sexta-feira, 29 de outubro de 2021

EFSON LIMA FOI ELEITO MEMBRO DA CADEIRA 40 E TOMARÁ POSSE EM 2022


Foi eleito na noite de ontem, 28 de outubro, para a cadeira de nº 40, o escritor Efson Batista Lima. O doutor em direito, pela UFBA, mestre e especialista em República, democracia e direitos sociais Efson Lima é um dos fundadores do FLISBA – Festival Literário do Sul da Bahia. Para o confrade Aleilton Fonseca, Efson Lima é “um intelectual maduro, produtivo e compromissado com nossa literatura, bastante conhecido por sua intensa participação em ações culturais, na promoção de eventos, na pesquisa de autores e obras”. Para o presidente Pawlo Cidade, Efson Lima é um agente cultural comprometido que irá contribuir em grande valia com os projetos da ALI. "Ele é o tipo de confrade que estamos procurando, sensível às causas literárias e extremamente produtivo em tudo que faz".

Na área da produção literária, publicou o livro de poesia Textos particulares (2019) e coorganizou seis livros, no âmbito do Projeto Conviver, além do livro Bardos Baianos – Litoral Sul, que reúne 50 poetas do Sul da Bahia, projeto desenvolvido pela Cogito Editora (2021). Atua como articulista no jornal A Tarde, no Diário de Ilhéus e no Blog do Thame, no Sul da Bahia. Tem participado de diversas feiras literárias, duas delas na condição de convidado.

 

Atualmente atua como servidor público na Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte da Bahia/ Centro Público - SETRE/CESOL e como professor e pesquisador orienta alunos de graduação e pós-graduação, estabelecendo sempre uma ligação entre a expressão do Direito e a literatura. 

 

Efson Lima irá ocupar a cadeira de nº 40 que tem como Patrono Xavier Marques, como fundador, Osvaldo Ramos, e foi ocupada até fevereiro do presente ano pelo saudoso confrade Gumercindo Rocha Dórea. Sua posse será agendada para o primeiro semestre de 2022.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

CRÔNICA

                                                     


MAR DE ILHÉUS 

Cyro de Mattos

 

 

Nesse dia de verão esplêndido estou diante do mar.  Com inúmeros espelhos vidrilhando nas águas, esse é o mar de cidade que tem sua face atlântica banhada por praias lindíssimas. Acho que deuses empurraram líquidas vastidões por querer verde essa cidade no seio da enseada. Sentado nessa praia, sinto o lúcido contato de um jogo natural que me deixa em harmonia com esse tempo de veraneio. Bate, volta, bate. Nesse instante, ganho a plena certeza de que a consciência me limita com mergulhos cegos e loucos. O mar, sempre o mar, antes de mim ou de qualquer outro. O mar ou vários mares. Por toda a extensão dos sentimentos, sinto que eu me prossigo através de ondas ocultas, escafandrista sou dos meus sublunares rumos do irreal. 

O mar ruge com suas jubas brancas. As mesmas alvijubas acenando ao menino que voava com os ventos nos outeiros. Pelas milhas do azul assovio de saveiros. Molham meus pés agora mínimos amantes que em mil anáguas rumorejam. No céu passam nuvens como grandes rochas brancas, grandes conchas, grandes cogumelos. Há rochas no mar polidas em suas escamas milenares, ancoradouro de sonho indescritível. Pressinto, onde o sol se ergue, dois momentos curvos num só grande beijo. Pelos vastos mares, outros lábios andejam. 

Noites passam, vigília líquida de um tempo sem fronteiras, multifacetada salsugem de peixe ao imenso. Se maré abraça lua acetilena, palmeira se banha em amena maresia, na praia de gaza brincam cirandas verdes sereias. Na pedra da barra, o farol é como o acenar dos afogados em desespero. É o rubi em lusco-fusco enterrado no umbigo do mistério. 

E vento e ostra e nuvem e areia e fúria. Enormemente cavernume, semovência de claro ignoto, vagas sem limite de um território líquido.  Glauco leopardo inventa recatos recônditos, tesouro de escamas multicores, o sol desfia ouro de aracnídeo. 

Em cima o azul me ilumina, embaixo o verde de várias tonalidades  invade-me. 

Bate, volta, bate. 

