segunda-feira, 12 de abril de 2021

ARTIGO


O REAL E O IMAGINADO: um caminho para desvelamentos 
Ruy Póvoas* 


Abordar a religiosidade nagô no imaginário nacional implica focalizar fraturas que revelam mandonismo, elitismo e exclusivismo. Isso porque o Brasil se construiu sob o domínio de uma ideologia europeia, mercantilista, patriarcalista e católica. Toda e qualquer prática social que se distancie do modelo importado costuma ser rechaçada. 

Os índios e os descendentes de negros escravizados tiveram seus cultos e o uso de suas linguagens, a princípio, proibidos por lei. Mesmo após findar a proibição, a perseguição continuou até os dias de hoje. 

Povos trazidos da África que tinham a androgenia também como um valor fundante foram obrigados a adotar a supremacia do Masculino. Apesar das mudanças ocorridas, ainda hoje, os que têm outra escolha sexual e também os que têm o fenótipo do negro africano são discriminados. 

Com a dita libertação dos escravos, abriram-se as portas das senzalas e os negros foram tangidos para as quebradas e esconsos dos morros e das periferias. Estava selado um destino de pobreza, abandono e desprestígio social e econômico de grande parcela da população brasileira. 

Índios, ainda hoje, lutam desesperadamente por habitar a terra de seus antepassados. E ao negro foi proibida, quando não, dificultada, a posse de terras, bem como o acesso à escola oficial. Divindades cultuadas pelos negros ou pelos índios foram atacadas. A evangelização fez lavagem cerebral e as práticas africanas tiveram de ser vivenciadas longe dos chamados núcleos de civilização. 

De tudo isso, resultou uma sociedade em que a rejeição e o preconceito ditam a separação em grupos, de poucos com muito e muitos sem nada. E muita gente ainda se envergonha de sua origem e abomina a sua história. 

Do emaranhado dessa história que compõe escritoras e escritores, a intuição produziu romances e poemas. Neles, a sombra da nação à qual pertencemos, através de versos e de narrativas imaginadas, se reflete no espelho da consciência de todo e qualquer brasileiro que se digne examinar a verdadeira história do Brasil. 

Nos tempos de agora, é comum sabermos tudo de várias nações da terra, ao tempo em que muita gente ignora por completo os meandros da história de nosso povo. Tudo leva a crer da necessidade de evitar o enfrentamento com a verdade que, como se sabe, dói. E além de doer cobra profundas mudanças, a partir do modo de cada um ver a si mesmo e ao coletivo. 



* Ruy do Carmo Póvoas é membro da Academia de Letras de Ilhéus. Trecho adaptado do livro A sombra no espelho, do autor, lançado pelo Editora Via Litterarum.

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