Noite da saudade em homenagem a Dr. Soane Nazaré de Andrade, em 05/08/2024, na Academia de Letras de Ilhéus.
*Josevandro Raymundo Ferreira Nascimento
Meus senhores, minhas senhoras:
Descrever a trajetória de Soane Nazaré de Andrade, o melhor presente que a cidade irmã de Uruçuca nos ofereceu, em 5 de agosto de 1930, filho de Adjovânio Andrade e Selika Nazaré de Andrade, é falar de EDUCAÇÃO.
É falar do menino da Escola Afonso de Carvalho, do Instituto Municipal de Educação (IME), do adolescente do Colégio Estadual da Bahia, do Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia, nos idos de 1953.
Casado com a profa. Heloisa Cavalcanti Nazaré de Andrade, companheira com quem viveu em harmoniosa união, gerando quatro filhos: Ana Virginia Cavalcanti de Andrade, Luis Frederico Cavalcanti de Andrade, Soane Nazaré de Andrade Júnior e Maria Valéria Cavalcanti de Andrade.
Além do convívio fraterno, Soane Nazaré era um sonhador, capaz de forjar realidades muito concretas, como a Universidade Estadual de Santa Cruz -UESC.
Dono de uma inteligência brilhante, era predestinado a realizações, porque idealista. Mas o seu sonho foi sempre a Universidade Estadual de Santa Cruz -UESC.
Para homenagear o Acadêmico Soane Nazaré de Andrade, considerando a extensão e riqueza da sua vida e de sua obra, elegemos comentar duas de suas publicações, que nos levará a conhecer o seu pensamento.
O livro "Três Mestres" reúne por iniciativa da Reitora da UESC, Professora Renée Albagli Nogueira, homenagens de Soane Nazaré de Andrade às suas Professoras Alina Berbert de Carvalho e Dolores Vieira, e ao antigo companheiro Professor Amilton Ignácio de Castro, que com ele fundou a Faculdade de Direito de Ilhéus e depois a própria Universidade Estadual de Santa Cruz -UESC.
A homenagem à Professora Alina Berbert de Carvalho foi em discurso proferido em sessão solene da Câmara Municipal de Ilhéus, realizada no dia 8 de Março, no ano de um mil novecentos e noventa e um, sob a presidência do vereador Dr Amilton Andrade.
Por seis décadas a Escola Afonso de Carvalho lançou muitas sementes e colheu muitos frutos.
Aluno interno, Soane era considerado filho de Dona Alina.
Dizia Dona Alina que “a Cartilha e as noções elementares recebidas na infância na Escola Afonso de Carvalho talvez tenham sido a prodigiosa semente que fez brotar a ideia da Universidade Estadual de Santa Cruz”, que sem a tenacidade, e o querer forte de Dr. Soane, teríamos sido privados desta realidade que honra a nossa região, a Bahia e o Brasil.
Dona Alina compreendeu que o aluno Soane Nazaré de Andrade, ao deixar a Escola Afonso de Carvalho, para ingressar no Ginásio Municipal de Ilhéus e seguir estudando, primeiro no Colégio da Bahia e, finalmente, na Faculdade de Direito, em Salvador, haveria de levar, aonde quer que fosse, o estandarte da escola amada.
Ela reunia o que de melhor possuía a cidade em competência, disciplina, postura ética, compreensão dos deveres da cidadania. Por isso, ao lado da técnica do ensino praticava-se a educação e se produzia cultura, dizia Soane Nazaré de Andrade, e prossegue:
“Quem dava o exemplo era ela, a professora, a diretora, a segunda mãe. Exemplos de estudo disciplinado, de respeito às normas de convivência social, da prática do bem, de solidariedade humana. Mais do que ler e contar, a Escola Afonso de Carvalho ensinava a viver e a conviver.”
Ainda falava Soane:
“Lembro-me quando naufragou o Itacaré, tinha eu nove anos, aluno interno da Escola, então funcionando defronte da Barra, onde hoje está situado o Ilhéus Praia Hotel. Da varanda via-se com nitidez o pequeno navio emborcado, e ouviam-se os gritos de dor dos que buscavam sobreviver. Dona Alina transformou o colégio em centro de orações pelos mortos. E se apresentou voluntária para todas as ações de ajuda e amparo aos náufragos sobreviventes.