Ofertou-me prata pelas ondas, gaivotas nas manhãs de turmalina, cantigas de sereia no meu peito. Nos meus olhos dormem águas-marinhas, flutuam em verde brisa meus cabelos. Da Barra de Itaípe ao Pontal, todas as manhãs transparentes, o amor era dado com música ao pirata vestido de musgos e escamas. A pele de marés respondia pelo calendário solto na areia, no gesto afoito de calção e peito nu. Caju, manga, sapoti, fruta-pão, coco mole. E, à noite, verde o travesseiro. Ventos, outros ventos. Que me ensinam esses por mares desunidos? De açoite contínuo, entre rocha e nevoeiro, nada me ensinam. No entanto, como diz a canção, na força do amor navegar é preciso. 

Ao sabor desse dia de verão, que rasga o pulso azul por todos os cantos, há ondas dentro de mim, remos quebrados e secos corações em que saudade vária navega. Defender-me como posso dessa onda sonora que profunda rola cardumes feridos? Extenuado desse rito que empobrece e devora, sem a alegria de dar e receber o gosto do azul, de qual praia me abeiro? À geografia de naufrágios manhãs esperam o seu pirata. Escuto longínquo o apito de um rei na sua barca empilhada de penas. E prossigo. Assim, em cada porto que chego, estou no navio do meu corpo, onda por onda na correnteza dos homens. Sou âncora de mim mesmo, extraviado da ternura sigo no cruzeiro. 

Entre farpas desse sol que esplende o dia, eis que surgem de repente os jovens amantes. Eles estão de pé diante do mar, os corpos lisos, quase nus, os beijos acesos em luz marinha. Por toda a vibração da pele o sol aquece e brilha intenso. Na boca e nos seios sempre o veemente azul. Verdor pelas espumas pulsa agora o seu tremor de milhas. Ressoa na pergunta: por quantos séculos eles repetem o mesmo gesto? Escutam os amantes nesse instante, que perdura no infinito, o búzio na praia, soando mansinho e baixo. Eis que passam, passos pisando macios na areia, ao balanço das ondas que ardem por dentro, ao sabor do mar, que como uma fruta carnuda lhes adoça os dentes 

Vendo os amantes nessa canção que me faz um homem real, penso que quanto mais sei do mar, nas águas do enigma mais me apercebo sedento. Busco beber perto suas águas, mas nunca conseguindo. 

 

*Cyro de Mattos é autor de 80 livros, de diversos gêneros. Publicado também em Portugal, França, Itália, Espanha, Alemanha, Dinamarca, Rússia e Estados Unidos. Membro das Academias de Letras de Ilhéus, Itabuna e da Bahia.

 

 

 

 

 

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

SEDE DA ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS PASSA POR REFORMA

 
Troca do piso inferior, reforma do banheiro, troca total do telhado, revisão elétrica, instalação de câmaras de segurança fazem parte da reforma.

 A Academia de Letras de Ilhéus, fundada em 14 de março de 1959, somente veio a ter sua sede própria no ano de 2004, recebida em doação pelo Governo Municipal, durante a segunda gestão do Prefeito Jabes Ribeiro, um dos  membros efetivos daquele sodalício.

 De 1959 a 2004 seus membros se reuniram em suas próprias residências, depois no histórico prédio da Associação Comercial de Ilhéus, e por fim nas dependências da antiga Fundação Cultural de Ilhéus, atualmente instalado a Casa de Jorge Amado, onde o escritor morou na juventude  e onde escrevera o seu primeiro  livro "O País do Carnaval". 

Acolhendo a intelectualidade ilheense e regional desde a sua fundação, a Academia de Letras de Ilhéus é uma instituição sem fins lucrativos, que visa cultuar as Letras e as Artes, promovendo encontros literários, saraus, lançamentos de livros, concursos e programações de cunhos literários e artísticos em geral. 

Situada na Rua Antônio Lavigne de Lemos, rua calçada por belíssimos paralepipedos portugueses, a casa que abriga a sede da ALI é uma construção dos tempos áureos da economia cacaueira regional. Sua atual reforma implicou na reconstrução do telhado, recolocação de pisos, dentre outras providências. 

