidentes da OAB/Ilhéus, está seu retrato.

Sempre se dedicou a lutas sociais relevantes, lutando os bons combates, como pela nacionalização do petróleo brasileiro, subindo em palanques (na verdade caixas de frutas) nas praças públicas de sua querida Ilhéus, para bradar contra Standard Oil Corporation, companhia estrangeira que sugava os dividendos de nossa riqueza mineral. Clamou pela Petrobrás.

Estudioso exemplar, poliglota autodidata, precoce amante da literatura e dos versos, aprendeu a ser um exímio obreiro das palavras. Usando o verbo como material de trabalho, era artista que incessantemente criava desde elaboradas peças jurídicas, nas quais invariavelmente obtinha sucesso na defesa de patrocinados, a poemas apaixonados com versos enternecidos, que encantavam e cantavam forças como o amor e a natureza, deliciando os seus; de aulas, a palestras e discursos veementes que, com raro dom de orador, deixavam a muitos envolvidos e entusiasmados. 

Sua paixão era o Direito, a Justiça plena e eficaz, a Democracia. Nunca pretendeu engajamento e cargo político-partidário. Mas, diante da índole desacomodada, incansável visionário, fez-se também caçador de melhorias para a nação grapiúna. Pequeno cacauicultor, apaixonado pela natureza, ao mesmo tempo em que seguia tecendo elegias para a pequenina e branca flor do cacau, engajou-se em militância pela diversificação da então pujante agricultura cacaueira.

Vislumbrava a necessidade de ser plantada, na terra fértil, além das árvores de cacau que entregassem ao mundo amêndoas in natura, uma agroindústria local, que levasse a todos os quadrantes a matéria-prima já transformada (manteiga e torta de cacau), até mesmo o chocolate.

Foi assim, o elegante e altaneiro batalhador, de bandeira em riste, armado com suas eloqüentes e convincentes palavras, munido de sólidos fundamentos, em seu afã de resolver problemas que abalavam agricultores e rurícolas de uma inteira região produtiva, pleitear apoio das forças públicas, associações regionais e de quem se dispusesse a ouvi-lo.

Em meio a isso, defensor da Democracia que era, ‘descobriu’ o cooperativismo, surgido na Europa, mas já proveitosamente abraçado em muitos rincões do Brasil.

Após muito debruçar-se no estudo do sistema cooperativista e mostrar-se dedicado na disseminação dessa doutrina, que viu como solução para os problemas da monocultura, chegou então, à Presidência da Coopercacau. Ergueram-se os ânimos dos cacauicultores associados. O empenho conquistou aliados multinacionais.

Alcançou-se o sonho regional com a implantação da Itaísa. Festejado por todos, por maus tratos feneceu; tristemente sucumbiram os grãos lançados em terra infértil, endurecida. O cooperativismo em que tanto acreditou fraquejou nos rincões do cacau, mas nunca pereceu a certeza de que a força emanada de mãos que se dão sempre deixa frutos - estes também de ouro – e de que novos ciclos e círculos de batalhadores se formariam. Deixou as sementes plantadas em bons corações.

Desgostoso, mudou-se para São Paulo onde, por pouco tempo, trabalhou em novas atividades ligadas à área empresarial. 

Nunca buscou a ribalta, porém essa o encontrou, atraída por seu brilho, talvez. E, mesmo após mais de duas décadas de sua partida do cenário deste mundo, vê-se que ainda se encontram em cartaz os valores que defendeu e tão bem representou em vida, hoje, mais do que nunca, exigidos por sua amada Ilhéus. Um inesquecível exemplo.

Destaque em suas poesias para “Louvor” (1965) e “Dia das Mães” (1972), como duas pérolas desse gênero.

Faleceu em 29 de junho de 1985, na cidade de Belém, capital do estado do Pará, onde se encontrava, a negócio.

Passamos a falar agora de outra figura ilustre, que só tive a oportunidade de conhecer através de suas obras, principalmente, “Memória sobre o município de Ilhéus”; “Dicionário Geográfico e Histórico da Bahia” e “Bandeirantes e Sertanista baianos”.

Patrono da Cadeira nº 21, Francisco Borges de Barros, nasceu em 22 de março de 1882, no Engenho Timbó, localizado na zona da Patatiba, município de Santo Amaro da Purificação, no estado da Bahia, filho de Antônio Joaquim Borges de Barros e Josefina Bastos Borges de Barros. Fez Curso de Humanidades no Colégio Carneiro Ribeiro e formou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais – formou-se em Direito, profissão que não exerceu. Tornou-se funcionário público, chegando a Diretor do Arquivo Público do Estado da Bahia – APEB e Inspetoria de Monumentos do Estado. Historiador e Homem de Letras. Acadêmico, ocupou a cadeira de nº 7 da Academia de Letras da Bahia e ao Instituto Genealógico da Bahia. Foi um dos fundadores da Associação dos Funcionários Públicos do Estado, do qual foi benemérito, foi Conselheiro interino do Tribunal de Contas, Chefe de Gabinete do Governador José Joaquim Seabra (1920 – 1924) e Grão Mestre da Maçonaria. 

Espírito culto, dedicou-se ao estudo da história da pátria, escrevendo várias obras de valor, o que lhe valeu o prêmio Caminhoá, de Literatura Histórica. Foi vanguardeiro da Pinacoteca do Estado e fez do Arquivo Público da Bahia o seu mundo nos quase vinte anos de administração. Dentre as suas mais de trinta obras, destacamos “Breve notícia sobre o município de Belmonte”, “As fronteiras de Ilhéus – Constituição de seu território”, “Ilhéus – documentos que interessam a sua História” e “A Maçonaria na Bahia”.

Faleceu cedo o historiador – com 52 anos de idade - em 14 de fevereiro de 1935, pobre, mas com uma produção no campo da literatura inigualável.

Por último, mas não menos importante, apresentamos o poeta Edgar Pereira Souza, que, com denodo e honra, ocupou a cadeira de nº 21 até maio de 2010, quando da sua morte material, pois as suas poesias e atos ficarão eternizados em nossas memórias.

Edgar Pereira Souza nasceu na cidade de Valença, no estado da Bahia, em 3 de novembro 1918, filho de José Eustáquio de Souza e Emília Pereira Souza. Casado com Edelzuita Gomes de Souza, com quem tem 6 (seis) filhos: Antônio Paulo (falecido), Paulo Gomes Souza, radialista da Rede Bahia de Comunicação - Globo FM e TV Bahia; Everaldo Gomes Souza, funcionário público lotado na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); Maria das Graças Gomes de Souza, Edilza Gomes de Souza e Edilma Gomes Souza, as três professoras da Rede Estadual de Ensino da Bahia (SEC/BA), e três netos Marcos Paulo, Elton e Ana Paula.

O poeta, como era conhecido, chegou a cidade de Ilhéus no vapor “Porto Seguro”, com 11 anos de idade, em novembro de 1929, vindo fazer companhia a sua tia Amabília Souza. Deixando, portanto, seus pais em sua cidade natal, a quem, anos mais tarde, voltou para buscar.

Menino pobre, iniciou a vida trabalhando no comércio, como balconista e estudando à noite. Fez o curso secundário como professor Hélio Batista de Souza Melo, mestre de gerações nesta terra. Pensando em aprender um ofício, teve ideia de ser tipógrafo e começou a trabalhar nas oficinas do “Ilhéus Jornal”, posteriormente, no “Jornal Ilhéus”, do Dr. Silvino Kruschesvisky, que tinha como redatores os jornalistas Laudemiro Meneses e Joaquim Lopes Filho. E é nesta época que começa a escrever algumas notas e poemas.

Dedicando sempre às boas letras, após algum tempo ingressa no “Diário da Tarde”, onde conheceu os jornalistas Carlos Marques Monteiro, Octávio Moura, Jacinto de Gouvêa, e poetas como Antônio Benvindo Teixeira, Sósígenes Costa, Clarêncio Baracho, Jacob Campo e Lafaiete Soares, ao lado de notáveis colunistas e colaboradores e com a generosa colaboração de Octávio Moura, começa a escrever reportagens e poesias.

No afã de melhorar suas condições financeiras, resolve montar um escritório de representação comercial, sem deixar, entretanto, de colaborar com o “Diário da Tarde”, decano da imprensa regional

Amante das letras e das artes, antes de entrar para a Academia de Letras de Ilhéus, já freqüentava as suas reuniões ordinárias e festivas, a ponto de ser convidado para tomar um curso de literatura, no ano de 1971 da graça de Deus. 

Por enobrecedora deferência da Marinha do Brasil, indicação da Capitania dos Portos de Ilhéus, na gestão do Comandante Fernando Henrique Sampaio, lhe foi conferido o “Diploma de Amigo da Marinha”, em 13 de dezembro de 1973.

Como cronista e poeta, teve a glória de ser agraciado em 26 de outubro de 1986, com a Laurea Acadêmica ou da Imortalidade no campo das Letras e das Artes, pela Academia de Letras de Ilhéus.

No setor filantrópico, colaborou por vários anos como vice-presidente da Sociedade José Anchieta, ao lado do seu presidente e fundador Antônio Sá Pereira da Silva Moreira, tratava-se de uma instituição que cuidava de crianças pobres da cidade.

Também nesta época, Edgar Pereira Souza é eleito pela “Escola Santa Ângela”, no Convento da Piedade, Presidente da Associação de Pais e Mestres”, tendo ali proferido palestra, sob o tema: “Amor e Humildade na Educação das Crianças”, onde pode demonstrar toda apreensão e preocupação como o futuro da juventude.

No campo político, elegeu-se vereador em 1972, cujo mandato encerrou-se em 1977, no tempo que vereador não recebia proventos. Retornou a “Casa do Povo”, no ano de 1996, para receber o título de “Cidadão Ilheense”, através do Projeto de Resolução nº 0004/96, de autoria dos vereadores à época José Henrique Aboboreira e Adalberto Souza Galvão.

Ao longo de sua vida, escreveu dezenas de poesias, das quais destacamos: “Poema da Saudade”; “Jangada”, “A mangueira”, “Canto de Natal”, “Conselho de Mãe” e “Nada se levará”, dentre outras.

O Poeta Edgar Santos de Souza partiu dessa vida em 25 de maio de 2010, aos 91 anos de idade, fazendo uma das coisas que mais gostava, escrever o social, o cotidiano e suas preciosas poesias, mensalmente nas páginas do nosso querido “Jornal dos Radialistas”. 

Após relato destes três imortais, grandioso pelo que foram e pelas suas obras, passo aos agradecimentos.

Quero agradecer, acima de tudo, a DEUS-PAI, soberano de todas as coisas, pelas oportunidades que me concede.

Quero fazer uma homenagem (in memorian) para uma mulher especial, Elza Rodrigues Silva, minha mãe, que, entre outras coisas, me introduziu ao hábito do estudo-leitura.

Estendo a Angélica Santos da Silva Rodrigues, cujo amor, compreensão, carinho, dedicação e renúncia das suas horas de lazer me permitem projetar e realizar sonhos. A você, Angélica, que é a própria materialização, direto do mundo das ideias de Platão, daquilo que se pode chamar de a Esposa Ideal.

Quero agradecer penhoradamente os que aqui estão e os que não puderam vir por motivos de saúde e de compromissos inadiáveis agendados antes de serem convidados.

Especiais agradecimentos aos membros-fundadores da Academia Grapiúna de Letras (AGRAL), primeira Academia de Letras de Itabuna, que tem na sua presidência o inquieto intelectual Ivann Krebs Montenegro, e que me honra muito ser um dos seus fundadores e vice-presidente.

Agradeço, também, ao digno e correto presidente desta instituição, que completou 52 anos de existência no último dia 14 de março, de quem fui aluno na graduação em História e pós-graduação em História Regional na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), que tão bem tem conduzido a “Casa de Abel” e a eficiente e competente secretária desta academia, Eliene Hygino, bem como os demais imortais que me honraram com o seu voto.

Agora, como membro desta casa, me coloco à sua disposição como um bravo soldado que está prestes a ir para o campo de batalha, em prol da Letras.

Muito obrigado.

Vercil Rodrigues
Itabuna (BA), 05 de maio de 2011.


ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS
DISCURSO POSSE NA CADEIRA 06

 



Senhor Presidente,

Senhores Acadêmicos,

INTRÓITO

“Cuidai da roseira...

compensa a espera

a rosa primeira.” [1]


Trazendo-lhes esta pérola de haikai, sabiamente intitulado “Experiência”, da lavra do saudoso poeta Abel Pereira, inicio minha oratória, nesta Casa. 

Pois bem, senhores, e senhoras, o meu coração pulsa acelerado! Forte emoção invade meu peito nesta noite, marcada pela generosidade dos confrades e confreiras, insignes acadêmicos ilheenses, que ora me acolhem, para, doravante, convivermos sob este teto que agasalha a cultura e as artes - a Academia de Letras de Ilhéus- carinhosamente chamada de “Casa de Abel”, por justíssima homenagem ao seu fundador e primeiro presidente - plantador, e jardineiro - Abel Pereira. Sua roseira continua produzindo e encantando por aqui...

De logo, agradeço a calorosa recepção neste cenáculo, e me penitencio pelas belas coisas que agora sinto, mas que não sou capaz de dizer por que as palavras que sei são insuficientes para expressar - mas que são impressões gravadas para sempre, qual delicadas flores do campo, colorindo e perfumando minh’alma. Um jardim semeado em dias de Primavera, a mais bela das estações!

Em mim há também um sentimento, que, a princípio, poderia ser contraditório, mas que, ao final, se unifica! Um, pelo vagar da cadeira n.6, cujo motivo se deu com o passamento da sua anterior ocupante, Janete Mendonça Badaró, minha doce e querida poeta mãe, como gosto de chamá-la. Uma saudade enorme me toma no caminhar dos dias, e também nesta hora. Contudo, sua presença é tão viva e intensa em mim, que não hei de alagar-me em lágrimas de tristeza, mas sim, deixar-me-ei contagiar pela alegria de imaginar seu belo sorriso e seu contentamento, se aqui estivesse – sentada, no local reservado aos imortais, o seu lugar - apreciando este momento, para mim tão honroso e glorioso, quanto para ela também fora um dia!