[...]
Se era medonha a tragédia do mar, maior era a lição de que, ou vivemos para servir ou não servimos para viver. Ela transmitia consciência a Instituição que criara e dirigia com o ímpeto da juventude e da energia modeladora do seu caráter.”
O Professor Soane Nazaré de Andrade era um cavalheiro a antiga: educado, elegante na expressão e nas atitudes, moderado e bom interlocutor.
Em novembro de 1987, Soane Nazaré de Andrade fez um pronunciamento no auditório do Instituto Nossa Senhora da Piedade, na comemoração do Jubileu de Ouro de Magistério da Professora Maria Dolores Vieira Passos.
Na Escola Afonso de Carvalho, Soane Nazaré de Andrade teve como sua primeira Professora, Maria Dolores Vieira Passos, no ano de 1938.
Dizia Soane: a professorinha estava construindo futuros. E porque era competente, as suas aulas não foram levadas pelo vento vadio que dispersa as folhas fugidias dos calendários. As suas aulas, as suas lições - creio poder dizer, o seu sangue- tudo quanto é a vida de Dolores renasce nos êxitos de tantos alunos, antigos e novos, nós todos que estamos, orgulhosamente, na apoteose do seu Jubileu de Ouro.
Há um provérbio japonês que ensina "Melhor é caminhar com esperança, do que chegar ao fim do caminho". A sabedoria de Dolores nos ensina, que é proibido chegar. Haveremos de continuar, como da lição de sua vida, a abrir e palmilhar caminhos. É proibido chegar, porque toda a beleza da vida está nos passos da caminhada.
Em maio de 1991, em sessão solene da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC, Soane Nazaré de Andrade prestou uma homenagem a Amilton Ignácio de Castro, quando no seu pronunciamento disse: não há nada mais agradável, para mim, do que render homenagem aos que lançaram comigo os alicerces desta Universidade. E não só pelo prazer de ser pessoalmente justo. É, mais ainda, pela alegria de verificar quanto a sociedade, devidamente educada, pode aprimorar o seu senso de justiça, porque é próprio dos povos cultos o respeito e o carinho para com aqueles que contribuem para o seu engrandecimento e a sua felicidade.
A mim foi reservada a histórica oportunidade de chamar Amilton Ignácio de Castro ao reduzido número de fundadores desta por todos os títulos, gloriosa Universidade Estadual de Santa Cruz.
Foi no mais adequado cenário que conheci Amilton Ignácio de Castro. Subia os degraus da ampla escadaria do Palácio Paranaguá. Em sentido contrário, vinha descendo Amilton. Não tinha Soane mais que vinte e nove anos. Amilton Ignácio de Castro já tinha passado dos cinquentas. Contava, pois, com mais de meio século vivido com inteligência e abnegação, por isso pleno de cultura e sabedoria. Desejávamos ambos aqueles encontros. Amilton, recém chegado de Salvador, porque renunciara a cargo do Governo de Juraci Magalhães, para vir fundar a Faculdade de Direito de Ilhéus. E eu, porque informado de seus dotes de talento e de cultura, de honradez e de espírito público, virtudes essenciais ao perfil do Professor que eu buscava.
Completa Soane porque para mim o Ensino Superior tem para com a Nação um compromisso ético, além do educar, profissionalizar...
A outra publicação do acadêmico Soane Nazaré de Andrade foi em 1984, " A Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC em Porto Seguro - Um compromisso com a História".
O principal marco da historia do ensino superior na região, se inicia com a criação da Faculdade de Direito de Ilhéus nos anos 60.
Para tal empreendimento ele contou com Amilton Ignácio de Castro, seu Vice-Diretor, amigo inseparável, que lhe dava apoio e inspirava confiança. Contou, também, com o apoio político do então Prefeito de Ilhéus, Henrique Weill Cardoso, com o apoio de seu grande amigo e colega da Faculdade, José Cândido de Carvalho Filho, então Deputado Estadual, que viera a integrar o grupo dos primeiros professores da Faculdade de Direito de Ilhéus.
José Cândido de Carvalho Filho era contemporâneo de Soane Nazaré de Andrade, em uma época em que a amizade era coisa séria, Ele, José Cândido de Carvalho Filho ,subiu ao palanque, quando Soane Nazaré de Andrade se candidatou a Prefeito de Ilhéus, apoiado pelo então Prefeito Jabes Ribeiro.
