Depois de ser publicado em vários
blogs importantes brasileiros, como Boqnews.com e Campograndenews, o artigo “Os Ventos gemedores: Saga do Brasil Arcaico”, do escritor Adelto
Gonçalves, Doutor em Letras pela USP,
sobre o romance “Os Ventos Gemedores”, de Cyro de Mattos, foi divulgado no Pravda de Moscou, na edição em
português, (Port.pravda.ru).
De ritmo ágil, com uma narrativa
labiríntica, o romance “Os Ventos
Gemedores” conta a história das dominações de Vulcano Brás, dono de muitas
terras no território do Japará, um condado imaginado pelo autor, e a busca da
vida livre e justa, representada pelo vaqueiro Genaro. Sobressaem ainda no conflito, que acontece em ambiente bárbaro,
forjado pela terra hostil, personagens como Almirinha, Amadeu, Abelardo
Pança-Farta, Edivirgem, os irmãos Olindo e Olívio.
O professor e Doutor em Letras pela
USP, Adelto Gonçalves, debruça-se sobre o romance do autor baiano e empreende
uma análise histórico-social, concluindo
que “o final deste livro conta a batalha corpo a corpo entre os jagunços de
Vulcano Brás e os homens de vaqueiro Genaro e – ao contrário do que normalmente
se dá na vida real – a vitória dos explorados, apesar das baixas de lado a
lado. A vitória maior, porém, que se registra é da Literatura Brasileira que
sai desse romance mais enriquecida.”
Abaixo transcrevemos o artigo “Os
Ventos Gemedores: Saga do Brasil
Arcaico”, de Adelto Gonçalves, publicado no Pravda de Moscou:
'Os ventos gemedores': saga do Brasil arcaico
Adelto Gonçalves
I
No Brasil, sempre foi assim: a
luta pela terra invariavelmente produziu heróis falsos e mártires verdadeiros.
E o Estado sempre esteve ao lado dos mais fortes, aqueles que conseguiam pela
força subjugar os demais. Para aqueles que venciam, nunca faltou a falsa pena
dos escribas para legalizar suas conquistas nos papéis dos cartórios e
incensá-los na História. Ainda hoje é assim: os mandões do sertão ganham placas
e viram nome de fundações ou de ruas, avenidas ou rodovias. Já para os
derrotados sobram - quando muito - uma vala sem lápide e o esquecimento eterno.
Sempre foi assim, desde os tempos
dos chamados bandeirantes, homens mestiços, filhos de mães indígenas ou
miscigenadas, que largavam tudo na cidade de São Paulo ou em vilas como Santana
do Parnaíba e Taubaté para, a partir de Araritaguaba (hoje Porto Feliz),
seguirem em canoas à frente de uma legião de índios carijós, mulatos e negros
em busca de indígenas que pudessem ser escravizados, de ouro e pedras preciosas
e mais terras. Como arrastaram as fronteiras do Brasil para além do Tratado de
Tordesilhas, hoje, alguns desses régulos são homenageados com estátuas e
monumentos em que aparecem como homens de feições brancas, bem trajados.
Provavelmente, seguiam para os sertões descalços e quase semi-nus, como os
indígenas e africanos que comandavam.
Ainda hoje é assim.
Volta e meia, algum parlamentar é acusado de manter trabalhadores sob regime
escravo em suas fazendas. De outros dizem que, em suas terras, ninguém entra
sem autorização: se alguém entrar, ainda que involuntariamente, será recebido à
bala por modernos jagunços bem armados, enquanto o mandão desfila sua
onipotência em Brasília ou mesmo em congressos lusófonos em Lisboa. Os mandões
modernos já não são grosseiros como os de outros tempos: afáveis, conquistam o
interlocutor com muita simpatia e salamaleques.
E, assim, o mundo arcaico convive
com o Brasil moderno sem maiores sobressaltos. É esse Brasil arcaico que o
leitor vai encontrar no romance Os ventos gemedores, de Cyro de
Mattos (1939), que acaba de ser lançado pela editora LetraSelvagem, de
Taubaté-SP, em sua coleção Gente Pobre (narrativas). Ambientada nas
terras do Sul da Bahia em época que se supõe que seja a de meados do século 20,
a trama se dá no condado imaginário de Japará, à la WilliamFaulkner (1897-1962),
região onde a mata até então impenetrável começa a dar lugar às primeiras roças
de cacau e pastos para bois e vacas. É o cenário de Terras do Sem Fim (1943),
clássico romance de Jorge Amado (1912-2001), que, a rigor, inaugura a saga
cacaueira do Sul da Bahia.