Chego humildemente na Academia de Letras de Ilhéus, até porque trago uma bagagem ainda por fazer. Espírito inquieto que sou, gosto de rabiscar escritos jurídicos, traços, palavras e cores. É certo que, reiteradas vezes, me pego distraída a abrir portinholas da imaginação para deixar-me passear livre entre céu, mar e terra. Chego, entretanto, neste sodalício, com atenção devida, pés no chão, e o firme propósito de "servir a pátria - servindo a minha cidade – cultuando as letras e as artes". Diante de mim um portal se abre, e uma estrada se delineia – cumpre-me atravessá-los para que a caminhada prossiga, tratando, de atender, pois, o chamado, o convite, ao crescimento intelectual e ao crescimento interior. 

Quanto a ela, minha amada poeta mãe Janete Badaró, em meus silenciosos momentos de reflexão e trabalho espiritual, já lhe pedi a devida licença, me comprometendo a honrar a cadeira n. 6, da qual ela foi primeira efetiva, e que passo a sucedê-la. Uma grande responsabilidade que assumo com alegria, posto que, também dentro de minhas lembranças, e do meu coração, ela é imortal! Aí um dos sentidos mais sublimes de imortalidade: o eterno amor que nos une, o amor que ela espalhou nos caminhos trilhados enquanto encarnada. Além da beleza de sua vida, e de sua obra literária, que agora, mais que nunca, tenho o dever, e a grata satisfação, de fazer perpetuar”.

“Acredito que uma força divina determinou o meu destino - e que nossos caminhos são iluminados segundo essa força. Sinto-me privilegiada pelos presentes que recebi, e acredito que serei agraciada com essa luminosidade para meus descendentes mesmo depois que eu me torne apenas um rastro de sonho a perpetuar o TODO...”. [2]

Sim! Janete Mendonça Badaró consignou, em seus escritos, este pensamento. Mais que uma reverência ao Divino, e uma doce oração típica de um coração maternal, percebo ai também um pensamento premonitório - se considerarmos este honroso e mágico momento - quando eu, uma de suas filhas, sua descendente, com necessário esforço, e grande determinação, venho seguir nesta confraria as suas pegadas, o seu rastro de luz ...

E assim, senhores e senhoras, considerando que “as academias inventaram os discursos” [3], e que me cabe a missão de atender ao tradicional protocolo, ainda nesta assentada virei discorrer sobre o Patrono, o Fundador, e a ocupante anterior da cadeira n. 6. Uma atribuição que transbordo em satisfação, embora destituída da eloqüência pedida para ocasião tão nobre, mas pela oportunidade de aprender com a notoriedade de suas trajetórias, e assim também homenageá-los. Aqui mais um sentido da imortalidade: cada novo membro que se associa a este sodalício, há de trazer a lume os elogios aos antecessores de sua cadeira! E então, a história é rememorada, ao tempo que segue adiante, devendo-se tudo registrar nos anais desta Casa, para que sua memória esteja sempre viva!

Sinto, porém, antes de tal abordagem, a pertinência de melhor contextualizar, no tempo e espaço, a Academia de Letras de Ilhéus, de modo que possa saber onde estou, e o que estou fazendo aqui.

Optei escrever este arrazoado como quem estuda, respondendo às minhas próprias indagações, e celebrando silenciosamente as minhas descobertas! 

Encaro o risco de compartilhar com os senhores (as) os meus achados, pois ciente de que já os conhecem.

ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS: INSPIRAÇÃO, FUNDAÇÃO E OBJETIVOS

Assim vamos à primeira máxima: “as academias são compostas por intelectuais”. 

Mas, “Que é um intelectual? Digamos simplesmente: é o Homem pronto para divergir. Isso quer dizer, pronto para não seguir o fluxo predominante, só porque ele é o sentir de maior número, mas sem base na razão. O intelectual é a atalaia vigilante, uma espécie de ganso de capitólio: capaz de dar alarme, de prevenir, dentro da espessa floresta do irracionalismo, da emoção, da paixão do maior número”, explica Vivaldi Moreira, quando presidente da Academia Mineira de Letras, por ocasião da posse do acadêmico Nansen Araújo, em setembro de 1988. [4]

Aqui, nesta Casa de Abel, Templo da inteligência e do espírito – desde a sua fundação, passaram intelectuais do mais alto quilate! No mesmo diapasão, encontramos nos seus membros efetivos, os que hoje compõem os seus quadros, os nobres atributos da intelectualidade – pessoas exponenciais no cenário cultural e literário de Ilhéus e da Bahia, sendo que muitos extrapolam esta fronteira e galgam o reconhecimento nacional. 

Com sua dinâmica, e seu ritual, esta academia é um reduto de convivência social e cultural, entre os acadêmicos, mais também, numa espécie de “longa manus”, se estende aos demais que interessam em partilhar do convívio acadêmico, pelo gosto às letras e às artes. Por isso os saraus, as sessões festivas abertas ao público, e as demais atividades por ela engendradas, envolvendo a comunidade. 

Prezados(as) confrades e confreiras, tudo isso faz muito sentido, quando, montamos as peças do mosaico ilustrativo para chegar até a fundação da nossa instituição. À priori, já para justificar o porque da digressão que ora farei, registro que ao longo da nossa história, tivemos e temos membros da Academia de Letras de Ilhéus que, concomitante às suas associações nesta Casa, foram também membros da Academia Brasileira de Letras, e da Academia de Letras da Bahia, caso dos escritores Adonias Filho, Jorge Amado e Zélia Gattai; ou os que, ainda hoje, os são também membros da academia ilheense e da Academia de Letras da Bahia, caso do escritor Aleilton Fonseca - autor de “Canudos, Conflitos além da Guerra” e “ O Pêndulo de Euclides”, dentre outros títulos, - presente nesta sessão, para minha alegria, e de Cyro de Mattos na condição de membro correspondente. 

Vale conhecer as origens das academias, em lição encontrada nas palavras de Macedo Soares – no seu discurso de posse na Academia de Letras da Paraíba, em abril de 1979: 

“Acádermo, bem o sabeis, homem provecto e honrado, com moradia faustosa rodeada de jardins, às portas de Atenas, costumava agasalhar alguns filósofos e letrados que se entretinham em longas e cerradas controvérsias. Numa delas Platão, com Aristóteles, Teofrasto e outros discípulos, discutindo ensinamentos socráticos e, talvez mais que o devido, inflamados pelos capitosos vinhos da Tracia, entraram em bulha pondo em perigo as alfaias, móveis e utensílios do imprecavido anfitrião. Passado o tumulto, Acádemus, para forrar-se a incômodos e prevenir possíveis riscos que corriam os seus bens, apontando o jardim aos filósofos decretou que, de então para diante, à sombra das árvores, ouvindo a marulhada, os mestres do pensamento ático acendessem os fogos do espírito desgastando a força do raciocínio em lentos passeios até o cabo Sinium. Assim Acádemo, amigo dos oradores, esboçou, casualmente, a sábia instituição que lhe imortalizou o nome”.[5]

Eis então a idéia que embasou o surgimento da Academia Francesa (Académie française), criada em 1635, composta por quarenta membros efetivos e perpétuos, por isso alcunhados imortais – ( aqui mais um sentido da “imortalidade acadêmica”) - , e cuja composição é feita por proeminentes pessoas instruídas nos assuntos relativos ao idioma francês. 

Em 28 de janeiro de 1897, sob a presidência de Machado de Assis, surge a Academia Brasileira de Letras, tendo por fim, segundo os seus estatutos, a "cultura da língua nacional", e, aos moldes da Academia Francesa, também composta por quarenta membros efetivos e perpétuos, cujo cargo é vitalício, e a sucessão dá-se apenas pela morte do ocupante da cadeira. Seus membros são escolhidos entre os cidadãos brasileiros que tenham publicado obras de reconhecido mérito ou livros de valor literário. Diferenciou-se, entretanto, da Academia Francesa, ao inovar, quando, na época de sua instalação, para cada uma das quarenta cadeiras, os fundadores escolheram os respectivos patronos, homenageando personalidades que marcaram as letras e a cultura brasileira, antes da fundação da Academia. E foram instituídas mais 20 cadeiras que são ocupadas por vinte sócios correspondentes estrangeiros. Instituição tradicionalmente masculina, a Academia Brasileira de Letras, somente a partir de 4 de novembro de 1977, aceitou como membro a primeira mulher, a escritora Rachel de Queiroz.[6]

Cumpre ainda referenciar a Academia de Letras da Bahia, fundada em 7 de março de 1917 no modelo da Académie Française e da Academia Brasileira de Letras. Como principais objetivos, a nova instituição declarou, desde o seu primeiro momento, “o cultivo da língua e da literatura nacionais, a preservação da memória cultural baiana e o amparo e estímulo às manifestações da mesma natureza, inclusive nas áreas das ciências e das artes” (Art. 1º do Estatuto) trazendo como lema “Servir à Pátria honrando as letras”.[7]

Ilhéus, pela maturidade de sua história, iniciada praticamente quando ainda celebrava-se a descoberta da nova terra, hoje chamada Brasil, mantém-se, de costume, em natural conexão com as novidades surgidas nacional e internacionalmente, criando historicamente gente de grande valor. Assim que, inspirados pelos ventos soprados dos movimentos da Europa moderna, alcançando a genialidade e a vanguarda das altas rodas da intelectualidade nacional, e baiana, é que no dia 14 de março de 1954, alguns intelectuais ilheenses, atendendo ao convite de Abel Pereira, compareceram à sua residência, cientificados de que aquele chamamento decorria de um entendimento havido entre ele, Nelson Schaun, Wilde de Oliveira Lima e Plínio de Almeida para discutirem a idéia de ser fundada em Ilhéus, uma Academia de Letras.

Segundo os ensinos do saudoso Professor Francolino Neto – um dos meus exponenciais mestres no Curso de Direito da FESPI, atual UESC/ instituição onde agora também integro o corpo docente - e que presidiu esta Casa - autor dos livros “Reflexões Acadêmicas”,e “Estante da Academia”, ali, em março de 1954, ocorria a primeira reunião, reunião histórica, onde fora eleita sua primeira diretoria, considerada, portanto, o marco inicial da Academia de Letras de Ilhéus, surgida com o propósito de colaborar para o engrandecimento cultural e literário da Região Sul da Bahia.”[8] Aos moldes das Academias Francesa, Brasileira e da Bahia, foram estabelecidas 40 cadeiras, numeradas de um a quarenta, em seqüência, e sem grau diferenciador entre elas, a serem ocupadas por seus membros fundadores. Antonio Pessoa da Costa e Silva foi escolhido para Patrono e Leones da Fonseca, para fundador da cadeira n. 6 da Academia de Letras de Ilhéus. 

Não posso deixar de dizer-lhes o quanto me sinto especialmente gratificada por ter conhecido Abel Pereira, quando em 1992 ele esteve em visita à Fundação Cultural de Ilhéus, onde eu respondia pela Assessoria de Imprensa do órgão. Tornamo-nos amigos. De posse dos meus poemas, que, em ato de pura ousadia lhe passei – ele, poeta e literato já reconhecido nacionalmente, freqüentador da intelectualidade carioca – teve a atenção e gentileza de lê-los, e de aconselha-me sua publicação. Tendo escrito, inclusive, o poema “Versos Circunstanciais, à propósito da poesia de Jane Hilda”. De retorno ao Rio ficou muito tempo me mandando livretos, revistas, panfletos e todo tipo de material dos movimentos literários de que fazia parte por lá. Registro o fato por considerá-lo honroso. Publiquei postumamente o poema de Abel no meu livro de poesias “Imagens & Sentimentos: alguns Poemas Desengavetados & pinturas”, editado pela Mondrongo em 2016. 

ORIGEM DAS CADEIRAS NAS ACADEMIAS

E, ainda, a título de compreender melhor este “mundo novo” que para mim se abre, busquei a origem das “Cadeiras nas Academias”, pelo que encontrei o seguinte ensino de Afrânio Peixoto, ex-presidente da Academia Brasileira: “Ora, na Academia Francesa havia apenas uma poltrona, ou fauteuil, para o diretor. Em 1713, foi candidato um escritor amável, então muito querido, La Monnoye, e o acadêmico cardeal d’Estrées quisera dar-lhe o voto… mas lá, não iria, pois que, príncipe da Igreja, não se sentaria num banco, como a ralé, senão num fauteuil, como tinha direito no paço del-rei. Não haja dúvida, disse Luís XIV, sabendo do caso: «deem-se quarenta poltronas aos senhores acadêmicos»…

Não sorriem: na época foi esta coisa imensa atestada por Saint-Simon e todos os memorialistas do tempo: todos os escritores, quase todos plebeus e pobres, petits-gens, promovidos, por isso, no Louvre, no palácio do rei, onde se reuniam, à situação de príncipes, duques, cardeais… assentarem-se em fauteuil… Daí vem o prestígio «objetivo» da poltrona, da cadeira acadêmica… Daí os lugares, as vagas acadêmicas, se declararem: tal ocupa o fauteil 27; está vaga a cadeira tal… O fauteuil, a poltrona, é, simbolicamente, um pequeno trono… O homem de letras nobilitado a alguém, não filho d’algo, fidalgo, porém, filho das próprias obras, algo…” [9]

Enfim, agora então, feitas as devidas considerações, chegamos ao nosso patronato...

O PATRONO DA MINHA CADEIRA – ANTONIO PESSOA DA COSTA E SILVA 

No significado do vernáculo, patrono é uma espécie de padrinho, aquele que defende, aconselha e direciona. Nas academias de Letras, seus nomes são escolhidos pelos membros fundadores, de regra, numa espécie de homenagem póstuma, à partir dos bons exemplos que deixaram, e pelos espíritos privilegiados que demonstraram ser, através de suas condutas, moral e intelectual, enquanto vida tiveram. 