Foi uma plêiade de professores competentes e idealistas, que Soane Nazaré de Andrade foi capaz de reunir para fundar a Faculdade de Direito de Ilhéus: Altamirando de Cerqueira Marques - depois Reitor Pró-tempore da UESC -, Manoel Targino de Araújo, Francolino Gonçalves de Queiroz Neto, Jorge Fialho Costa, Alberto Galvão, entre outros, todos eles inesquecíveis mestres.
A Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna-FESPI, alicerce da UESC, foi instituída em 22 de abril de 1974, no Campus Soane Nazaré de Andrade, por iniciativa dos servidores, que enviaram o documento ao Conselho da Fundação Santa Cruz / FUSC. 50 anos nos distanciam deste momento histórico.
A FESPI era mantida por uma Fundação de Direito Privado, a FUSC, com o grande alicerce da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira - CEPLAC, tendo como Secretário Geral, José Haroldo de Castro Vieira, que tinha profunda confiança na liderança, seriedade e competência de Soane Nazaré de Andrades
Foi José Haroldo Castro Vieira, que tinha grande vontade para implantar o ensino superior na região cacaueira, quem convidou Soane Nazaré de Andrade para reunir as três unidades de Ilhéus e Itabuna, criando a Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna - FESPI.
E os recursos financeiros indispensáveis não faltaram, sendo convidado o Prof. Erito Francisco Machado recebeu a incumbência de gerir a Fundação Santa Cruz - FUSC, mantenedora da FESPI.
E Soane Nazaré de Andrade liderou os pioneiros da Educação Superior, e em um escritório da CEPLAC, a Comissão se reunia semanalmente. Por dever de justiça a Comissão era constituída pelos seguintes professores: Erito Francisco Machado, Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas; Manoel Simeão da Silva, Diretor da Faculdade de Filosofia e Letras de Itabuna; Amilton Ignácio de Castro, Diretor da Faculdade de Direito de Ilhéus; Professoras Helena dos Anjos Souza, Valdelice Soares Pinheiro, Rosalina Molfi de Lima da Faculdade de Filosofia e Letras; e Flávio José Simões Costa, um batalhador da Educação Superior na Região.
Predestinado a realizações, porque idealista, ele continuou a sonhar com dias mais fecundos para a região cacaueira, que o viu nascer. Depois da FESPI, por iniciativa do Prefeito Jabes Ribeiro, foi convidado a ser Secretário de Governo do Município de Ilhéus e, nessa condição, lançou a ideia da Universidade Livre do Mar e da Mata, que atualmente encontra-se em péssimo estado de conservação, dada a ausência de manutenção pela gestão municipal.
Hélio Pólvora, companheiro de Soane Nazaré de Andrade, na época da Prefeitura de Ilhéus dizia: Soane é um eterno estudante, porque sempre a se aprimorar, transmite a serena certeza do homem realizado: o que sente e sabe que não esteve e nem estará só.
Em 27.07.2023, a Universidade Estadual de Santa Cruz chorou a sua partida e lembrou com extremo sentimento de gratidão, a longeva e grandiosa existência do Prof. Soane, hoje reverenciado aqui na casa de ABEL, num preito de justiça e saudade.
Para concluir escolhemos o Poema de Valdelice Soares Pinheiro, escrito em 31.07.1985, dedicado a Soane Nazaré de Andrade, na oportunidade em que concluída mais uma etapa de construção da Universidade.
"Cada espaço deste chão,
cada folha, casa flor, cada árvore,
cada ave que pousa ou passa por aqui,
como que dizendo,
na expressão do voo,
o sonho livre da asa;
cada pedra,
cada grão de cimento,
cada prédio,
cada sala,cada voz nessas salas,
como que dizendo,
na extensão do tempo,
o sonho de sempre
que o tempo não leva;
cada coisa ,enfim,
e cada destino
e cada passo,
e cada gesto
guardam a presença
do seu sonho confirmado
na expansão infinita da semente
para a verdade do fruto
que já se colhe aqui."
Viva Dr. Soane !
* Membro da cadeira nº 14.
Nenhum comentário:
Postar um comentário