Instituto Nossa Senhora da Piedade
MÉRE
THAÍS
João Mangabeira
Dentre os benfeitores de Ilhéus,
nenhum se pode comparar a "Mére Thaís". Nenhuma obra humana, nesse
Município, à dela se pode equiparar. Essa construção grandiosa que se levanta
ao alto da Colina, sem ela não ergueria para os céus sua majestade sagrada. Sem
ela não teria Ilhéus essas gerações sucessivas de professoras e alunas,
formadas pelo seu carinho, educada pelo seu caráter, instruídas pelas luzes do
seu espírito e pelas virtudes do seu coraç ão. E tudo isso, Mére Thaís
construiu e realizou, quase sozinha, rodeada a princípio apenas pelas poucas
irmãs, e através de obstáculos de toda sorte, que ela teve de vencer numa luta
constante, tenaz e silenciosa.
É que naquela freira se aninhava
uma energia, se incubava uma vontade, se acendia uma inteligência, raramente
encontradas nos mais altos padrões varonís. É que naquela freira baixa, gorda ,
de passos um tanto vacilantes, e que nos falava quase sempre sorrindo, havia
uma fôrça intensa e insuspeitável, que a fé centuplicava e que, transparecia
apenas na precisão com que a palavra lhe saía dos lábios e nos raios que fagulhavam,
chispando nos seus olhos. E tais predicados, que tornavam atraente uma pessôa
cujo físico, à primeira vista, não era simpático, tais predicados, unidos a uma
inteligência culta e poderosa, davam, em conjunto, o atributo do comando, que
parecia inerente a seu ser, comando a que todos obedeciam e que acabava por
tudo dominar.
Eu a ví em plena luta, desde que
em Ilhéus chegou para iniciar e levar a cabo sua obra formidável. Por mais
estranho que isso hoje pareça, ela não teve, a princípio, dos ilheenses, o
acolhimento e o auxílio que suas grandes virtudes mereciam e a grandeza que sua
obra reclamava. Ao contrário, inexplicavelmente, a população em geral
mantinha-se fria, retraída, quase hostil.
Graças a Deus nunca lhe faltei,
em toda medida das minhas forças, com a minha ajuda, a minha estima e a minha
admiração. Desde o primeiro instante e até o fim, como prefeito, deputado, como
senador, como cidadão e como homem, tomei posição decidida ao lado dessa freira
santa.Ela também não me faltou nunca, em todas as circunstâncias, com a sua
amizade e o seu confôrto. Entre os papéis mais caros ao meu coração, guardo, a
carta de protesto e solidariedade que me escreveu, quando preso e processado,
como cúmplice de uma rebelião comunista, num processo monstruoso e condenado
por uma sentença infame. Invulnerável na pureza de suas virtudes e invencível
na fôrça divina de sua fé, a grande freira, quando muitos se acovardavam,
lançava o seu protesto contra a injustiça, numa carta escrita num francês
impecável e que é um primor na forma e no fundo. E isso ela o fazia, em meio a
uma luta de todos os dias, no prosseguimento da sua grande obra, cujo têrmo
ainda não findara.
É que se, em Ilhéus, o ambiente
mudara e a frieza primitiva se transformara numa crescente de simpatia, não
chegara contudo àquela estima e gratidão gerais, que nos últimos dias de sua
vida a consagravam como, daquele Município, sua inigualada benfeitora.
Também não sei de ninguém que
tivesse amado mais ternamente a Ilhéus.Parece-me que nem Tréguier, sua amada
cidade natal da Bretanha, ocupava tão largo espaço no seu coração.
Na última vez que a ví aqui no
Rio, no Convento das Ursulinas, Mére Thaís estava quase imobilizada na sua
cadeira de rodas. Mas, nos lábios o mesmo sorriso, nas palavras a mesma
energia, nos olhos a mesma luz. Sorriso, energia e luz dos dias longínquos de
sua mocidade. Já estava no Rio há vários meses e então me dizia ao despedir-se:
- "Quero voltar para minha casa". - Era Ilhéus a sua cidade; o
Convento de Ilhéus, a sua casa. Aí quiz morrer e aí morreu. Fez-lhe Deus a
vontade; Deus, a quem ela sempre serviu, com todas as forças de sua alma. E em
meio às irmãs e às suas alunas, às quais chamava de "minhas filhas",
expirou, cercada do carinho de uma população inteira, triste e consternada. Foi
assim, que desapareceu aquela flor de pureza e de bondade. Foi assim que se
apagou aquele foco luminoso. Foi assim que se extingiu aquela freira santa,
cuja vida consistiu em "amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo
como ela mesma". Repousa hoje no seio de Deus. E é com sincera comoção que
atendo ao pedido que me fazem e lanço, nestas linhas descoradas, a pálida homenagem
de minha admiração por uma das criaturas mais perfeitas que jamais passaram
pela terra.
ILHÉUS: DIÁRIO DA TARDE ,1955
* João
Cavalcante Mangabeira(1880-1964) Chegou em Ilhéus em 1900. Advogado,
Jornalista, Político. Prefeito de Ilhéus 1908-1909. Deputado Federal 1909-1912,
1915-1918, 1918-1021, 1921-1924, 1924-127, 1927-1930. 1935-1937, 1947-1951.
Senador : 1930. Ministro da Justiça no Gabinete Hermes Lima. Ministro de Minas
e Energia durante o Gabinete Parlamentarista de Francisco Brochado da Rocha.
Fonte: Senado Federal . Secretaria de Documentação e Informação.Subsecretaria
de Bibloteca. João Mangabeira. In: Dados biográficos dos senadores baianos
1826-1996. Brasília: Centro Gráfico, 1996,p.43-5.
ESTE ARTIGO FOI UMA CONTRIBUIÇÃO DA CONFREIRA ELIANE SABÓIA, OCUPANTE DA CADEIRA 12.
ESTE ARTIGO FOI UMA CONTRIBUIÇÃO DA CONFREIRA ELIANE SABÓIA, OCUPANTE DA CADEIRA 12.
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