Antonio Pessoa da Costa e Silva, patrono da cadeira n. 6 da Academia de Letras de Ilhéus, nasceu no dia 4 de setembro de 1853 na cidade de Geremoabo, sendo seus pais Guilherme Joaquim da Costa e Silva e D. Francisca Gomes da Costa e Silva. Sem o tempo suficiente, nesta noite, para relatar, em pormenor, todo seu brilhante percurso de vida, digo-lhe, em resumo, que Antonio Pessoa da Costa e Silva residiu em Salvador, Canavieiras, Vitória da Conquista e Ilhéus.

Foi professor, abolicionista fervoroso, advogado, promotor público, jornalista, membro do antigo Conselho Municipal de Ilhéus, presidente do mesmo conselho, intendente de Ilhéus, deputado estadual, presidente da Câmara e Senador Estadual. Deixou seu nome ligado a várias instituições da nossa terra, como a Santa Casa de Misericórdia, o Hospital São José e o Banco de Crédito popular. É obra de seu período na intendência o cemitério da Vitória, além de outras importantes realizações públicas, como calçamento de ruas em paralelepípedos, e iluminação em locais diversos da cidade. 

Portanto, senhores(as), Antonio Pessoa Costa e Silva, egrégio personagem da história baiana e ilheense, uma das mais expressivas figuras do nosso passado, com dedicação ao magistério e ao Direito, líder político, deixou um legado de trabalho, e uma intensa atuação na vida pública, lastreada na probidade administrativa. 

Se imbuída no propósito de mergulhar, pesquisando-lhe a vida, muito material poderia colher. Bebi, entretanto, de uma única e substanciosa fonte, o livro publicado em 2005, da lavra do seu neto Mário de Casto Pessoa, saudoso acadêmico desta casa, ocupante que foi da cadeira n. 23. Entendi tratar-se o Coronel Pessoa de homem probo, que, a despeito da liderança que exerceu, jamais abandonou seus traços de simplicidade, e soube viver sabia e modestamente, elevando-se sempre pelo seu próprio valor. Morreu pobre, legando à sua família um nome respeitável, cheio de bons serviços à Bahia, à cidade e ao município que por mais de meio século representou. 

Depreendi dali que, ao olhar da história, a trajetória de Antônio Pessoa – espírito dinâmico, inteligente, empreendedor – fez-lo, de fato, merecer a alcunha de “O Coronel dos Coronéis”- e este é o título do livro, cuja leitura trouxe-me os elementos necessários a construção da imagem que guardarei do patrono da cadeira que ocupo, e cuja força do caráter, e princípios morais, também me servirão de farol a iluminar os passos nesta Academia, e na vida. [10]

O FUNDADOR – LEONES DA FONSECA 

A riqueza do que passo a lhes dizer, sobre Leones da Fonseca, fundador da cadeira n. 6, são anotações colhidos em um único artigo intitulado “A Poesia Lírica dos Lençóis de IIhéus”, contido no livro “Estante da Academia” de Francolino Neto– Base: A.L.I. , nov de 87.

Leones da Fonseca, é natural de Lençóis-Bahia, e nasceu em 10 de outubro de 1882. Ainda jovem foi trazido para a Região Cacaueira, por Antonio Pessoa da Costa e Silva, à época Senador Estadual, que lhe indicou para o cargo de Secretário da Prefeitura, quando Eustáquio Bastos era o Intendente, isso por volta de 1920. 

O pupilo do Coronel Pessoa, estudioso da Língua Portuguesa e da Latina, “tornou-se quase um Secretário vitalício. Respeitado por todos os Prefeitos de Ilhéus que sucederam ao Coronel Eustáquio, e somente deixou o cargo na gestão do Prefeito Eunápio Peltier de Queiroz , em 1943, passando a exercer a função de Provisionado, competindo, com tenacidade, com experientes advogados, numa fase que a advocacia era absorvente e rendosa”. [11]

Francolino Neto- que o conheceu, e com ele compartilhou vivências acadêmicas, posto terem sido, ambos, membros fundadores desta Academia- nos dá conta de que “Leones da Fonseca trouxe consigo a seriedade. Caráter admirável, sisudo no trato e firme no olhar, parecia, de logo, fadado a vencer pela competência em sua função e coerência em suas atitudes”. 

O fundador da minha cadeira foi, ademais, um poeta! “Veio de uma fase em que o poeta cultuava, referentemente, a poesia lírica; ora seguindo o estilo romântico, ora o simbolista; quando não sentia a presença de Casimiro de Abreu, sentia a de Cruz e Souza, como modelos a serem seguidos”, disse o autor da “ Estante...”. [12]

Leones teve sonetos publicados no jornal DIÁRIO DA TARDE. Eis, por exemplo, os quartetos de “Eterna Dor”, de sua autoria: 

“Quem já sentiu a dor que sinto agora,

Bem sabe o que me vai n’alma partida...

A metade do que foi, levou-me a vida,

Cuja sombra se apaga de hora em hora...



Se lá onde a virtude se alcance,

Lembrança deste mundo é permitida,

Não te esqueças da nossa ardente vida,

De um outro evitar que fosse embora”. 


No desfecho de seu precioso artigo, Francolino se expressou da seguinte forma: “Leones da Fonseca não gostaria, por certo, que a cadeira por ele ocupada na A.L.I., ao seu passar [13], fosse ocupada por prosador, e, sim, por outro poeta. E foi atendido. A cadeira n.6, por ele ocupada originalmente, está sendo ocupada, hoje, por Janete Mendonça Badaró, poeta ilheense, autora dos livros “Momentos” e “Máscaras em Procissão”, ambos de poesia.”[14]

JANETE MENDONÇA BADARÓ- PRIMEIRA SUCESSORA // EFETIVA ANTERIOR DA CADEIRA N. 6

Livre-pensadora, simples, dedicada à família. Assim é que ela, resumidamente, se descrevia. Complementando, entretanto, sua qualificação, encontramos também a Janete Mendonça Badaró escritora, poeta, artista, jornalista, política, advogada e professora. Um espírito reflexivo e delicado, ao tempo que, empreendedor e forte. 

Foi a primeira mulher a ingressar na Academia de Letras de Ilhéus, em 24 de junho de 1981, aos 46 anos de idade – época do centenário de Ilhéus! Indiscutivelmente, Janete foi uma mulher de visão à frente do seu tempo. 

FAMÍLIA

“Sergipanos descendentes de portugueses e espanhóis, senhores de engenhos, falidos com a abolição da escravatura, formaram a minha genética, com gotas de sangue indígena dos caboclos de Canavieiras”,[15] dizia. 

Foi no início do século XX que chegaram aqui, a sua avó paterna Joana Bastos de Mendonça, viúva, com seus filhos pequenos Milton, Elpha, Anísia, Antonia, Zulnara e Ariston. Quem a trouxe foi o coronel Eustáquio Bastos, já político influente, que se sensibilizou com a situação da irmã, que morava em Sergipe, e encontrava-se com dificuldade de administrar os bens com que ficara depois da morte do esposo, militar reformado, que não resistira aos problemas do coração. 

O certo é que o Cel. Eustáquio acomodou em Ilhéus a irmã Joana, e, com o dinheiro que ela conseguiu trazer, foi construída, em 1917, uma casa na Avenida Beira Mar, hoje Av. Soares Lopes, uma das primeiras casas ali surgidas, e onde, mais tarde, Janete passou a infância, a adolescência, e os últimos anos de vida. A “Casa da Pont’areia” como ela dizia, foi seu “ponto de referência no Planeta”. Deixou poema inédito declarando todo amor que possuía por aquele lugar - que ainda hoje continua a ser patrimônio da família, onde residem e transitam alguns de seus descendentes. 

Janete nasceu em 16 de julho de 1935, quando o Cel. Eusínio Lavigne era Prefeito de Ilhéus. De sua mãe, Beatriz, índia tupinambá dos lados de Canavieiras, não costumava ter notícias - e também não era assunto que gostasse de mexer, certamente pela dor da ausência, visto que desconhecia os motivos desta circunstância que a vida lhe impôs. Em compensação ficou com dois pais, o biológico, Ariston, filho mais novo de Joana, e Milton Bastos de Mendonça, o filho mais velho – arrimo da família, que a perfilhou. Por motivo de saúde, o pai biológico, quando ela ainda era criança, foi-se embora para o sertão, tendo a menina linda, de cachinhos dourados, sido criada com a avó, tio-pai, e as tias. “Eles me criaram como uma boneca de louça, frágil e mimada”, dizia. 

O cenário da sua infância em Ilhéus ela fazia questão de recordar: “A Avenida com postes antigos e mar chegando pertinho. A praia de areias alvas. Os passeios com minha avó na Rua Ernesto Sá, onde morava a tia Zuzu. As procissões quando me vestia de anjo. A minha primeira escola foi a de D. Zelinha, filha do Sr. Leones da Fonseca- que morava onde depois passou a ser a Receita Federal. Depois a escola de D. Uzuleica Silva, uma das Silvas, mais tarde as amigas amadas. No quarto ano primário meu zeloso tio, decidiu que sua filha teria a educação esmerada e meu destino foi o instituto Nossa Senhora da Piedade, onde as moças da cidade iam para se tornarem professoras”. 

Menina moça, no dia que completou treze anos (13), “foi encontrada” por Carlos Alberto Ramagem Badaró, filho de D. Hilda e do advogado Dr. Aristeu Badaró, na porta da Casa da Pont’areia, quando ela conversava com uma amiga que fora lhe parabenizar. O jovem Carlos Badaró passava comandando a tropa do Tiro de Guerra, e ao avistá-las, parou o batalhão. Aproveitou da amizade comum para se aproximar daquela que seria sua esposa por toda a vida. Casaram-se, ela aos 18 anos, e ele aos vinte e quatro anos, e viveram juntos por vinte e três anos. A dinâmica do mundo foi sempre presente na vida do casal, com muitas “batalhas”, mudanças de atividades, moradias, cidades, estados, um completo ir e vir. Tiveram cinco filhos: Arilton Carlos, Jane Kátia, Jane Suely, Carlos Alberto Filho e Jane Hilda (essa que vos fala). Somente a morte prematura de Carlos, aos 42 anos de idade, separou o casal.

Janete, que viveu até os 80 anos, tornou-se a matriarca, viu sua família crescer – e, embora fosse contrária à explosão demográfica - não escondia a alegria, quando, nas reuniões de sua grande família (para padrões modernos, conforme assinalava), juntava os cinco (5) filhos com seus respectivos companheiros(as), 14 netos e 12 bisnetos (agora já são 13, chegando o 14º.). Vangloriava-se ao dizer: “importante que praticamente todos gostam de arte e cultura, tocam violão, cantam, pintam. Conforme eles mesmos dizem, é da “Janética”.Enfim, tenho uma família brilhante. Por isso sou uma verdadeira “mãe coruja” e não nego”. 

INTELECTUAL, POLÍTICA, JORNALISTA 

Numa época em que as mulheres ainda não estavam ocupando tantos postos e funções, nem no mercado de trabalho, e nem nas universidades, Janete, em Ilhéus, cidade conservadora do interior da Bahia, fez dois cursos universitários concomitantes: Direito e Letras, e nas lides jornalísticas já falava e escrevia sobre feminismo, direitos da mulher, criando um grupo para discutir o assunto, assim como encabeçava movimentos ecológicos quando muito pouco se falava da preservação da natureza. 

Permitam-me fazer o seguinte parêntese: me recordo muito de tudo isso! Esta é a mãe que me trouxe ao mundo, e que dela sempre me orgulhei! De fato, nossas histórias muitas vezes se fundem, visto que acompanhei de perto algumas fases de sua vida, participando de suas iniciativas. Seus movimentos muito ecoavam, e ainda ecoam em mim! 

A jornalista Janete Badaró fundou ao lado do seu falecido esposo, meu pai, Carlos Badaró, o Ilhéus Jornal, que, mais tarde, já com a participação dos filhos, transformou em Ilhéus Revista, Jornal Novo Tempo e Revista IR. Enfocando de modo especial a cultura, arte, história e o turismo das terras grapiúnas, assim como questões políticas, econômicas, e sociais, os jornais e revistas editados por Janete Badaró e sua família, foram marcados pela seriedade, comprometimento ético, e qualidade editorial, e por isso fizeram história na imprensa regional.

Na primeira fase, a do Ilhéus Jornal, Carlos foi Diretor Geral e Janete Diretora Adjunta. Com o desaparecimento de Carlos, Janete passou ao comando. Veio então a Ilhéus Revista com Jane Kátia na função de Diretora Adjunta, fazendo brilhar toda sua inteligência e pendor para o jornalismo e as letras nos excelentes resultados das edições realizadas. Depois, vieram o Jornal Novo tempo e a Revista IR, quando a honrosa função de adjunta me coube. Carlos Alberto Filho (Beto Badaró) funcionava na fotografia, enquanto Arilton Carlos e Jane Suely, residindo em Belo Horizonte e Salvador, respectivamente, enviavam suas colaborações. 

As publicações da família, por mais de uma década, testemunharam a história regional. Receberam incentivo dos órgãos do cacau (ICB,CNPC,CEPLAC), no período em que a cacauicultura ainda vivia em alta, e seu órgãos de fomento estavam fortalecidos. Também participavam as Prefeituras da região, assim como alguns setores do comércio, através da divulgação de suas peças publicitárias. Na verdade, era uma via de mão dupla, pois, através da divulgação, enquanto órgãos formadores de opinião que éramos, os nossos anunciantes promoviam seus feitos, para conhecimento dos leitores, e da sociedade local. 

Convém ressaltar, de logo, que, independente destes incentivos recebidos, jamais se deixou de fazer as abordagens, críticas e sugestões necessárias, com liberdade e isenção. Pela própria natureza dos órgãos de comunicação que editávamos, verdadeiros canais de difusão da voz do povo, da voz da comunidade local e regional. Muitas denúncias de problemas sociais, e reivindicações e cobranças de políticas públicas foram engendradas nestes periódicos. 

O Ilhéus Jornal, Ilhéus Revista, Jornal Novo Tempo e Revista IR sempre contaram com a colaboração de muitos intelectuais da Terra – cujos espaços que lhes eram disponibilizados, não lhes fazia acompanhar de qualquer censura. Diante disso, diálogos eram naturalmente travados, por vezes dentro das mesmas edições, visto a diversidade das opiniões, e posições políticas e ideológicas dos nossos colaboradores. 

