James Amado: 1912 - 2001
Situação de James Amado
Cyro
de Mattos*
Os exemplos não são poucos em que
autores de uma obra importante não impressionam à crítica arguta com o livro da
estreia. As imperfeições são flagrantes.
O talento e a entrega ao fazer literário não se tornam suficientes para que o nascimento do escritor
aconteça no texto de nível superior
reconhecido. Fundo e forma demonstram instabilidade. Vícios e virtudes convivem
em alguns trechos.
É
muito grande o salto que James Joyce deu entre a primeira fase de sua obra e a
segunda com Ulisses (1966),
considerada esta como subversiva na estrutura tradicional das formas narrativas
da novelística ocidental. Machado de
Assis no passado e Jorge Amado no presente podem ser assinalados entre nós como
escritores que se tornaram importantes com a obra em andamento, ficando a
desejar com os seus livros primeiros. Os romancistas Assis Brasil e Lígia
Fagundes Telles chegaram ao ponto de
riscar de sua bibliografia o livro de estreia por considerá-lo
insignificante como expressão literária na prosa de ficção.
. O fato repetiu-se com os nossos autores ao longo dos anos em
razão de nossa novelística ainda não ter se aprofundado na renovação dos
processos formais de criação
e firmado uma tradição de autonomia. A intuição predominava na
construção do texto, os instrumentos de concepção e execução da obra não tinham
sido bem assimilados. O risco do desequilíbrio entre a forma e o fundo ocorria
sem que fosse obtido o efeito eficaz da projeção positivada.
Adonias Filho, com Os servos da morte (1946), João
Guimarães Rosa, comSagarana(1946), Samuel
Rawet, com os Contos de imigrante (1956),
Clarice Lispector, com Perto do coração selvagem (1944), José J. Veiga, com Os
Cavalinhos de Platipanto (1959) e Luís
Vilela , com Tremor de terra (1967),
entre outros, são exemplos de autores bem-sucedidos na estreia.
O romancista levado a
construir um universo ficcional com linguagem adequada e moderna, diferente dos
meios tradicionais empregados na sua época e antes dela, adota elementos
formais novos para focar sua temática característica. Expande suas visões
oblíquas do mundo ao introduzir no conteúdo os motivos decorrentes das relações
sociológicas e regionais, trabalhando com a perspectiva formal moderna, que
projeta encontrar para a narrativa uma maneira incomum de dizer sobre seres e
coisas, com base numa técnica avançada. Exemplo disso é o romancista James
Amado com o seu Chamado do mar, livro
de estreia, o único de ficção que o
autor escreveu.
James Amadoé o terceiro e último filho de João Amado
de Faria e Eulália Leal Amado, desbravadores da região cacaueira baiana, na
época da conquista da terra. Nasceu em Ilhéus, em 1922. Era o irmão caçula de
Jorge Amado. Com Chamado do mar obteve
menção honrosa no Prêmio Paulo Prado, em 1949.
O
livro reproduz um território que alterna a paisagem marinha e a servidão à
terra, tendo como cenário Pontal dos Ilhéus, no Sul da Bahia. A ambiência de natureza marinha é o local em
que acontecem conflitos interiores e sociais vividos por pescadores numa
colônia de pesca. É um dos romances mais vigorosos da ficção brasileira que tem
como motivação o mar e sua gente. Acontecem os dramas de ordem psicossocial
numa paisagem típica e regional, com personagens convincentes que transmitem a
imagem da criatura humana afundada numa conjuntura miserável, marcada pelas
injustiças sociais.
Na
incursão por sentimentos baixos e desvãos da alma, em que entra o desespero, a
revolta, o ciúme e o medo, o lirismo não é deixado de lado. A praia e a
economia do cacau com suas mazelas servem como referenciais contrários à
paisagem humana em que criaturas primárias vivem a dura realidade diária
carregada de dramas. O que chama atenção nesse romance com forte apelo do mar é
a técnica usada, que difere da empregada por Jorge Amado em seus romances de
conteúdo popular. Se em Jorge Amado o que interessa para a teia romanesca se tornar interessante
é contar a história como se apresenta na
vida real, com uma linguagem que corresponda a do povo, despretensiosa, em
nível da fala, através do relato que se
desenvolve nas ações dos personagens com princípio, meio e fim, em James Amado
o procedimento do ficcionista moderno toma direção inversa.
Existe no autor de O Chamado do mar uma técnica moderna na montagem do romance. Na
estrutura da obra entra o corte cinematográfico, o uso do contraponto e do
monólogo interior. Aqui com propriedade são empregados os meios adequados
modernos para auscultar a alma e expor o drama. Os personagens ganham dimensão
na trama, ocupando um curso que avança em situações descontínuas dos
movimentos.
Narrado
assim, com a técnica moderna dos ficcionistas norte-americanos, que trouxeram
para a estrutura do romance, após a Segunda Guerra Mundial, o uso do
contraponto e do tempo cronológicolinear fragmentado, desmembrado para se
associar à trama, até hoje Chamado do mar
guarda a áurea de texto romanesco inovador e mantém o segredo perene de
atualidade. Personagens de marcante psicologia sobressaem no desenvolvimento
fragmentado do enredo, como Alício, Arlinda, Tonha, Yazinha, José Alves e
Vicente.
Tradutor
de Tolstoi, Eugene O’Neil, Hemingway
e Sartre, James Amado foi também o responsável pela edição das Obras Completas
de Gregório de Matos, publicadas pela Editora Janaina, em Salvador. Pena que publicasse apenas um romance, dos
bons. Talento, vocação e consciência do ofício, qualidades que lhe sobravam,
infelizmente não foram requisitos
suficientes para motivá-lo a escrever
livros de contos ou romances, deixando um legado expressivo em termos de criação no panorama
das letras brasileiras. Seu conto “A sentinela” participa de três antologias: Panorama do Conto Baiano, organizada por
Nélson de Araújo e Vasconcelos Maia; Histórias
da Bahia, por Adonias Filho, eModerno Conto da Região Cacaueira, por
Telmo Padilha.
Formado em sociologia e política,
James Amado foi atuante na política e tinha posições firmes na defesa da
democracia. E na luta pela liberdade. Dono de um humor cáustico, exerceu o
jornalismo no Rio. Foi casado com Jacinta Passos, Gisela Magalhães e Luiza
Ramos, filha do escritor Graciliano Ramos. Ocupou como membro efetivo a cadeira
27 da Academia de Letras da Bahia. Faleceu em 1* de dezembro de 2013, em
Salvador.
Referência
AMADO, James. Chamado do mar, romance, Editora Record. 5ª. edição, Rio de Janeiro, 1977.
* Membro da Academia de Letras da Bahia, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna.
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