II
Aqui, a luta pela terra coloca,
de um lado, Vulcano Brás, um régulo do sertão acostumado a mandar bater e até
matar; de outro, o vaqueiro Genaro, escolhido como líder pelos explorados,
gente envelhecida precocemente que traz a pele engelhada pelo trabalho de sol a
sol. Como Almira, moradora de um casebre, que procura entender, numa espécie de
monólogo interior, como o vaqueiro Genaro encontrou coragem para chefiar os
homens no levante:
"(...) Ele havia dito que os
homens estavam dispostos a enfrentar o despotismo de Vulcano Brás, "não
tenha medo, dessa vez, a gente vai tirar o freio da boca, a argola da venta, o
chicote das costas e a espora da barriga". Deu-lhe em seguida a notícia de
que os homens queriam ele como chefe do levante, ela então teve medo, pensou na
morte a espreitar pelos cantos todos eles, de dia e de noite".
Depois, Almira questiona:
"Que adianta fazer esta revolta, Genaro? O lado de Vulcano Brás sempre foi
mais forte". Mas ele responde "A pior derrota é daquele que não
luta", acrescentando que "onde ninguém faz nada contra Vulcano Brás
só a vontade dele é a única que impera, e os que se agacham permanecem assim
mesmo o tempo inteiro, trabalhando, trabalhando, sem nunca ter nada na
vida".
Ainda hoje é assim não só Sul da
Bahia, mas em todo o Brasil: aqueles que trabalham na terra só costumam se
aposentar aos 65 anos de idade, isso quando conseguem apresentar papelada
reconhecida pelos sindicatos rurais que comprove o tempo de trabalho na roça.
Para ganhar salário mínimo.
O final deste livro conta a
batalha corpo a corpo entre os jagunços de Vulcano Brás e os homens de vaqueiro
Genaro e - ao contrário do que normalmente se dá na vida real - a vitória dos
explorados, apesar das baixas de lado a lado. A vitória maior, porém, que se
registra é da Literatura Brasileira que sai desse romance mais enriquecida.
III
Nascido em Itabuna, ao Sul da
Bahia, Cyro de Mattos conhece bem a região que retratou em seu romance. Foi ali
que fez os primeiros estudos, concluindo o curso ginasial no Colégio dos
Maristas, em Salvador. Depois, fez o curso de Direito na Universidade Federal
da Bahia, concluindo-o em 1962. Hoje, é advogado aposentado, depois de militar
durante mais de quatro décadas nas comarcas da região cacaueira na Bahia.
Antes, atuou como jornalista no Rio de Janeiro, passando pelas redações
do Diário de Notícias, Jornal do Comércio e O Jornal.
Contista, ensaísta, cronista e
poeta, é autor também de livros de literatura infanto-juvenil e organizador de
várias antologias. Já publicou mais de 50 livros e obteve numerosos prêmios
literários. O principal foi o Prêmio Nacional de Ficção Afonso Arinos, da
Academia Brasileira de Letras, para o livro Os Brabos (Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1979), romance elogiado por Jorge Amado,
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Alceu Amoroso Lima
(1893-1983).
Sua estréia, porém, ocorreu em 1966
com o livro Berro de fogo e outras histórias, em que já se anuncia a sua
preocupação em denunciar "a decadente engrenagem econômica cacaueira
dominada pelo coronelismo", como observa Nelly Novaes Coelho, professora
titular de Literatura Portuguesa da Universidade de São Paulo (USP), autora do
posfácio que constitui um texto-homenagem aos 40 anos (1966-2006) da carreira
literária do autor. Para a professora, "a obra de Cyro de Mattos já
conquistou seu lugar nos quadros da Literatura Brasileira contemporânea".
Cyro de Mattos está incluído na
antologia Narradores da América Latina, publicada na Rússia, ao lado do
argentino Julio Cortázar (194-1984) e do uruguaio Mario Benedetti (1920-2009),
entre outros. Seus poemas foram incluídos na antologia Poesia do Mundo 3,
organizada por Maria Irene Ramalho de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra,
publicada em Portugal, que teve tradução para o inglês.
Em 2010, participou da Feira
Internacional do Livro de Frankfurt, quando autografou a antologia
poética Zwanzig von Rio und andere Gedichte, publicada pela
Projekte-Verlag, de Halle, com tradução de Curt Meyer-Clason, tradutor de
Guimarães Rosa (1908-1967). E em 2013, esteve presente ao XVI Encontro de
Poetas Iberoamericanos da Fundação Cultural de Salamanca, na Espanha. Tem
livros publicados em Portugal, França, Alemanha e Itália.
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Os ventos gemedores, de Cyro de
Mattos. Taubaté-SP: Editora LetraSelvagem, 208 págs., R$ 30,00, 2014. Site:www.letraselvagem.com.br
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(*) Adelto Gonçalves
é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e
autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio
Editora, 1981), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999;
São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage - o perfil perdido (Lisboa,
Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de
Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), entre outros. E-mail:marilizadelto@uol.com.br
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