Tenho uma lista exemplificativa de grande significação: Raimundo Laranjeiras, Arléo Barbosa, Wilson Rosa da Silva, Baísa Nora, Augusto Cardoso, Marlove Quadros, Ana Virgínia Santiago, Dorival de Freitas, Paulo de Marco, Pedro Mattos, Anísio Cruz, Josevandro Nascimento, Roberto Santana, Roberto Rabat, Souto Freire, Maria José Brandão, Ariston Cardoso, Francolino Neto, João Hygino, Raimundo Sá Barreto, Paulo Pinto, Mauro Machado, Carlos Valder, Clodomir Xavier, Telmo Padilha, Cyro de Matos, Ildegardo Rosa, Hans Schaeppi, Gerson dos Anjos, Selen Rachid Asmar, Alberto Hoisel, Ton Lavigne, Kleber Torres, Valério de Magalhães, Jorge Saraiva (Padre Jorge), Maria Luisa Heine, Isaac Albagli, Maria de Lourdes Simões, Ruy Póvoas, Maurício Corso, Ruy Carvalho, Murilo Fonseca Costa, Gilton Bomfim, Emanuel Mendonça, Celeste Chaloub, José Carlinhos, Alberto Barreto, dentre outros.

Assim, fazíamos um jornalismo vivenciando os princípios democráticos, que sempre prezamos. Ali as idéias circulavam livremente, o que fazia ser um espaço rico, um palco iluminado utilizado por jornalistas, escritores, poetas, colunistas e articulistas, para publicação de seus trabalhos. Muitos novos talentos das letras e das artes foram ali revelados. 

A Ilhéus Revista também funcionou como uma escolinha para jovens que se iniciavam no jornalismo. Assim, a guerreira Janete orgulhava-se do trabalho e esforço desprendido, por ela e sua família, no propósito de participar da vida de Ilhéus, com um meio de comunicação que envolveu muita gente. 

Quantas vezes vimos juntas, eu e Janete, o dia clarear, trabalhando por toda a noite na montagem, nas revisões, no acompanhamento da impressão da revista nas gráficas. Era um trabalho hercúleo, desde a concepção até a circulação da revista, muita dedicação se fazia preciso. 

Vale ainda o registro de que Janete Badaró foi chefe de Gabinete no primeiro governo do prefeito Antônio Olympio. Naquela época não havia uma Secretaria de Imprensa e Comunicação constituída, então, ali, ela realizou função análoga. Laborava em nível de Secretária de Governo, ao lado da equipe do primeiro escalão. De comum que sua inteligência trouxesse luzes por onde passasse. 

Foi também articulista em outros jornais e revistas da região. Sua pena, fina, mostrava texto escorreito, idéias claras, trazendo palavras de força e dimensão criativa. Não raras vezes, usava do escárnio, da ironia inteligente para a crítica bem intencionada, na vontade de ver revertida uma situação ou idéia que não podia concordar. 

POETA, ESCRITORA E ARTISTA 

Dela disse Adonias Filho: “...Em dia...com a poesia do seu tempo”[16].

Janete desde cedo escrevia contos e poesias, que engavetava. Somente em 1979, já viúva, conseguiu publicar “Momentos”, onde reuniu poemas, “desabafos diante da complexidade da vida e da sua diversidade[17]”. O prefácio foi feito pelo saudoso poeta Telmo Padilha. 

Por ocasião do centenário de Ilhéus – ocasião também de seu ingresso nesta Academia - lança “Máscaras em Procissão” (1981) que no dizer do prefaciador, o saudoso e grande escritor Adonias filho “dir-se-á que nos coloca frente a um palco que, com cenários concretos, revaloriza os símbolos e o fluxo lírico através do poema[18]”. 

Assim o texto de “Máscaras em Procissão” foi encenado por várias vezes (ao menos seis montagens foram feitas) por grupos de teatro regionais, inclusive uma das quais na escadaria do Palácio Paranaguá pelo falecido ator e teatrólogo Pedro Mattos, performancecomparada a apresentações feitas em Paris. Ao menos em duas destas montagens eu participei, inclusive nesta, das escadarias do Paço Municipal, o nosso cerimonialista Yolando de Souza também participou! 

Na prosa Janete participou em 1979, da coletânea “Contos da Região Cacaueira”, organizada pelo saudoso jornalista Myrtes Petitinga, constando de contos premiados no concurso literário “Histórias Curtas da Zona do Cacau”. 

O nome de Janete Mendonça Badaró é verbete na “Enciclopédia de Literatura Brasileira” de Afrânio Coutinho e J. Galante de Souza – Editora Global, e no “Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras” de Nelly Novaes Coelho, da Escrituras Editora - SP. 

Detentora de grande sensibilidade artística. Quem conheceu a força do seu talento nas artes de cantar, desenhar e pintar, sabe que ela nasceu para as luzes da ribalta, embora não tenha explorado profissionalmente estes dons. Participou, entretanto, de apresentações artísticas na cidade de Ilhéus, pintou algumas bonitas telas que não chegou a expor, e ilustrou, ela própria os seus livros de poemas. Os desenhos ilustrativos de “Máscaras em Procissão” são de grande beleza! Uma delicadeza! 

A partir disso, e considerando seu olhar habitualmente cuidadoso quando avaliava o valor e qualidade das manifestações artísticas, como música, dança e pinturas, cuido sempre de recordar-me do conselho que um dia ela me deu: Jane, nunca deixe de pintar, do jeito que você pinta, neste mesmo estilo que é marcadamente seu ! Alegra-me muito saber o gosto que ela teve ao ver meu ingresso, aos 47 anos de idade, nas artes plásticas. Era minha grande incentivadora nas participações em exposições individuais e coletivas aqui na cidade e além fronteira. 

OS ÚLTIMOS ANOS DE VIDA

Nos seus (quase 20) últimos anos de vida, Janete viveu reclusa, na mesma simples e velha casa datada de 1917, onde, menina, começou seu desejo de ser escritora (ao ler as Memórias de Humberto de Campos), e “onde o mar vinha beijar a sua porta nos tempos de ressaca, na Avenida Soares Lopes”[19]

Sua saúde frágil lhe impôs esta reclusão – problemas cardíacos lhe renderam duas cirurgias. Realizava algumas saídas esporádicas basicamente para consultas médicas. Mas, ainda assim, durante todos aqueles anos de reclusão sempre esteve muito atenta aos conturbados acontecimentos do mundo, que acompanhava pela televisão com bastante preocupação: guerras, violência, a natureza revidando os maus tratos sofridos, fome, corrupção, fazendo-lhes as notas, apresentando argumentos para as posições que defendia sobre os mais diferentes temas. Mas acreditava que, ainda que estivéssemos vivendo um Tempo em que o caos teima em se instalar, a luz haverá de sempre se fazer [20]

Neste período também se dedicou a leitura: literatura, poesia, temas esotéricos e científicos. Descobriu Fritjof Capra – que declarou ser seu escritor favorito, e o elegeu seu guru. Nada abalava a sua vontade de penetrar nos mistérios da vida através do saber. [21]

Seu último ano de vida foi provavelmente o mais difícil. Um AVC lhe reduziu sensivelmente os movimentos do corpo, prendendo na matéria debilitada sua mente sempre lúcida, inteligente, culta, sábia e brilhante. Em 16 de julho de 2015, festejou seus 80 anos ao lado da sua amada família, tendo-lhes dito que seu compromisso com a vida acabava ali. Sensação de dever cumprido, por certo. Na semana seguinte, em 25 de julho de 2015, partiu, com uma expressão de serenidade e beleza de quem sentiu libertar-se o espírito para novos e grandes vôos!

A confreira Eliane Sabóia, sua querida amiga de infância, fez-lhe os elogios em emocionante sessão da saudade, presidida pelo então presidente desta Academia Josevandro Nascimento, ainda no ano de 2015. 

AGRADECIMENTOS / 

Finalizando, preciso dizer que decerto o destino está sendo generoso comigo, ao permitir-me a altura desta Academia. Foi com enternecimento, alegria e um sentimento de profunda gratidão que soube da indicação, e confirmação do meu nome através de expressiva votação, para ingressar nesta Casa – e mui honrada, aceitei - ainda que temerosa de não conseguir acompanhar-lhes o brilhantismo nos debates das idéias e nos fazeres que o status de acadêmicos impõe-nos. Mas é preciso confiar! Nada acontece ao acaso! O sopro divino que aqui me fez chegar, há de prover as minhas deficiências! Tratarei ainda de aproximar-me cada vez mais dos senhores(as), meus pares, para desta forma, aprender crescentemente. 

Enfim, o que em mim era tímida esperança – certamente semeada ainda nos tempos que acompanhava minha mãe nas reuniões acadêmicas, ocorridas antes da existência deste endereço[22], quando se realizavam os conclaves acadêmicos nas dependências da Associação Comercial de Ilhéus, e posteriormente da Fundação Cultural de Ilhéus (antigo auditório da Faculdade de Direito de Ilhéus – hoje Casa Jorge Amado) , sob presidência dos insignes e agora “saudosos confrades” Francolino Neto e Ariston Cardoso - ora se perfaz em realidade alvissareira. Agradeço penhorada, prezados acadêmicos(as), a confiança com que me distinguem ao trazer-me ao vosso convívio. Serei saudada, em vosso nome, pela confreira Maria Schaun, sua escolha é um privilégio. Tenho-lhe um grande apreço, é uma amiga querida, jornalista e escritora exemplar, autora dos títulos “Nelson Schaun Merece um Livro...” e “ O Elo Perdido”, ambos com selo da Editus/UESC. 

Resta-me enaltecer a memória de Zulnara Mendonça de Araújo, mãe que me gestou no coração, e embalou meus sonhos, dos nove meses até os quinze anos de idade. Foi quem plantou no meu espírito as primeiras sementes da educação, da crença em Deus, e da existência do amor incondicional, com seu exemplo, demonstrando por mim toda dedicação e cuidado. 

Aos meus filhos Samuel e Elena, Felipe e Elisete, Daniel Ravi, meus netos Davi, Ricardo, Miguel, Vicente e Enzo, toda nossa grande família, e fiéis amigos, tantos quantos venho encontrando nesta vida- meu carinho e puro amor! 

A Eliene Hygino, colaboradora desta ALI, sempre pronta a atender tudo o quanto solicitado, meu agradecimento pela atenção e amizade para com esta neófita acadêmica. 

A todos os presentes, minha gratidão por terem aceitado nosso convite, abrilhantando este momento, para mim tão caro! 


Muito Grata! 



· Jane Hilda Mendonça Badaró – é Mestre em Direito, Advogada, professora do DCIJU/UESC, jornalista, poeta e artista Plástica. Membro da Academia de Letras de Ilhéus. 

ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS
DISCURSO POSSE NA CADEIRA 35

Minhas saudações:

-    ao presidente da Academia de Letras de Ilhéus, dr. Francolino Neto;

-       demais componentes desta mesa; 

-       autoridades aqui presentes e representantes;

-       senhoras e senhores;

-       senhores acadêmicos.

Grande honra é estar chegando a esta casa neste momento de minha vida. À Academia de Letras de Ilhéus, fundada por homens sonhadores e honrados que se reuniam na residência de Nelson Schaun, (primo de meu pai), a quem conheci apenas de longe, quando, ainda criança, o via dando aulas a outras crianças ou sentado numa cadeira de descanso, em frente ao belo jardim de d. Vanja, na rua do Sapo. São Imagens enevoadas, mas emolduradas de significação própria.

Era ali, naquela casa, que se reunia a Academia. Mais ainda, ela foi gestada naquela casa. Bem o descreveu o jornalista e acadêmico Antônio Lopes: “essa instituição veio à luz sob evidente espírito de tolerância, na casa de um comunista, abrigando um bispo diocesano, alguns integralistas e, naturalmente, os do tipo ‘nem contra nem a favor, muito pelo contrário’”. 

Esse fato, por si só, já revela a personalidade de Nelson, homem de idéias firmes e definidas sem deixar de ser aberto às discussões, capaz mesmo de, em dado momento, romper com posturas que o identificavam e o cansagraram com perseguições e sofrimentos para salvaguardar o ideal que nunca perdeu, de justiça e humanidade.

É esse Nelson que venho aprendendo a admirar e respeitar, partindo, sobretudo, de freqüentes comentários positivos e elogiosos sobre a sua pessoa e incentivada por perguntas que me dirigem.

________

Qual o maior motivo ou causa, é difícil apurar, o fato é que nos anos de 1990, passei a pesquisar as origens dos Schaun e sua chegada a Ilhéus, pelos idos de 1820, descobrindo várias gerações de descendentes e encantando-me com algumas personagens, mesmo de outras linhagens, que foram importantes figuras da história desta cidade: aquelas que, errando e acertando, deixaram às novas gerações um município organizado com serviços e instituições.

Eram imigrantes arrojados de diversas nacionalidades: portugueses, franceses, árabes, alemães. Alguns religiosos abnegados, como madre Maria Thaís do Sagrado Coração Paillart, e madre Teresinha do Menino Jesus D’Croocq, fundadoras do, hoje, Instituto Nossa Senhora da Piedade e d. Eduardo Herberhold, bispo diocesano; ou famílias, como: os Adami, os Pessoa, os Lavigne; políticos, como: cel. Misael Tavares, João Mangabeira, cel. Paiva, seus descendentes e tantos anônimos que contribuíram para o desenvolvimento de Ilhéus. 

Muitos, muitos! mas encantei-me, especialmente, com Nelson Schão, como se falava.

E, naquele momento, pensei: essas pessoas não podem ficar esquecidas pelas novas gerações. Pelo contrário, testemunhos tão valiosos devem ser tomados, preservados e ampliados pelos que chegaram depois, com zelo de quem administra um patrimônio precioso. Construtores da história e dignos de memória, outros e outros vêm e virão e serão sempre, pelos novos, lembrados e homenageados como descendentes dos imigrantes que aqui chegaram no decorrer destes quase quinhentos anos, merecedores de nosso respeito, pelo trabalho e dedicação de suas vidas voltadas para grandes causas. 

