A Academia de Letras de Ilhéus iniciou os trabalhos deste ano com a conferência do professor Fernando Oliveira/UESC, com o tema “A vida é devoração pura: somos todos antropofágicos”, que remete à Semana de Arte Moderna de 1922 e, por óbvio, ao Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade, pilar do movimento nascido em São Paulo. O mestre explicou que, tendo como inspiração os rituais canibalescos dos índios tupinambás, Oswald sugeria, em poderosa metáfora, que a cultura brasileira, ao modelo dos índios devorando o inimigo capturado, “comesse” os bens culturais europeus, após a devida “preparação”, como numa cerimônia tupinambá, criando, a partir dessa absorção, um produto cultural genuinamente brasileiro. Era a reação nacional ao “sistema de cópias” em vigor, quando Brasil refletia Coimbra, Portugal e a Europa culta. “A Semana de Arte Moderna não queria aquele bom selvagem de Rousseau, mas o nosso mau selvagem, o autêntico antropófago, que aculturava os valores vindos de fora”, salientou o conferencista.
Prof. Dr. Fernando José Reis Oliveira.
Ao fundo, o poeta patrono da ALI, Castro Alves. Foto: Alderacy Pereira.
Bahia resistente
O professor Fernando Oliveira, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, defende que a Semana de Arte Moderna não foi, como alguns estudiosos afirmam, um movimento “paulista”, isolado, mas, ao contrário, teve grande influência nacional e, sobretudo, na Bahia, com destaque para Jorge Amado, Juarez Paraíso, Edson Carneiro, Mário Cravo Jr. Sosígenes Costa e, posteriormente, a Tropicália, Os Doces Bárbaros, Caetano Veloso e tantos outros. “A questão é que a Bahia reagiu tardiamente à Semana de Arte Moderna”, diz Fernando Oliveira aos que estranham a participação dos baianos tanto tempo depois de 1922. Essa resistência aos novos cânones da arte se deveu, de acordo com o historiador Fernando da Rocha Perez, ao conservadorismo que imperava na Bahia, com grupos tradicionalistas poderosos e articulados, que se faziam presentes e fortes em toda a sociedade, nos espaços públicos, nas instituições privadas de cultura e até nas redações dos jornais. “Foi preciso conquistar os suplementos culturais para que se pudesse discutir e divulgar a arte moderna na Bahia”, atesta Rocha Perez.
Por orientação da OMS, tivemos limitar o acesso ao público/Foto: Alderacy Pereira.
O professor Fernando Oliveira ainda citou uma vasta lista elementos que marcaram a ruptura dos moldes estéticos então vigentes no Brasil, com destaque para os trabalhos de Di Cavalcanti, na pintura, e a prosa transgressora de Guimarães Rosa. Na Bahia, diz o conferencista, foram “canibalizados” elementos da música, da escultura, da literatura e do sincretismo religioso, com símbolos cristãos e do candomblé, presentes nas concepções de Mário Cravo Jr.
A sessão especial de abertura dos trabalhos acadêmicos de 2022 foi dirigida pelo presidente Pawlo Cidade e a secretária-geral Jane Hilda Badaró.
Da esquerda para a direita: Antônio Carlos Hygino, Maria Schaun, André Rosa, Antônio Lopes, Luh Oliveira, Sebastião Maciel Costa, Pawlo Cidade e Jane Hilda Badaró. Foto: Ruy Penalva.
Texto do confrade Antônio Lopes.
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