Segundo o escritor Pawlo Cidade, atual Presidente da Academia, a reforma está sendo possível graças à sensibilidade dos seus integrantes que auxiliam com valores monetários, bem como recursos provindos do poder público municipal, nesta atual gestão do Prefeito Mário Alexandre, estão sendo de grande importância para a realização das obras.  

A reinauguração do espaço está prevista para 19 de novembro, quando acontecerão as entregas das comendas Ruy Barbosa, insígnia cujo objetivo é destacar pessoas e instituições que se destacam nas ciências, artes e culturas, em nossa sociedade. A escolha dos laureados se dará através de consulta e votação realizada entre os membros da confraria. 

A ARTISTA PLÁSTICA JANE HILDA BADARÓ EXPÕE NO MUSEU DA CAPITANIA ATÉ 29 DE OUTUBRO PRÓXIMO


Iniciada em 21 de setembro de 2021, a Exposição da Primavera “Jardim das Flores”, da artista plástica Jane Hilda Badaró estará em cartaz no Museu da Capitania de Ilhéus até a próxima sexta-feira, dia 29 de outubro. Estão expostos 15 trabalhos, em acrílica sobre tela, com temas florais e também de cacau, visto que a temática regionalista é uma constante em sua obra, além de outros. Portanto, ainda há oportunidade de visitá-la, de segunda a sexta, das 9 às 17 horas. A entrada no Museu é gratuíta. A programação conta com o apoio do CEPOI- Centro de Estudo e Pesquisa de Olivença e Ilhéus, da Prefeitura Municipal e patrocínio do Berimbau Gourmet Café, Lanchonete e Restaurante. 

Com esta mostra Jane Hilda comemora 10 anos de atividade artística. Sua primeira exposição - individual – ocorreu na Galeria do Teatro Municipal de Ilhéus em setembro de 2011, ano que descobriu seu o dom para as artes plásticas, aos 49 anos de idade. Seu currículo revela múltiplas atividades : é advogada, professora concursada da UESC lotada no Departamento de Ciências Jurídicas, Mestre em Direito pela UFPE, teve longo período de atuação na Imprensa local através da Ilhéus Revista onde foi uma das diretoras, e também foi colunista em jornais e revistas de Ilhéus. É poeta com livro publicado, e na juventude integrou o Grupo de Teatro Pedro Mattos. É membro efetivo da Academia de Letras de Ilhéus desde 22 de setembro de 2017, ocupa a cadeira n. 6, e é Secretária Geral do sodalício desde outubro daquele mesmo ano. 


No seu currículo artístico constam exposições individuais diversas: na Galeria do Teatro Municipal de Ilhéus, no Museu da Piedade, Espaço Cultural Bataclan, Centro de Convenções de Ilhéus durante Festival Internacional do Cacau e Chocolate, e no Festival Amar amado – comemorativo dos 100 anos de nascimento do escritor Jorge Amado. Participou também do Festival Aleluia Ilhéus, com um stand, na Avenida Soares Lopes. Extramurus, participou de exposições coletivas no Forte de Copacabana no Rio de Janeiro, no Joquei Club e na Casa de Portugal em São Paulo, no Carrousel do Louvre, durante Salão Internacional de Arte Contemporânea em Paris. Também teve telas expostas em Portugal, China, Alemanha, dentre outros. Possui Ateliê na Avenida Soares Lopes, n. 1052, em Ilhéus, e atende os visitantes através de agendamento prévio pelo Wathzap 073991855453. 


Conforme Rogério Matos, Diretor do Museu da Capitania de Ilhéus, “o espaço vem acolhendo artistas plásticos ilheenses, à exemplo de Manu Pessoa, Rafael Pita, Gildásio Rodrigues, que já fizeram exposições no Museu. Também realiza exposições fotográficas, como a de Carlos Mascarenhas que ainda está sendo apresentada, e a de José Nazal que em breve será inaugurada. A exposição de Jane Hilda se encerra na próxima sexta feira, e é uma honra tê-la aqui. Trata-se de uma programação imperdível. Nossa agenda se estenderá na alta temporada, entrando por 2022 com excelentes eventos. O Museu da Capitania de Ilhéus funciona no Palácio Paranaguá, um prédio histórico de grande beleza, situado no centro da cidade, onde já funcionou, e ainda funciona alguns setores da Prefeitura Municipal. Além das visitas às exposições temporárias, vale também conferir o acervo permanente do Museu, com rico material da Capitania, da cidade, e da cultura cacaueira da Bahia”. 