Neste rastro de luz que chega até nós, vale ressaltar exemplos atuais que entre muitos, não serão esquecidos: o do acadêmico Jabes Ribeiro, prefeito por três mandatos; e da professora Renée Albagli Nogueira, magnífica reitora da Universidade Estadual de Santa Cruz, que tomou nas mãos e no coração a nossa UESC, sonhada por tantos e plantada por outro acadêmico, Soane Nazaré de Andrade. Esta, a professora Renée, expandiu a UESC na comunidade, incentivando técnicos e professores, trazendo novos cursos, ampliando oportunidades para os jovens de nossa região e multiplicando a área de abrangência da Universidade.

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Quanto a mim, de lembrar e de dizer, nascem em meu reconhecimento, com profunda expressão de afeto, sem ordem de tempo ou de grau:

A UESC, a quem devo a realização de alguns projetos, nas pessoas de seus administradores e colegas de trabalho, em especial a Maria Luiza Nora, nossa Baísa, diretora da Editus, a minha profunda gratidão.

Algumas vezes a realização vem através de pequenos projetos que envolvem o dia a dia, pois, segundo John Lennon, “a vida é o que nos acontece enquanto estamos fazendo outros planos”; outras vezes, a realização vem através de projetos maiores, como a publicação de O elo perdido, livro que pesquisei e escrevi, e de Nelson Schaun merece um livro, que organizei. Belos e gratificantes momentos, desde os iniciais até a concretização do trabalho, mas que não têm fim, pois o encadeamento constante de emoções continua.

Sou grata a minha família, tão grande e tão pequena, pois depois de cinco gerações, aqui nesta cidade, com tios, primos e tantos outros parentes, formamos um núcleo familiar com quatro pessoas: meu pai, José Caldas Schaun, que me legou os melhores valores dos Schaun: integridade, dignidade e simplicidade; minha mãe, d. Delza que veio de Maragogipe, cidade histórica do recôncavo baiano, com sua incondicional dedicação; minha irmã, também Delza, formada em Letras pela UESC, mas jornalista como eu e aniversariante deste dia, com sua presença nos momentos mais importantes de minha existência.

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Ao Patrono da Cadeira 35, que passo a ocupar, Ernesto Simões da Silva Freitas Filho, o meu respeito. Nasceu em Cachoeira, filho de um coronel e de uma dona de casa; bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, em 1907, pela Faculdade Livre de Direito da Bahia. Foi jornalista, deputado estadual e federal, ministro da Educação e fundador da Academia de Letras da Bahia. Desenvolveu o interesse pelo jornalismo ainda no Ginásio Bahiano, onde fundou o pequeno jornal O Carrasco. Logo em seguida, uma revista, O Papão, e se firmou como profissional da imprensa na redação do jornal Gazeta do Povo, em que ingressou em 1905.

Em 1912, com 26 anos de idade, fundou seu próprio jornal, A Tarde, que dirigiu até 1957, quando faleceu, nos deixando o maior veículo de comunicação impressa da Bahia.

Cabe-me dizer também sobre Milton Almeida dos Santos, ocupante anterior da Cadeira 35, falecido em junho de 2001. Ícone da cultura brasileira e reconhecido internacionalmente, geógrafo e autor de muitos livros. Progressista, com opiniões firmes e objetivas, sua vasta e sólida cultura contribuiu muito com artigos na imprensa para o debate de problemas sociais. Essas qualidades orientaram sempre seus artigos e editoriais para o jornal A Tarde, publicados no período de 1956 a 1964. Nos últimos tempos, seus trabalhos e entrevistas vinham sendo veiculados pela grande imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Nascido em Brotas de Macaúbas, em maio de 1926, bacharel em Ciências e Letras, em 1941; formou-se ainda em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, em 1948. Apesar desse histórico, sua maior vocação foi o ensino e, assim, aceitou o convite para dar aulas no Ginásio Municipal de Ilhéus, onde ficou até 1954. Retornando a Salvador, impressionou a Simões Filho que o convidou para trabalhar em A Tarde

Daí a vida de Milton Santos foi uma seqüência de honras, dissabores e vitórias, com atividades acadêmicas, participação na direção de entidades científicas e profissionais e título de Doctor Honoris Causaem diversas universidades no Brasil e no exterior.

Entendendo que é dever dos acadêmicos zelar pela memória e história de seus patronos e antecessores, posto que pouco trouxe de conhecimento de vidas tão ilustres, confesso que aqui tomo assento já devedora. Devo, sim, um levantamento extenso e profundo, quanto se dê à minha frágil capacidade, da vida e obras de Ernesto Simões Filho e Milton Santos, – concedam-me os queridos confrades tempo para cumpri-lo.

__________

Uma coincidência: Nelson, os confrades Antonio Lopes, Jabes Ribeiro, Soane Nazaré, a professora Renée, Simões Filho e o professor Milton Santos são pessoas, oriundas de cidades do interior da Bahia e que estiveram ou estão ligadas, entre si, pelo amor às letras e ao jornalismo.

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Ainda umas palavras de reconhecimento. 

Agradeço pelos amigos que tenho, pelos aqui presentes e pelos que não puderam comparecer a esta solenidade, aos velhos amigos de infância e aos novos que venho conquistando, pois todos me fortalecem e contribuem de alguma maneira para o meu desenvolvimento, enquanto pessoa. 

Aos que já se foram, a minha saudade!

Ao professor Dorival de Freitas, confrade Dorival, que, com seu carinho e confiança, incentivou a minha candidatura à Cadeira 35 da Academia de Letras de Ilhéus percorrendo comigo os caminhos para chegar a cada acadêmico, em busca de seus votos. 

Enfim, aos confrades que tão bem me recebem, prometo respeitar sempre o sonho de nossos fundadores e antecessores, acrescentando ao estrito dever a dedicação (bem mais ampla) que nasce do amor.

 

Centro de Convenções, Ilhéus, 05.04.2002

Maria Schaun


Geraldo Lavigne de Lemos, a frente, à esquerda.


ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS

DISCURSO POSSE NA CADEIRA 23



Ilustre Senhor Presidente

Ilustres componentes da mesa

Ilustres membros da Academia

Autoridades presentes

Senhores

Amigos

Minha amada família

 

Ingresso na Academia de Letras de Ilhéus com profundo respeito pelas personalidades que construíram a honrosa história desta casa e que, para minha incontida felicidade, poderei chamar doravante de confrades. Entro para ouvi-los, um discípulo perante os mestres. Ocuparei a cadeira de nº 23, em sucessão ao Sr. Mário de Castro Pessoa, homem digno e probo que tive a sorte de conhecer. Esta cadeira representa uma narrativa da região grapiúna, sem dispensar nenhum fato de um enredo arrebatador.

 

O patrono da cadeira de nº 23 é o jovem Gutemberg Berbert de Castro, nascido em 23 de abril de 1900, na Fazenda Triumpho, município de Ilhéus, filho do Coronel Ramiro Ildefonso de Araújo Castro e de D. Libuça Berbert de Castro. 

 

Cultivou o intelecto com o esmero do bom lavrador. Desde os primeiros anos, teve especial apreço pelas letras e pelo conhecimento. A qualidade dos seus escritos rendeu-lhe o grato título de ilustre. Entre os predicativos pessoais, cumpre salientar a benevolência. Entretanto, como a imprevista seca pode atingir o zeloso lavrador, o destino reservara uma fatalidade a Gutemberg. Portou uma doença, desde a tenra idade, que o conduziria à cegueira. Embora aprovado no exame de admissão do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito da Bahia, renunciou à oportunidade em razão do agravamento do estado de saúde ocular.

 

A tormenta da perda da visão foi alimentada à medida que a escuridão lhe tomava os olhos, enquanto percebia-se incapaz de refrear a moléstia. A completa insatisfação de Gutemberg com o infausto destino transpareceu em seus poemas Espera e Supremo Anseio, que revelam a preferência pela morte. O advento dos últimos dias iluminados afligiu a alma dele em tal magnitude que, sem conseguir mais suportar a condição incurável da enfermidade, praticou o suicídio em 30 de abril de 1922. Imagino a eternidade que existe no giro do tambor, onde cabe o pecado e o perdão, a vida e a morte. O trágico caso comoveu a região e foi noticiado com sentidos pesares pela imprensa estadual.

 

Deixou a vida e um legado. Foi como a luz que, embora se apague em curto tempo, percorre vastidões em espaço. Quando da apresentação do patrono, no ano de fundação da Academia de Letras de Ilhéus, foi ele comparado, devido ao incontestável talento, a outros dois poetas de trajetórias interrompidas, Moacir de Almeida e Raul de Leoni.

 

O fundador da cadeira de nº 23 e, por consequência, primeiro titular foi o Sr. Ramiro Berbert de Castro, nascido em 06 de junho de 1894, também na Fazenda Triumpho, irmão do patrono. Tomou posse na data de fundação deste sodalício, dia 14 de março de 1959. Cursou as primeiras letras em Ilhéus e Salvador, transferindo-se depois para Belo Horizonte, onde se graduou em medicina – na Faculdade de Medicina de Bello Horizonte – e odontologia – na Escola de Pharmacia e Odontologia de Bello Horizonte. Exerceu a medicina com empenho, em diversas especialidades, desde a pediatria até o combate à varíola e à gripe pneumônica. Nas Minas Gerais, apaixonou-se por Elvira Augusta de Carvalho Britto, filha de Manoel Thomaz de Carvalho Britto, e contraiu matrimônio em 1917.

 

Distinto e extraordinário orador, foi diversas vezes escolhido como tal. Cito alguns casos: orador oficial das duas turmas de curso superior que integrou; orador do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz da Escola de Pharmacia e Odontologia de Bello Horizonte; primeiro orador da Confederação dos Acadêmicos Mineiros; e responsável pela saudação a Olavo Bilac quando este visitou o estado mineiro. 

 

Na vida pública, devotou-se à política. Era um homem bem articulado, carismático e influente. De participação ativa, foi amigo do governador mineiro Arthur da Silva Bernardes, de quem foi assessor de imprensa e por quem fez intensa campanha presidencial com êxito. No que tange a carreira pessoal, sagrou-se deputado estadual do terceiro distrito da Bahia pela Concentração Republicana, por orientação do igualmente amigo Ruy Barbosa. A excelência da atuação pública permitiu que logo alçasse voo mais alto, sendo eleito deputado federal em duas ocasiões consecutivas. Na segunda, perdeu o mandato em virtude do Movimento Revolucionário de 1930, que dissolveu o Congresso Nacional, forçando-o ao exílio na Suíça, até que regressasse no ano seguinte.

 

Incansável estudioso, graduou-se na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro em 1937. Um ano depois, Getúlio Vargas o nomeou diretor do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda da Bahia. Retornou à política como deputado estadual da Bahia, quando se destacou pela participação em inúmeras emancipações municipais. Em seguida, foi eleito deputado federal três vezes entre titular e suplente.

 

A capacidade intelectual de Ramiro ensejou farta lavra literária. Descendente de cacauicultores das margens do Cachoeira, não se furtou de escrever sobre o tema. Ao contrário, o fez com propriedade. Publicou o livro O Cacáu na Bahia, em 1924. Abordou a história, a cultura, a economia, o agricultor e as perspectivas do cacau.

 

Os laços com a Bahia e a região grapiúna ainda são evidentes no livro Conferências, publicado em 1930, que reúne duas conferências do autor, uma proferida na sede da Sociedade União Protectora dos Artistas e Operários, situada em Ilhéus, e outra, na sessão magna do Instituto Geographico e Historico da Bahia, do que foi membro. A primeira sobre a educação e a segunda em comemoração à independência do estado, na qualidade de orador oficial. Obstinado no propósito de crescimento nacional, na conferência sobre educação, após defender a importância desta para a evolução da sociedade, pergunta “E de que modo podemos cuidar da educação do povo?” e responde “Fundando escolas.” Neste sentido, não hesitou; os exemplares de Conferências foram vendidos exclusivamente em benefício da criação da Caixa Escolar – uma associação beneficente – do colégio da Sociedade União Protectora dos Artistas e Operários.

 

O livro Hulha Branca, publicado em 1945, revela a qualidade de pesquisador, que partiu em expedições aos rincões da nossa Bahia, para mais de 70% dos municípios à época da publicação, com vistas a embasar extenso ensaio em favor da prosperidade e distribuição de recursos. Neste livro, apresentou o potencial hidroelétrico do estado e ainda apontou descrições geográficas, históricas, sociológicas, textos políticos e literários sobre os rios baianos. Quando discorreu sobre as águas que fluem em nossas terras, o fez com a intimidade de filho. Anote-se que esta energia que hoje nos abastece provém da hidrelétrica de Funil, já descrita e incentivada neste livro de 1945 que, embora tendo projeto ampliado em relação ao proposto pelo autor e obras iniciadas em 1954, só foi inaugurada em 1962.

 

Publicou numerosos livros, entre os quais, além dos acima citados: Um caso de Pseudo-Tuberculose Pneumococcica, em 1922; Discursos, em 1922; Notas de Viagem, em 1922; Documentos Politicos, em 1923; As Eleições Federaes na Bahia, em 1924; Palavras de Fé, em 1925; Histórico e Descripção dos Edificios da Cadeia Velha, Palácio Monröe e Bibliotheca Nacional, em 1926; e Roteiro do Nordeste: impressões da Paraíba e de Pernambuco, em 1952.

 

No dia 24 de outubro de 1966, fez-se presente na celebração de 25 anos de emancipação da cidade de Ibicaraí, onde foram inaugurados um busto de bronze e uma praça, ambos em homenagem a ele. Neste mesmo dia, haveria um funesto caso. Após deixar Ibicaraí, sofreu um acidente rodoviário fatal. A notícia surpreendeu todos e mais uma vez causou comoção geral.