domingo, 17 de outubro de 2021

HOJE TEM MAIS UM LANÇAMENTO PELA ALI



O confrade Sebastião Maciel Costa, autor de "Autorregulação da aprendizagem e autonomia do educando", membro da cadeira nº 02, lança hoje o livro "Os nós na construção do indivíduo", publicado pela editora A5, de Itabuna, Bahia. A obra é fruto de uma vivência com pais de alunos dos mais variados níveis sociais, intelectuais e econômicos, de onde foram extraídos vários recortes de experiências de quem reconhece que falhou em poucos momentos, mas não foi capaz de reverter a falha, transformando-a em um problema irreversível. Na opinião do autor "é na infância que se aprende a dar nós, fazendo de uma corda, uma escada. Se soubermos lidar com esses nós, saberemos desfazê-los".

O lançamento será transmitido pela página do Instagram da Academia de Letras de Ilhéus, às 16h, e será apresentado pelo escritor Pawlo Cidade, presidente da ALI.

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

ÚLTIMO TERTÚLIA DO ANO VAI ABORDAR ORALIDADE



VAMOS ORALIZAR? Grande parte dos conhecimentos da humanidade foram transmitidos oralmente, se tornando o principal meio de comunicação. 

Na oitava e última tertúlia do ano da Academia de Letras de Ilhéus, uma conversa aberta sobre a transmissão oral dos conhecimentos armazenados na memória humana, com Ramayana Vargens, Ruy Póvoas e a participação especial de Amanayara Tupinambá, com mediação de Pawlo Cidade. Você é nosso convidado.

SAIBA MAIS SOBRE ORALIDADE CLIQUE AQUI

terça-feira, 12 de outubro de 2021

SELEÇÃO DE CONTOS DO PROJETO DE INCLUSÃO LITERÁRIA ABXZ CAMINHO DAS PEDRAS: FOMENTO À LEITURA E À CRIAÇÃO LITERÁRIA VAI ATÉ DIA 15 DE OUTUBRO


 

A Editora Via Litterarum e a Academia de Letras de Ilhéus continuam até o próximo dia 15 de outubro as inscrições para o Projeto de inclusão literária abxz Caminho das Pedras: Fomento à Leitura e à Criação Literária, direcionado a novos autores, mas não exclusivamente, da região centrada em Ilhéus, especificamente os municípios que conformam a bacia hidrográfica do Rio Almada, a saber Ilhéus, Uruçuca, Itajuípe, Coaraci, Almadina e Barro Preto. A seleção contemplará o gênero literário conto.

 

Cada autor poderá encaminhar um conto com no máximo, 8.000 caracteres e no mínimo 1500 caracteres, incluindo os espaços. A obra deve ser escrita em Word, fonte Times New Roman, tamanho 12, estilo normal, na cor preta, parágrafo de alinhamento justificado, espaçamento 1,5 entre as linhas. A obra deverá conter apenas texto, sem ilustrações, gráficos ou quaisquer tipos de imagens, rodapés ou numeração de páginas. Inscrições fora desses parâmetros serão desclassificadas. O trabalho deve ser, obrigatoriamente, inédito e escrito em Língua Portuguesa. O(A) candidato(a) não poderá ter menos de 14 anos. 

 

Serão selecionados 30 (trinta) contos. O produto final será a publicação de uma coletânea reunindo os contos selecionados, que serão editados com selo editorial abxz pela Editora Via Litterarum. A publicação não será comercializada. Cada autor receberá cota de 5 (cinco) exemplares a título de Direito Autoral, podendo adquirir, todavia, exemplares adicionais por preço definido entre as entidades promotoras.