 

O segundo titular da cadeira de nº 23 foi o Sr. Euclides José Teixeira Neto, mais conhecido como Euclides Neto, nascido em 11 de novembro de 1925, na localidade de Jenipapo, município de Ubaíra, no sul da Bahia. Filho do Sr. Patrício Rezende Teixeira e de D. Edith Coelho Teixeira, casou-se com D. Angélica Jaqueira Teixeira, com quem teve cinco filhos e viveu muitos anos em Ipiaú.  Bacharel em Direito, graduado pela Universidade Federal da Bahia, exerceu a advocacia sempre em combate às desigualdades. De postura firme e irrepreensível, atravessou a vida cumprindo os seus ideais de justiça. Tomou posse nesta confraria no dia 18 de maio de 1990.

 

Escreveu treze livros. Publicou o primeiro ainda adolescente e produziu uma extensa e profícua obra, a saber: Porque o homem não veio do macaco (ensaios, 1942); Berimbau (romance, 1946); Vida Morta (romance, 1947); Os Magros (romance, 1961); O Patrão (romance, 1978); Comercinho do Poço Fundo (romance, 1979); Os Genros (romance, 1981); 64: um prefeito, a revolução e os jumentos (a fábula do presidencial Salém, livro de memórias, 1983); Machombongo (romance, 1986); O menino traquino (crônicas, 1994); A enxada e a mulher que  venceu o próprio destino (romance, 1986); Dicionareco das roças de cacau e arredores (léxico, 1997; 2. ed, 2003, edição póstuma); Trilhas da Reforma Agrária (memórias, 1999); e O tempo é chegado(publicação póstuma, 2002).

 

A obra de Euclides Neto é essencialmente debruçada sobre o homem. Por meio da literatura, fez contundentes denúncias sociais, expôs a luta de classes, e manteve-se firme na ideologia socialista. O campo e, inevitavelmente, o cacau foram cenários importantes da obra que revelou a identidade regional pelo viés do realismo. Os enredos transitaram entre a violência, os latifúndios e as diferenças socioeconômicas. Fez de sua voz, a voz do povo; fez de sua projeção, a projeção dos esquecidos. Reverberou a postura dos escritores da chamada Geração de 30, revelou as agruras de sua gente, buscou a ressignificação das teorias literárias sob a luz humanista; esteve atento ao engajamento político-social na literatura, na vida pública e na vida pessoal.

 

A expressão de justiça social de Euclides Neto não permaneceu apenas na literatura. Quando foi prefeito de Ipiaú, eleito em 1961, conquistou o título de Município Modelo da Bahia, concedido pelo governo federal, e implantou a Fazenda do Povo – um projeto de reforma agrária baseado nos ideais socialistas, sendo o primeiro administrador público brasileiro a fazê-lo. Esta experiência lhe custou inquérito e cassação pelo governo militar instalado em 1964. Anos depois, no fim da década de 80, retornou à vida pública para ocupar a primeira Secretaria de Reforma Agrária do país, no governo de Waldir Pires, de quem era amigo.

 

Elieser Cesar denomina de Tetralogia dos Excluídos o conjunto das obras Os MagrosO PatrãoMachombongo e A enxada e a mulher que venceu o próprio destino, que enfeixam um ciclo. O primeiro livro traduz a denúncia social inspirada nos autores da geração de 30, o segundo representa a resposta do oprimido, o terceiro é uma espécie de crônica pós-64 no campo, e o quarto apresenta a utopia agrária que resume a ideologia do autor na concretização literária do sonho.

 

Os enredos de Euclides Neto abordam a temática da região cacaueira dos tempos áureos até a crise. Servem como uma sucessão dos enredos de Jorge Amado sobre esta mesma região, sendo que o ciclo do cacau da obra amadiana tratou da fase de instalação da lavoura cacaueira. Ambos são conhecedores da formação sociocultural grapiúna e a descrevem em suas obras em linguagem coloquial com desenvoltura.

 

No dia 05 de abril do ano 2000, Euclides Neto faleceu em Salvador, decorrente de uma parada cardíaca.

 

O terceiro titular e último ocupante da cadeira de nº 23 foi o Sr. Mário de Castro Pessoa, nascido dia 28 de maio de 1925, filho do Sr. Mário Pessoa da Costa e Silva e de D. Dejanira Berbert de Castro, sobrinho do patrono e do fundador desta cadeira por laços maternos, tendo tomado posse no dia 11 de abril de 2001. Era carinhosamente conhecido como Mariozinho e como Marujo. Foi casado com Maria Helena Falcão Pessoa, com quem teve quatro filhos. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade da Bahia em 1951, aprofundou o conhecimento em Curso Interdisciplinar de Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, obtendo nota máxima. Exerceu advocacia autônoma e também como contratado regular de departamento jurídico de empresas por mais de 30 anos, tendo passado por diversos cargos de chefia, quando se aposentou em 1983 como Gerente do Departamento Jurídico Trabalhista do Banco Itaú S/A. Regia o trabalho com primor e isto o tornou um profissional requisitado. Sem a mesquinhez que afasta a sabedoria, teve o gesto nobre de ensinar o seus pares. Foi professor da Management Center do Brasil, da Associação dos Bancos no Estado de São Paulo e do curso superior de Ciências Contábeis das Faculdades Associadas do Ipiranga – FAI.

 

Era um memorialista e um irresignado protetor de Ilhéus. Extremamente cortês, dizia a verdade, mas não ofendia. Era de um trato singular com as pessoas. Mais do que isso, era sinceramente afetuoso. A produção intelectual circunscreve o tronco familiar e a chefia política deste município que, por vezes, encerram uma mesma história. Mário representa a união de duas famílias de maior grandeza, neto dos patriarcas Coronel Antonio Pessoa da Costa e Silva e Coronel Ramiro Ildefonso de Araújo Castro. Destarte, é um inconteste descendente da boa cepa.

 

Peço, por ora, um instante para fazer uma digressão. Meu pai, Antonio Francisco Leal Lavigne de Lemos, conhecido como Ton Lavigne, foi dileto amigo de Mário. Juntos, riam sobre a amizade que construíram. Em tempos remotos, os avós deles eram dissidentes políticos e não era comum a proximidade entre as famílias. Imaginavam, Mário e meu pai, o que diriam eles, os avós. A risada gostosa transparecia a fiel amizade que nutriam.

 

Retomo, agora, o que eu dizia sobre a lavra de Mário. Ele publicou os artigos Colégio Afonso de Carvalho e Um lugar na Galeria dos Baianos Ilustres; e os livros No Tempo de Mário Pessoa, em 1994, e O Coronel dos Coronéis: Antonio Pessoa da Costa e Silva, em 2005. O primeiro livro descreve as gestões administrativas do Sr. Mário Pessoa da Costa e Silva no município de Ilhéus, duas vezes eleito intendente e uma vez nomeado prefeito. O segundo livro narra a trajetória política do Coronel Antonio Pessoa da Costa e Silva. Ambos apresentam importantes informações biográficas das personalidades analisadas. Amantes da nossa cidade, não se esquivaram de contribuir para o seu crescimento, fazendo das gestões administrativas importantes marcos de evolução do município, jamais se acovardando perante as dificuldades.

 

Mário viveu os últimos anos em Ilhéus, ao lado de Ângela Maria Martins Vasconcelos, que, como ele mesmo registrou, foi sua leal companheira e admirável protetora. Ele faleceu dia 03 de setembro de 2011.

 

As pessoas que habitaram e habitam Ilhéus são militantes invulgares. Descendem de uma estirpe de intrépidos desbravadores. É desta amálgama de memória, cacau, suor, luta e letras que nós somos feitos. Quem bebeu o mel do cacau na sombra da cabruca, no coração da mata, tem consigo a marca da lavoura, a seiva no sangue, a bravura na fronte, a seriedade no talante. Aonde quer que vá, levará consigo o cheiro do cacau fermentado, da amêndoa seca e, hoje, do chocolate.

 

Chego ao fim do discurso e gostaria de narrar mais um breve caso. Um dia meu pai convidou Mário para almoçar fora. Elegante como era, na data agendada, vestiu a roupa social, o sapato envernizado. Questionou a Ângela quanto deveria levar em dinheiro, já que não sabiam o destino. Na dúvida, levaram o talão de cheques para necessidades excedentes. Quando chegaram a minha casa, minha mãe, Suely, os recebeu e os conduziu até os fundos. Meu pai estava lá, sentado em um banco, de chinelo, bermuda e camisa aberta no peito. Interpelado por Mário sobre o evidente atraso, respondeu que o havia chamado para comer fora e que ali estavam eles, fora, no quintal, que comeriam um saboroso churrasco naquela tarde. Riram da situação, como de costume. Passamos a tarde na sombra de um pé de acerola e de um coqueiro e eu aprendi que assim deve ser a vida: despojada, com os amigos e os amores por perto, frequentando ambientes onde temos ar puro e felicidade, onde ouvimos os pássaros, plantamos e colhemos.

 

Com estas palavras, e com o fiel propósito de perpetuar a nossa memória, encerro o meu discurso agradecendo a presença de todos. Muito obrigado.

 

Ilhéus, 19 de setembro de 2014.

Geraldo Lavigne de Lemos






ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS

DISCURSO POSSE NA CADEIRA 18

 

A PALAVRA: DO CAMACAN PARA A ACADEMIA[1]

 

Ruy do Carmo Póvoas[2]

 

Quando um profundo silêncio

envolvia todas as coisas

e a noite estava a meio de seu curso,

do alto do céu,

a vossa palavra onipotente,

deixando vosso trono real,

lançou-se no meio da terra condenada.

(Sabedoria: 18, 14-15)

 

            Senhoras e senhores: saudações a todos.

            Nos dizeres de Alexandre Pronzato[3], no seu livro Evangelhos que incomodam, “o silêncio é o ambiente natural para que a Palavra desça sobre a terra”. Certamente, não será esse o motivo de esta Academia se permitir, cortesmente, ao silêncio para me ouvir. Todos sabem: a minha palavra não é onipotente, nem se lança no meio de uma terra condenada. Antes, e pelo contrário, a magnanimidade desta Academia permite espaço e tempo, para eu dizer o que sei, o que penso e o que sinto.

            E o que eu sei? Sei que o melhor dos agradecimentos é receber com alegria o presente ofertado. Chego aqui pelas mãos dos Ilustres Acadêmicos Sr. Prof. Dorival de Freitas e Sra. Profa. Maria Luiza Nora. Ele me trouxe e ela me receberá, pois os acadêmicos entenderam que eu deveria estar aqui, entre eles. Agradecer, ainda, ao Ilustre Acadêmico, Sr. Edgar Pereira Souza, pelo prestimoso resgate da memória. Também sei: devo agradecer pelo quanto se empenharam a Ilustre Acadêmica Sra. Maria Schaun e a Sra. Eliene Hygino, Primeira Secretária desta Academia, com providências e informações prestimosas. Ah, quanto é importante, Sra. Maria Schaun, alguém nos dizer “É por aqui”. Ah, como é reconfortante ser recebido com gentileza e sensibilidade, Sra. Eliene Hygino. Ah, quanta confiança em mim, Sr. Dorival de Freitas. Sra. Maria Luiza Nora, quanta amorosidade em sua aquiescência em me receber. E aqui, no regaço da Grande-Mãe Ewá, orixá de sua cabeça, aconchego-me, certo de estar zelado, querido, amparado. Corre à solta o dito: “Junta-te aos bons e serás um deles.” Que a bondade de todos me contagie. Também sei que é de fino trato a retribuição. Eis que retribuo a todos, numa declaração firme, através da palavra que se faz vida, entrega e confiança: Eis-me aqui. Presente!

            E o que penso? A recepção, que esta Academia me faz, decorre de seu espírito de aceitação para com a minha palavra, em verso e em prosa. Muito mais do que por sua qualidade, minhas palavras aqui chegaram certamente pela força do espírito de conviver com o diverso, motivo maior de esta Academia estar reunida aqui e agora, para me receber e, muito mais que isso, ouvir a minha palavra.

            E o que sinto? Sinto um silêncio profundo em minha alma, que me permite receber a magia do silêncio dos que me ouvem, pronunciando a frase fantástica, esperança de todos aqueles que falam: “Sim, eu te ouço!”

            Ah, senhoras e senhores, amigas e amigos, naves de Deus na existência, aqui presentes! O agradecimento pressupõe o reconhecimento. Aqui, vale retomar meus versos, no poema RECONHECIMENTO, numa tentativa de expressar minha gratidão:

 

Tu não vais cuidar de mim

só depois da tempestade.

Eu sei:

Tu és perfeito!

Tu cuidas de mim sempre,

mesmo antes de eu existir,

mesmo antes de minha ansiedade.

Todas as providências

Tu já tomaste,

embora eu não consiga

lá fora vislumbrá-las.

Limitado por mim mesmo,

vivo a rogar-te,

implorando eternamente

o que já me deste

desde antes de minha finitude

mesmo antes de toda a eternidade.

 

 

            E sobre a palavra escrita? Ah, esta senhora que possui tanta roupa; que, na maioria das vezes, ignora a existência da fala; que, revestida de prepotência e arrogância, humilha e condena os que dela uso não sabem fazer, produzindo artefatos que a fala se nega a reproduzir.

            E a palavra dos humanos? Palavra? Que palavra? A de rei, que não volta atrás? A do orador, que amplia o sofrimento do ouvinte, ansioso para ir embora? A amarga, que dilacera o coração? A doce, que envolve os amantes igual canção? A do mentiroso, que não passa de menosprezo ao ouvinte? A engraçada, que provoca o riso? A da Lei, que salta do poderoso trono real da Justiça dos homens? A do traído, que fica silenciada em seu sentimento, latejando na cabeça? A encralacada no engano e que só é expressa depois de um “ah, se eu soubesse”? A do vingador, resumida num monossílabo: “Viu”? A do sabido, que sempre declara: “Não te avisei?” A do poderoso, com o dedo em riste, pronunciando “Calado!”? A palavra dada, que deveria sempre ser vida empenhada? A amargurada, de quem vê o corpo da pessoa amada descer ao túmulo? A que traduz a fala do oráculo, revelando os segredos do amanhã? A do acusado injustamente, que pronuncia até morrer: “Sou inocente!”? A que fica nos lábios de quem diz adeus, querendo ir também, sem poder? A de quem se alegra com a chegada do outro e proclama: “Seja bem-vindo!”? Aquela, em estado de dormência, no dicionário, à espera de quem dela se aposse? A sem efeito, resultante do pensamento equivocado? A manuscrita, que revela traços da personalidade de quem a escreveu? A digitada no computador, que poderá perder-se a qualquer instante? A que não foi escutada, por que a indiferença e o barulho do mundo não deixaram? A negada, por que o rancor e o ódio não permitiram? A que se faz intitulativo? A preconceituosa, que cava abismos e delimita fronteiras? A que se faz comum, nomeando os seres da mesma espécie? A que se faz sangue e habita entre nós, no trânsito, no asfalto, no assalto, no tráfico, nas esquinas? A expressa em diminutivo, que traduz carinho, afeto e bem-querer? Ou aquela que, em diminutivo, diminui o valor de quem por ela é identificado? A que anuncia uma bênção ou a que provoca destruição? A do sacerdote que transforma pão em carne e vinho em sangue? A trocada pelo lapso de memória? A dita fora de hora, que deixa o falante em maus lençóis? A apagada pelo esquecimento? A maldita, que provoca transtornos? A recriada pela intuição do artista? A que falta, justamente no momento da conclusão do pensamento de quem anuncia “Eu me perdi”? A de quem pede socorro para sair da aflição? A de domínio público, que é usada sem mais se saber seu real significado? A descartada, por que o costume foi arquivado? A nova, que vem na onda da moda? A obscena e, por isso mesmo, proibida? A do primeiro amor, gravada para sempre? A denunciadora de que a existência chegou ao fim? A que informa ao mundo que duas pessoas resolveram se unir? A do enjeitado, quando sente a alma dilacerada? A do condenado, que perdeu a última esperança de liberdade? A da mulher, que anuncia: “Estou grávida”? A do homem, que se extasia, informando: “Vou ser pai”? A emprestada de outro idioma, por que iguais aos homens, os idiomas nem sempre são suficientes para dizer tudo? Ah, a palavra e seu efeito!

            EFEITO. A esse propósito, vem à minha mente um poema com tal título:

 

Fica a face apedrejada 

pela palavra proferida, 

mas a boca apedrejante 

fica também ferida

.

E muito mais dilacerada

fica a boca emudecida,

por não dizer ao outro

as dores de sua ferida.

 

Muito mais ferida ainda

fica a boca equivocada

de quem quis dizer “te amo”

e o outro ouviu “não és nada”.

 

Mais dolorida é a boca

de palavra enferrujada,

que ao beijar o amor,

fere com dura espada.

 

Muito mais de tudo isso

é a boca encalacrada,

uma língua emudecida

com a palavra grudada.

 

A ofensa, a palavra dura,

a mágoa, a incerteza,

se são ditas, são sabidas

e propiciam a defesa.

 

Mas a palavra afiada
é arma de muito perigo
e quem dela fizer uso

pode matar o amigo.

.

 

            E com palavras que compõem a nossa memória de grapiúnas, muito antes de nossa chegada à existência, José Pereira da Costa[4] surge do fundo da história, para se fazer presente neste instante, revisitando o Imaginário dos que nos antecederam. Em seu livro Terra, suor e sangue: lembrança do passado, história da Região Cacaueira, no capítulo III (p. 41-46), intitulado A chacina do Macuco, ele narra a matança que houve no princípio do século XX, no Macuco, hoje Buerarema. E naquelas páginas, de que se lembra José Pereira da Costa?

            Era o ano de 1900 e o dia era 8 de dezembro. Um grupo de 20 jagunços dava proteção ao engenheiro Agenor Póvoas que, por ordem do Delegado de Terras, executava a medição das terras da Fazenda Mucuri, de propriedade do major Leôncio Ramos de Lima. Ocorre que a demarcação dos limites daquela imensa propriedade, se executada, englobaria terras de 6 posseiros, cujas fazendas estavam em franca produção: João e Ormindo Magalhães Betu, Cândido Belizário, Jovino Coutinho, Bernardo e João do Carmo. E no dia 8 de dezembro de 1900, quando a turma da medição estava descansando no acampamento, ao som de violas e cantorias, Jovino, porta-voz dos posseiros, veio se entender com o engenheiro, dizendo-lhe que não avançasse a medição do ponto em que estava, sob pena de correr sangue. O engenheiro Agenor Póvoas ordenou a Pedro Celestino dos Santos, chefe dos jagunços, que amarrasse o posseiro numa árvore e lhe aplicasse um corretivo. Duas varas de goiabeira foram gastas no fio do lombo do infeliz, que saiu dali se arrastando e vomitando sangue.

            Em retaliação, no mesmo dia, os posseiros com todos os seus parentes e aderentes invadiram o acampamento para cobrar vingança. Ao perceber a aproximação de tanta gente armada, Agenor Póvoas determinou que Pedro mandasse os jagunços abrirem fogo. O poder de fogo dos posseiros e sua gente, no entanto, era muito maior. No primeiro tiro dado pelos vingadores, o engenheiro foi atingido por João do Carmo e acabou sendo morto a golpes de facão. Os jagunços que escaparam dos tiros fugiram para mata. Após a chacina, os poucos sobreviventes se encarregaram de espalhar a notícia. Sepultados os mortos, foram tomadas medidas oficiais para perseguir e prender os criminosos. O Governo da Bahia enviou uma força tarefa especial, formada por 50 homens, sob o comando do capitão Galdino. Os foragidos terminaram por serem presos e levados a júri popular, que os absolveu. O juiz Pedreira França, no entanto, leu a sentença ao contrário e condenou os réus a 30 anos de prisão. Mais tarde, o deputado estadual Dr. Júlio Virgínio tomou conhecimento do fato e fez uma visita aos condenados na penitenciária. Leu o processo e se predispôs a defendê-los. O deputado fez um acordo com os condenados de ficar com suas propriedades, se conseguisse libertá-los. Dr. Júlio conseguiu anulação da sentença e os condenados foram outra vez a júri popular, no qual foram absolvidos novamente. O deputado ficou com as propriedades dos ex-posseiros e terminou por vendê-las a terceiros. Dos posseiros, nunca mais se soube deles.

            Até aqui, um resumo do relato das lembranças de José Pereira da Costa. Acontece, porém, que outros fatos não chegaram ao conhecimento dele. Por isso mesmo, vale a pena acrescentar outras informações. João do Carmo, que tinha sido dono da Fazenda Riachão, tinha outros irmãos: Camilo, Júlia, Joana, Luzia e Ulisses. Eram filhos de Antônio do Carmo e Maria Figueiredo. Ele, caboclo vindo de Nazaré das Farinhas, juntamente com seu irmão Elpídio do Carmo, atraídos para Ilhéus, pela fama do cacau. Ela, negra, filha da ex-escrava Inês. Entre os seus, Inês era conhecida por Mejigã, seu nome africano. Ela veio trazida de Ilexá, onde tinha sido uma nobre sacerdotisa de Oxum. Mejigã tinha sido escrava no Engenho de Santana, mas foi libertada tempos depois, por causa da velhice, e morreu aos 115 anos. Seus netos, os filhos de Maria Figueiredo com Antônio do Carmo, eram negros que praticavam o culto aos orixás.

            Todos os membros da família Carmo passaram a ser caçados e perseguidos após a chacina do Macuco, pelos cobradores de vingança. Naquele tempo, na família em que houvesse um de seus membros perseguido, todos seriam perseguidos também. Apesar da absolvição, eles não escapariam do vingador. Era palavra de lei nas terras do cacau: sangue derramado se pagava com sangue. Perseguidos e perseguidores acreditavam nessa lei. Por causa disso, os Carmo se embrenharam nas matas do Camacan, território no qual poucos se aventuravam penetrar. As feras e as cobras eram os guardiões daquele mundo habitado por entidades do imaginário africano e indígena. Nunca mais os Betu e os Carmo apareceram no centro da cidade de Ilhéus. Ulisses, o irmão caçula de João do Carmo, casou-se com Hermosa e tiveram 23filhos. Entre eles, Maria do Carmo. Quando completou seus 30 anos de idade, ela saiu das matas do Camacan e veio se estabelecer no Pontal de Ilhéus, para mudar de vida. Era início da década de 40, no século passado. Escondeu seu sobrenome, passando a chamar-se Maria Mercês e conseguiu emprego de cozinheira na sede da Fazenda Cidade Nova, de propriedade do Dr. Otávio Póvoas, senhor das terras do Braço do Norte, irmão do engenheiro Agenor Póvoas, assassinado por João do Carmo, o tio de Maria do Carmo. Ela queria penetrar no coração do território do inimigo, para ver como ele era por dentro. Fechou-se a teia tramada pelo destino. Maria do Carmo engravidou de Agenor Portella Póvoas, filho do Dr. Otávio, que lhe dera esse nome em homenagem a seu irmão, o engenheiro assassinado. Quando se descobriu grávida, Maria do Carmo deixou a fazenda e voltou para o Pontal. Apesar de todos, de ambas as famílias, serem contrários à união dos dois, Agenor assumiu publicamente a união com Maria do Carmo, numa confissão de amor. Eles tiveram dois filhos: Reinaldo, que se encontra nesta assembléia e eu. Nós dois somos “do Carmo Póvoas”. Ah, tempo que nada poupa e a tudo transforma!

            Criei-me ouvindo essa narrativa, repetidas vezes, até me dar conta de que, em mim, se misturavam o sangue e a cultura de arqui-inimigos do passado. Em mim, o silêncio que permitiu construir a aceitação, querendo dissolver o carma do ódio, do furor da perseguição, do desejo de vingança e do tormento do fracasso: Carmo e Póvoas misturando-se na palavra que partiu do trono real das matas do Camacan, esconderijo dos Carmo, e das terras do Braço do Norte, império dos Póvoas. De um lado, a dor de ver tomadas as terras da esperança; do outro, a dor de ver o sangue derramado. Esta Academia acolhe e esta Assembléia ouve a palavra de um Carmo Póvoas, ecoando por esta sala, numa demonstração de que esta nossa terra não é mais terra condenada. Aceitação. Eis a palavra que possibilita uma ponte sobre o abismo da mágoa, do ressentimento, da raiva, do ódio, da rejeição. O que eu denomino de aceitação, aqui? Um profundo respeito ao modo de ser do outro. O reconhecimento de que o fato, depois de acontecido, é igual à pedra, depois de atirada; à seta, depois de disparada e à palavra, depois de proferida. A negação do fato acontecido é negação da própria verdade e não reconhece o outro quem não reconhece a si próprio. 

            Ao sentar-me na Cadeira 18 desta Academia, sentam-se, comigo, João do Carmo e Agenor Póvoas: o meu tio assassino e o meu tio assassinado. Também se sentam Maria Mercês do Carmo e Agenor Portella Póvoas: a negra amada e o amado branco. Também se sentam Mãe Inês Mejigã e Dr. Otávio Portella Póvoas: a escrava negra e o senhor branco; a sacerdotisa de Oxum e o “coronel” do cacau. Essas coisas são minhas, fazem parte de mim, porque são as raízes fincadas no chão de minha terra, de meu povo, de minha gente. São coisas da civilização grapiúna, memória para esta Academia. E como afirma o Eclesiastes (31-2), “Tudo tem seu tempo, o momento oportuno para todo propósito debaixo do sol.”

            Na cadeira 18, que Joaquim Lopes Filho fundou e na qual Antônio Francisco Leal Lavigne de Lemos se sentou, eu me sento agora, no compromisso com a verdade, trazendo comigo o branco professor, poeta e prosador, e o negro babalorixá. Um, na Academia e o outro, no Terreiro. Ambos, no entanto, estão unidos no escritor, que se quer poeta e prosador, no qual busco me construir. Quero que a minha palavra, em ambos os lugares, seja a palavra de respeito mútuo, misericórdia e justiça natural, fatores imprescindíveis para a paz, sem a qual jamais se estabelecerá o reino do céu na terra.  

            Outros vieram antes de mim, também na crença de romper os grilhões da condenação, fazendo-se instrumento através do qual a palavra possibilitou a construção de uma terra grapiúna mais justa, mais sensata. Por isso mesmo, aprendamos com eles a estarmos também voltados para o sentimento, para a emoção, para a intuição, para a sensibilidade, para as coisas do espírito. De quem lhes falo? De três homens tão diferentes daqueles que se engalfinharam na luta pela posse da terra nas matas do Camacan: Fernando Caldas, Joaquim Lopes Filho e Antônio Francisco Leal Lavigne de Lemos. Na cadeira 18, que esta Assembléia, num ato de escuta da palavra, faz sentar-me nela, esses três homens pronunciam a palavra: Fernando, o patrono; Joaquim, o fundador e Antônio meu antecessor. Acompanhemos a palavra de cada um deles.

            Fernando Caldas, autor de Opalandas, que se foi ainda muito novo, disse de si mesmo, nos versos iniciais do soneto A espada[5]:

 

Que vou fazer de ti, famosa espada minha,

em minha inábil mão de artista e sonhador?

 

            Confissão, reconhecimento, auto-retrato. Artista e sonhador: a palavra brota, assim, em seus versos, evitando o trabalho da busca de definições para os que o sucedessem. Dele, disse também Carlos Chiacchio[6]: “Poeta magnífico e espírito superior, que a profissão de advogado confinou em Ilhéus, [Fernando Caldas] surpreendeu pelo brilho das produções assinadas.” É, pois, a Cadeira 18 desta Academia de Letras de Ilhéus patrocinada por um artista e sonhador. E somente os que sonham podem atinar na virtualidade de um futuro que precisa ser feito no presente. E sob o patrocínio do artista e sonhador, foi fundada a Cadeira 18 por Joaquim Lopes Filho.