 

As inscrições podem ser feitas pelos sites da Editora Via Litterarum e da Academia de Letras de Ilhéus.

sábado, 9 de outubro de 2021

ARTIGO

 


ELVIRA SCHAUN FOEPPEL

(1923-1998)


O Legado de Elvira Foeppel

 Cyro de Mattos 

 

Como Maura Lopes Cançado, autora de  O hospício é Deus (1965), diário, e O sofredor do ver (1968), contos, Elvira Foeppel deixou um legado literário pequeno, mas expressivo. Com Chão e poesia, pequeno volume com registros circunstanciais e anotações existenciais, fez a sua estreia em 1956, quando usa o diário como forma para exprimir a sua visão pessoal sobre o mundo. Nesses textos breves, já demonstra ser uma escritora preocupada com o indivíduo na condição do existir. Comparece ao chão de memórias curtas com pontos de vista pessoais, fazendo delas articulações agudas que ocupam espaços no sentido incomum de ambiguidades e ferimentos, entre a introversão e a denúncia de si mesma feita por um espírito inquieto, participante de uma força nova em nossa literatura. 

Com Círculo do medo, contos, 1960, essa escritora baiana nascida em  Ilhéus é saudada pela crítica como autora de textos inovadores no corpo da prosa de ficção breve desenvolvida entre nós. Elvira Foeppel introduz no conto elementos de vanguarda na estrutura e linguagem. O episódio, a trama, o ambiente, elementos presentes  numa prosa ficcional que se delineia objetiva, dependente de uma geografia humana exterior, em níveis horizontais no discurso, são abandonados para a construção de uma narrativa comprometida com a linguagem motivadora de mergulhos no fluxo da vida,  da atmosfera e do relevo dos personagens , que se aglutinam em torno de profunda percepção existencial, em cujo conteúdo o indivíduo emerge através dos conflitos universais, perpassados de angústia, náusea, solidão, amor, ódio e medo. 

Em Chão e poesia, a maneira de registrar a vida relaciona-se no campo expressivo próprio do eu inquietante, que comporta nos interiores pensamentos, divagações e pequenas percepções do mundo. Circulo do medo é o mundo ficcionalizado que se converte naquele  espaço interior em que entram sentimentos atordoantes, sugestões que assaltam à mente carregadas de estranha beleza, além de exibir uma linguagem como instrumento de mergulho existencial destinado à criação de uma atmosfera,  que quase sempre sufoca em sua morbidez. Observa-se que esse pequeno volume de contos é um repositório de peças de ficção sem didatismo do narrador onisciente, devaneios inúteis, informações do cotidiano ou lembranças sequenciadas no tempo sem verticalidades.  O que sobressai é o compromisso da autora em encarar a criação literária sem submissão à razão lógica. Inexiste assim o caso narrado através dos momentos de princípio, meio e fim, o tema que se impõe como resultado da recriação do real assentado na memória, no telurismo social ou nostálgico, no documento que revela a condição humana ligada ao urbano com os seus dramas diários adstritos à realidade circundante. 

Os desajustes, abandonos, desencontros e momentos críticos das criaturas inventadas por Elvira Foeppel situam-se no plano da poetização de um clima, armado por quem sabe revestir a vida em torno de uma aura estética ligada à própria existência humana. O estar no mundo desses personagens com sentimentos em conflito valoriza-se no que tem de mais profundo pela sensibilidade da ficcionista e em sua pesquisa da forma discursiva. Esta não se faz no que pretende sugerir com qualquer concessão ao leitor mediano. Podem ser destacados em Circulo do medo os contos “O fio metálico do ódio”, “O aleijado” e “Afinal lá estava ela” como exemplos de mais autêntico mergulho nos interiores obscuros da criatura humana. 

Muro frio, romance publicado em 1962, tem lugar assegurado em nossa novelística de renovação esteticista, numa época em que a literatura brasileira converge para procedimentos de vanguarda. Quando então romancistas, contistas e poetas procuram executar a arte literária no plano da linguagem e no significado incomum  da forma  pesquisada, assim como na ficcionalização da vida apurada pelos fios da sensibilidade, sugestões e pontuação psicológica, elementos que apresentam com a sua fisionomia bastante impregnada  de sentimentos obscuros  do mundo. É uma nova literatura que obriga o leitor a pensar a narrativa como um todo, destituída na sua  construção do dizer fácil, fluente e permeado de lugares comuns. Nesse particular, Elvira Foeppel insere-se em nosso contexto literário como transgressora de estrutura, numa hora em que a nossa ficção ainda não era plena de procedimentos proustianos, mansfieldianos, joycianos e faulknerianos. Justamente quando o nosso corpo literário passa a ser inovado e acrescido de qualidade estética por romancistas da grandeza de João Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Adonias Filho e do contista Samuel Rawet.