            Joaquim Lopes Filho era descendente de tradicional família ilheense, filho do farmacêutico Joaquim Lopes. Seguindo a carreira do pai, o filho foi farmacêutico também. O pai era conhecido por Quim e o filho, por Quim-quim. Com a morte do pai, Joaquim Filho assumiu os negócios da farmácia, vendendo-a posteriormente, para tornar-se o farmacêutico de várias farmácias da região. Vivia disso e de alguma coisa que o pai lhe deixara. Depois, abandonou a profissão de farmacêutico, para tornar-se jornalista. Foi redator do jornal O Grito e, em seguida, do Ilhéus Jornal, ao lado de Laudelino Menezes. Sua produção escrita, constituída de crônicas e poemas, está dispersa e dormente nos jornais ilheenses de sua época. Senhor de uma alegria contagiante, nos dizeres do Ilustre Acadêmico, Edgar Pereira Souza, “Joaquim Lopes Filho era um filósofo e, além de escrever muito bem, era orador primorosíssimo, pois tinha o dom da palavra.” Tal predicado o levou ao posto de orador oficial da Sociedade José de Anchieta, dirigida pelo saudoso Sá Pereira. Freqüentador assíduo das reuniões daquela sociedade, o auditório esperava com ânsia a vez de ouvir a palavra de Joaquim. Era ele quem saudava os visitantes ilustres. Seus discursos orais não foram preservados, mas sua palavra ainda ecoa na memória de Ilhéus, como exemplo de cordialidade, do sentimento exposto na alegria do encontro com o outro.

            E o que dizer de Antônio Francisco Leal Lavigne de Lemos? Conhecido de muitos por Ton Lavigne, ele era filho de Francisco Lavigne de Lemos e Dona Cora Leal Lavigne de Lemos. Nascido em Salvador, em 17 de outubro de 1942, aportou em Ilhéus com três dias de nascido e aqui permaneceu para sempre. Foi criado pelo avô, até os sete anos de idade, no ambiente rural da fazenda. Apenas por um breve tempo, residiu em Salvador, onde fez o curso primário no Colégio Maristas, retornando a Ilhéus, logo a seguir. Aqui, começou a fazer o curso científico, mas preferiu mudar para o curso clássico, pois não era afeito à Matemática. Em março de 1964, foi apanhado de surpresa pelo regime revolucionário, iniciando um tempo de calvário para seu espírito amante da liberdade. E ele mesmo dizia: “Vivo num mundo que não é o meu.” Decidiu tornar-se um guerrilheiro, pois era afeito às causas socialistas. Tal sonho, porém, foi interrompido pela morte de seu pai e ele teve de se comprometer com os destinos de sua família. Perdemos um guerrilheiro e ganhamos o poeta. Tornou-se Oficial de Registro de Imóveis, por concurso, cuja atividade exerceu até o final de sua vida. Em 1970, formou-se pela antiga Faculdade de Direito de Ilhéus, mas não exerceu a profissão. Casou-se com a Sra. Suely Silva Lavigne de Lemos, com quem teve três filhos: Leonor, Antônio e Geraldo, todos comprometidos com os estudos de Direito.

            De sua esposa, filhos e amigos mais próximos, inúmeros testemunhos dos traços básicos de sua personalidade, atividades, modo de ser, preferências, escritos, textos. Tinha orgulho ao anunciar-se como “um grapiúna”. Preferia não estar em evidência, gostava do recolhimento. Cultivava a leitura como um hábito e, por isso, deixou excelente biblioteca. Desde os 19 anos, escrevia poemas e, ao partir, deixou material para três livros. Estava sempre disponível aos que dele precisassem. Era fonte de informação do viver e do fazer grapiúnas.  Por isso mesmo, era muito solicitado para entrevistas. Amante da natureza, sempre a tomou como motivo maior para sua inspiração. Seus perfis femininos, traçados na sua produção poética, carregam os atributos e predicados do mar, da terra, do céu, da floresta.

            Compromissado com o seu tempo e com Ilhéus, viajava de carro para verificar como andavam as coisas e o que seria necessário providenciar. E aquilo que fosse verificado era anunciado através dos jornais, clamando soluções do poder público. Alguns políticos da cidade o taxavam de “comunista”, como se isso fosse um defeito, uma deformidade. Na verdade, o que Antônio Francisco Leal Lavigne de Lemos exercia era “o olhar crítico do observador do egoísmo e da capacidade destrutiva do homem”. Aí residia o incômodo dos que vestiam a carapuça. 

            Era um homem de fé, mas não frequentava igreja alguma. E quando o fazia, era apenas por obrigação social. Entre os seus manuscritos, porém, eu encontrei uma estampa de São Judas Tadeu. Acreditava nas coisas do espírito e pouca importância dava ao material. A luz era alvo do seu cantar. São seus os versos abaixo, recolhidos do poema Momentos, de 1967:

 

[...] me caibo

na luz viva de minha estrela,

maior que a eternidade inteira,

neste momento uno

em que a luz me vaza.

 

 

            É isso: ele se permitia ser vazado pela luz. Não sei de qualidade maior que essa. Deixar-se ser vazado pela luz exige mestria, crença, conhecimento de si mesmo. Ninguém passa por um momento em que a luz lhe vaza, sem cair no profundo transe de criatividade, de saber-se pertencente a um mundo para longe, muito longe das coisas materiais.

            Sua alegria se transbordava, quando algum fato cultural digno de nota acontecia na comunidade, a exemplo de quando foi publicado o primeiro número do Jornal da Manhã.

 

meus irmãos acordem

acordem meus irmãos

bom dia bom dia

nasceu o Jornal da Manhã.

 

            Durante o mandato do prefeito Edmmond Darwich, Ton Lavigne exerceu o cargo de Secretário de Educação. Tal atividade durou apenas três meses, pois inconformado com as diretrizes políticas do governo municipal, pediu demissão do cargo.

            No dia cinco de abril de 2004, Ton Lavigne se foi. Deixou conosco sua palavra, sempre voltada para a liberdade. Ele mesmo repetia sempre: “A liberdade é o maior bem do homem”.

            Aqui não exponho um estudo da temática e do estilo da produção literária de Antônio Francisco, por motivos de limitação: primeiro, dado o ineditismo de sua produção e depois, é preciso um limite no tempo e no espaço de quem fala para não tornar-se um fardo pesado aos ouvidos de quem ouve. Sua obra está à espera de publicação, e sua família se movimenta para isso. De público, declaro estar disponível à família de Ton Lavigne, no que for viável, para trabalharmos juntos, a fim de que os seus preciosos originais se transformem em livros.

            Na trama que o destino tece, longe estava eu de imaginar um dia suceder Ton Lavigne numa cadeira de academia. Fomos colegas de colégio no velho Instituto Municipal de Educação e estávamos juntos nas lutas estudantis. Também estávamos juntos no protesto dos estudantes, à porta do Cine Santa Clara, contra o aumento dos ingressos.

            Para além de sua produção em prosa e em verso, também fica na memória de Ilhéus a sua participação na luta por conseguir solução para os vários problemas da comunidade mais ampla. A palavra saltava de seu sonho de homem compromissado com o seu povo e se tornava explícita nos jornais de sua época.

            A esse propósito, permitam contar-lhes um itan, uma história nagô:

 

Contam os mais-velhos que havia uma aldeia muito populosa, onde viviam os Ibêji, gêmeos tutelares da fartura e da abundância. Eles eram dados aos sonhos. E sempre que acontecia algum mal aos habitantes, os gêmeos tinham um mesmo sonho. Ao acordarem, eles conversam entre si e terminavam atinando na solução do problema e contavam isso aos pais. Por isso mesmo, seus pais também eram famosos.

Chegou um tempo, porém, de uma seca sem igual. As fontes, os lagos e os rios secaram. A vegetação estava no fim e os animais estavam se acabando. Os homens do lugar cavavam o chão desesperadamente, na esperança de encontrar um minadouro. Tudo era em vão. E os Ibêji começaram a ter um sonho que não fazia sentido. No sonho repetido, uma voz dizia: “Escutem a palavra!” Nem mesmo seus pais podiam atinar no significado do sonho. O aviso não fazia sentido com o que a aldeia estava passando.

Os pais, preocupados e sem mais saber o que fazer, todas as manhãs diziam aos Ibêji: “Vão brincar no lajedo!” Era uma rocha enorme, muito alta que proporcionava excelente sombra. Mas os meninos nunca queriam ir para o lajedo, pois precisavam andar sob sol forte, para chegar até lá. Certa manhã, os Ibêjiresolveram brincar no lajedo. Ao pé da grande rocha, no lado da sombra, uma velha senhora estava sentada descansando. Os Ibêji nunca tinham visto aquela anciã na aldeia. Mesmo assim, cumpriram com a obrigação de tratar os mais velhos com respeito e pediram-lhe a bênção.

A velha gostou dos Ibêji e ficou conversando com eles. Nisso, um deles se lembrou de pedir à velha uma explicação para o sonho que ele e seu irmão tinham constantemente, desde que a seca começou. A velha ouviu tudo com atenção. Depois, pensou, pensou e disse:

– Pois é... Obedeçam ao sonho. Escutem a palavra...

– E qual é a palavra, vovó? – Eles quiseram saber.

– Ora, disse a velha, que palavra vocês têm escutado todos os dias, desde que a seca começou?

– Vão brincar no lajedo! – Os dois responderam de vez.

– Pois é isso mesmo. Vão brincar no lajedo. Brinquem, cavando o chão. Cavem o chão, brincando...

Dito isso, a vovó se levantou, tomou seu cajado e se pôs a caminhar, até sumir na curva do caminho. E os Ibêji se puseram a brincar de cavar fonte ao pé do lajedo. Cavavam com as mãos, com lascas de pedra, pedaços de pau. De repente, eles perceberam que a areia estava vindo meio molhada. Cavaram muito mais. E um fiozinho de água começou a brotar do chão. Um deles continuou brincando de cavar e o outro foi correndo até a aldeia anunciar a boa nova. Uma multidão veio ver a brincadeira dos meninos. Os homens se revezavam com ferramentas apropriadas, para aprofundar o buraco. Assim, uma fonte foi feita e a aldeia se sustentou até a chegada das chuvas.

Pois é: a palavra traz a bênção que anula a destruição.

 

            Fernando, Joaquim e Antônio se foram. Como afirma Liz Greene[7], em seu livro Astrologia do destino, “Morte e paixão deixam mudanças irrevogáveis atrás de si, seja num nível físico ou psíquico, e o que findou não pode ser reposto de novo.” Dito assim, até parece estarmos condenados eternamente à solidão, à sozinhez, ao vazio. Vale lembrar, no entanto: por causa da palavra, estamos aqui, neste plenário, em assembléia, a revisitar os que nos antecederam. E o que eles fizeram e disseram tornou-se cabedal do qual somos seus herdeiros. Eles acreditaram na palavra que desce do céu da intuição de quem vive para além dos limites do seu tempo e se lança, para dissolver a condenação. Justamente agiram assim Fernando, Joaquim e Antônio.

            Por causa daqueles que acreditaram na força da palavra, a terra e a mata do Camacan deixaram de ser cenário de derramamento de sangue, o jagunço foi arquivado, o juiz não mais lê sentenças ao contrário e a terra grapiúna deixou de ser terra condenada. E por isso mesmo, restaurada a memória, aqui e agora, esta assembléia e esta Academia fazem acreditar que os contrários e os diferentes podem viver em paz, pois uma terra, muito mais rica, está aí, à disposição de todos, na quantidade em que cada um quiser: a palavra. O gesto criador, no entanto, ficaria eternamente paralisado, se não fosse a palavra que pode saltar do céu da intuição, deixando o trono real e fazer-se vida para nós. Porque somos imagem e semelhança do divino, a nós nos foi dado o poder da palavra que cria. E porque cremos neste poder, operamos a transformação. Primeiro, de nós mesmos. Depois, de nossa aldeia. Assim foi com os Ibêji, porque ouviram os mais-velhos. Assim foi, quando a palavra saltou do trono real das matas do Camacan e das terras do Braço do Norte. Assim fizeram Agenor Portella Póvoas e Maria Mercês do Carmo. Assim fez Tom Lavigne, quando renunciou ao sonho de guerrilheiro e assumiu-se poeta. Assim é também, quando nós, os escritores e poetas, nos damos aos desvarios da prosa e do verso. E isso nos possibilita a resistência, mesmo neste nosso tempo, em que as frases são reviradas pelo avesso, por aqueles que vivem à cata da palavra politicamente incorreta para denunciá-la, essa prática de censura de agora.

            Ao correr os olhos por esta sala, percebo, noto e sinto a presença de muitos que, ideologicamente estão em margens opostas. Também percebo, noto e sinto que é possível construirmos espaços do encontro, nos quais, antes de tudo, expressamos o que de mais legitimamente humano temos em nós. Eis a glória desta noite. Eis a glória desta Academia de Letras de Ilhéus: as diferenças abismais não contam neste momento de encontro.

            Então, pela palavra, receba Antônio Francisco Leal Lavigne de Lemos o nosso eterno reconhecimento e o penhor de nossa gratidão. Pela palavra, seja o nosso passado reverenciado. Pela palavra, seja nossa memória eternizada. Pela palavra, seja nosso presente de um viver alegre. Pela palavra seja garantido o futuro de nossos descendentes. Pela palavra, muito obrigado à Academia de Letras de Ilhéus e a esta assembléia. Pela palavra, Deus seja louvado.

 

Ruy Póvoas

Ilhéus, 12/05/2006



[1] Discurso de posse pronunciado na Academia de Letras de Ilhéus, em 12 de maio de 2006.

[2] Mestre em Letras Vernáculas pela UFRJ, Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Baianos Regionais KÀWÉ, da Universidade Estadual de Santa Cruz, Babalorixá do Ilê Axé Ijexá.

[3] PRONZATO, Alexandre. Evangelhos que incomodam. 5. ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1976. p. 19.

[4] COSTA, José Pereira da. Terra, suor e sangue: lembrança do passado, história da Região Cacaueira.  (Edição póstuma)Salvador, Bahia: EGBA, 1995.

[5] CALDAS, Fernando. Poesias: edição póstuma. Salvador, Bahia: Duas Américas, 1926. p. 269.

[6] Idem, p. VII.

[7] GREENE, Liz. Astrologia do destino. Trad. C. Youssef. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1985. p. 43

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