Muro frio é um romance articulado com poesia, música e memória, centrado  em uma mulher que retorna à sua cidade para alcançar e ferir,  na  sua maneira de ser,  pessoas na rua. Exprime pensamentos que atritam com a existência, sinaliza a dor do nada, constata juízos e preconceitos que fazem emergir uma angústia consciente, na qual a vida não se justifica nem é motivada. Romance que, em sua narrativa subjetiva, formada de breves capítulos, estende na memória um passado que tritura a infância, sentimentos espontâneos e desejos verdadeiros. Apresenta momentos do presente que apertam o olhar agudo de Marta no que amplamente vê, nos rumores de tudo que não chega a compreender e que a desnuda através da agonia e insolência, conduzindo-a dessa forma por paisagens de subsolo que perturba, espaços ocultos e tortuosos, feitos de vertigem, verdades oblíquas e ferocidades perigosas. 

Romance que fantasia a natureza humana com dolorosos silêncios que oprimem, desvenda Marta, morta num sonho. Com o seu ritmo poético faz pulsar um corpo de mulher possuída de ruídos selvagens, enquadrada numa cidade velha e pequena, repetitiva e enfadonha. Lá, onde a vida qual muro frio levanta sinais e gritos que não alteram o ritmo do viver. O espetáculo nada generoso do tempo no relacionamento das pessoas nutre-se de uma atmosfera  com mentiras e excessos. 

O estilo sugestivo, que a autora usa para criar o clima tecido de sensações e percepções amargas, no qual se situa Marta, projeta um campo metafórico perturbador, que funciona no texto verbal, trabalhado em nível da forma, como momento singular da nossa emancipação literária no terreno da linguagem. E isso se dá   num corpo com mãos femininas que tão bem sabem inventar  a língua literária,  habilmente usá-la na estilização do drama e do cotidiano, como são exemplos disso Rachel de Queiroz, Clarice Lispector,  Helena Parente Cunha e Lígia Fagundes Telles. 

A arte literária de Elvira Foeppel chama a atenção também por ter a autora nascido no sul da Bahia e em nenhum momento eleger a civilização cacaueira com o seu modo singular de vida como tema do  universo ficcional, a exemplo do que ocorre com os escritores Jorge Amado, Adonias Filho e outros com um legado de expressão consistente.  Nem sequer funde o regional com o espiritual em busca de alcançar o universal, nem une poesia e humanismo social para retratar a vida geograficamente localizada, dependente da realidade exterior.  Sua literatura é de construção poemática,  por excelência, seu discurso  também conceitua, afirma sem hesitar  em seu  fundo existencial, faz com  o outro pense a vida em suas verticalidades, enigmas e abismos.  Passa longe de subjetivismos eleitos para insinuar geografias espirituais, solidões ou sensações frouxas de nosso ser-estar precário no mundo.

A obra de Elvira Foeppel vem sendo estudada recentemente por Vanilda Mazzoni, que, juntamente, com Alicia Duhá Lose, resgatou boa parte do legado disperso, publicado no período de vinte e dois anos, compreendido entre março de 1950 e 1972, em periódicos de divulgação e amenidades. Esse trabalho cuidadoso resultou no livro Da sombra à luz,seleção de contos, publicado em 2005, pela Editus, editora da Universidade Estadual de Santa Cruz. 

 Elvira Foeppel nasceu em Canavieiras, em 15 de agosto de 1923, mas com dois meses de idade a família transferiu-se para Ilhéus onde,  na cidade de belas praias, passou a infância, adolescência  e exerceu o magistério primário até transferir-se para o Rio de Janeiro. Foi colaboradora no Rio de Janeiro, com artigos e crônicas, das revistas “Leitura”, “Cadernos Brasileiros” e, com maior frequência, do “Suplemento Literário do Jornal do Brasil”, ao lado de José Edson Gomes, Judith Grossman, Reynaldo Jardim e Assis Brasil.  Seus contos participam  de antologias no Brasil. Deixou inédito  Íntimos da Morte, romance. Faleceu no Rio de Janeiro, em 28 de julho de 1998. 

 

Leituras Sugeridas 

FOEPPEL, Elvira. Chão e poesia, memórias curtas, Organização Simões Editora,  Rio de Janeiro, 1956. 

 ---------------------- Círculo do medo, contos, Editora Leitura, Rio de Janeiro, 1960.

  ----------------------Muro frio, romance, Editora Leitura, Rio de Janeiro, 1961.

------------------------ Da sombra à luz, contos, seleção de  Vanilda Salignac Mazzoni e Alícia Duhá Lose, Editus, editora da UESC, Ilhéus, Bahia,  2004.

MAZZONI, Vanilda. A violeta grapiúna, ensaio, Editus, Editora da UESC, Ilhéus, 2003.


*Foto extraída do Centro de Memória de Ilhéus. Quer saber mais sobre Elvira Shaun Foeppel, clique aqui.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

O GIGANTE E A BICICLETA, DE FERNANDO LEITE MENDES, SERÁ LANÇADO PELA ALI DIA 14




O livro O Gigante e a Bicicleta e Outras Belas Crônicas, de Fernando Leite Mendes, coletânea organizada por Cyro de Mattos e Ivo Korytowski para resgatar a memória e o valor do esquecido cronista ilheense será lançado pela Academia de Letras de Ilhéus, online, no dia 14 de outubro, às 19 horas. 

O lançamento remoto contará com a participação de Pawlo Cidade (mediador), Cyro de Mattos, Ivo Koritowski, Jane Hilda Badaró e Wilson Leite Mendes, o filho do cronista.

O livro traz capa da desenhista Jane Hilda Badaró e tem o selo editorial da Via Litterarum, do editor Agenor Gasparetto. Para o escritor e poeta Cyro de Mattos, Fernando Leite Mendes, que nos deixou aos 48 anos, nada deve aos cronistas melhores de sua época, década de 50 no Rio de Janeiro, como Carlinhos Oliveira, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Drummond, Carlos Heitor Cony, Stanislaw Ponte Preta, Fernando Sabino, Rachel de Queiroz e outros astros da crônica brasileira. 

A antologia O Gigante e a Bicicleta e Outras Belas Crônicas é acrescida de prefácio, depoimentos e pesquisa iconográfica realizada pelos organizadores. Cyro de Mattos é autor de vasta obra, de vários gêneros, membro das Academias de Letras da Bahia, de Ilhéus e de Itabuna, Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz, também editado no exterior, além de detentor de prêmios importantes. Publica quinzenalmente uma crônica na revista virtual da crônica RUBEM, de Curitiba. 

Ivo Korytowski é jornalista, tradutor e romancista premiado pela União Brasileira de Escritores (Rio). Reside em São Paulo. É o editor dos conceituados blogs Literatura & Rio de Janeiro & São Paulo e Sopa no Mel. Para selecionar as crônicas que compõem esse livro póstumo, seus organizadores fizeram ampla pesquisa na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

ARTIGO

 Andanças do príncipe em Ilhéus (2)

            Cyro de Mattos 

 

Afirma a competente pesquisadora Moema Augel, em sua introdução de Mato Virgem, que espelho e inspirador do príncipe Maximiliano foi, sem dúvida, o cientista Alexander von Humboldt, o versátil explorador. Com suas descrições, linguagem cuidada, viriam suas divulgações provocar impacto na imaginação do público europeu. Cheio de entusiasmo, o príncipe austríaco Maximiliano contagiou-se com a grandeza da natureza tropical. Como Humboldt empenhou-se em legar uma obra científico-literário, vinculando   conformações naturalísticas e objetivas descrições científicas, de cunho documental, às efusivas impressões pessoais face à luxuriante vegetação brasileira.  Apesar dos ingredientes românticos em Mato virgem, cheios de encantamento e surpresas diante da natureza bravia, inóspita e indomada, o autor não se mostra isento de sua concepção ideológica europeia, etnocêntrica, quando faz observações sobre outras gentes nesse Mundo Novo. 

Descreve as iguarias da alimentação na primeira refeição com peixes e farinha, bem temperados com os condimentos nativos. Menciona o estranho uso da “cachaça de Lisboa”, para ele nociva ao calor do corpo. Refere-se às improvisadas plantações de cacau e às precárias casas dos colonos, seus filhos pálidos, desprovidos das origens, falando um hesitante português. Mostra em suas observações que Ilhéus não aparentava qualquer prosperidade, ali existia apenas uma igreja e um sacerdote. Davam a entender à população que as duas coisas eram apenas sintomas de uma convenção social e não uma necessidade de devoção e fé. 

Com avaliação superficial e apressada, informa que os brancos  já haviam chegado àquelas bandas com suas práticas religiosas europeias  enquanto os negros  acreditavam que os seus senhores representavam  o bem e o mal. Ébrio diante da majestosa natureza, chega ao ponto de comentar que o Rancho do Príncipe, habitação rudimentar,   que privilegiava na sua visita a Ilhéus, erguida como pouso na incursão pela floresta, era preferível a muitos palácios rutilantes em que me hospedei nas minhas andanças europeias.  

O eco da visão eurocêntrica do príncipe e a sua inserção no contexto histórico e social, da sua época e do seu lugar, correspondem aos sentimentos e impressões  usadas quando ele se refere aos nativos como  puro-sangue ou às bocarras das negras que encontrou  por onde andou  ou aos horríveismulatos. Essa visão eurocêntrica e deformadora, que rejeita o estético com feição natural nos traços típicos que cada raça possui em si mesma, principalmente aquelas consideradas inferiores pelo elemento branco, não o impede de deixar escapar seu inconformismo com a vida escrava levada pelos negros. 

Na página 155 do livro lê-se:

 

            Não é possível imaginar-se um viver mais triste do que a existência dos negros que levam uma vida de condenados das galeras. Duas coisas, nessa lamentável história, são e continuam a ser tremendas. Uma, é o princípio segundo o qual a ira e o castigo do proprietário onipotente só são diminuídos pela preocupação em não prejudicar o valor da carne; e depois, o pensamento de que seres com alma, como esses, mesmo que sejam os mais talentosos possíveis, e não importando quantas qualidades possuam, não conseguirão chegar jamais a algo mais elevado, a não ser que o humor de seu senhor lhes permita. 

 

        A sensação de completa liberdade, de paz interior, do encontro feliz decorrente das situações que o compraziam em sua visita ao mato virgem,  tudo isso fez com que o príncipe austríaco  derrame  na escrita saborosa    suas visões de encanto e  admiração   diante do que os olhos viam, muitas vezes sem acreditar. Leia-se esse trecho:

 

       Para completar a harmonia, o céu, sem nuvens no cair da tarde, fornecia a perfeita tonalidade de fundo contra a qual os monumentais contornos se desenhavam com a maior nitidez. Olhando-se para essas barreiras da floresta, pasma-se, maravilhado com a grandiosidade da natureza, com o vigor desse solo que faz crescer essa massa impenetrável; está-se ali como diante da colorida cortina de um mundo de sortilégios que, por um enigma não decifrado, permanece envolto num encantamento que não se quebrou. A pessoa vislumbra vagamente tudo o que se deve passar naquele interior, onde todo um universo, naqueles verdes espaços sem fim, pulsa e palpita; sabe-se que as plantas germinam, florescem, dão frutos nesses amplos vestíbulos; seres de plumagem colorida de inúmeras espécies esvoaçam, cantando, por aquela imponente catedral; que imensas borboletas   em cores flamejantes voluteiam em torno de inebriante perfume das flores. Sábias lagartixas e serpentes de metálico brilho arrastam-se pelas ervas e moitas; sabe-se que tudo, desde o sexto dia da criação, ali vive e se agita, canta e exala seus aromas, e mesmo assim é, e permanece, um enigma, a despertar espanto e admiração, inexplicável, porém, para o indivíduo. (p. 126)       

 

Mesclado com laivos barrocos, o estilo romântico do arquiduque Ferdinand von Habsburg, que também foi poeta e produziu centenas de poemas, mostra que seu relato em Mato virgem é rico em pormenores, fornecendo um documento inestimável para os estudiosos do assunto. 

                                                                                         

 

Referência

 

HABSBURGFerdinand Maximilian von. Mato virgem, diário de viagem, tradução de Moema Augel, Editus (UESC), Ilhéus, Bahia, 2010.

    

*Cyro de Mattos é autor de 80 livros, de diversos gêneros. Publicado em Portugal, italiano, francês, alemão, espanhol, dinamarquês, russo e inglês. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Da Academia de Letras de Ilhéus.