quinta-feira, 20 de junho de 2013

"ESCREVER É COMO SOMAR E DIVIDIR"

Neuzamaria com os saudosos Zélia Gattai e Jorge Amado

“Nasci no século passado com fome de palavras e até hoje vivo desse alimento que ainda me sobra para adornar o espírito de quem tem o peito aberto. O teto que me foi dado para viver é dividido com 7 bilhões de pessoas de todas as cores, de todas as falas, de todas as caras, de todos os credos... com todos os que vivem na carne e os que vivem em forma de fluido cósmico universal. Sou feita à imagem e semelhança da humanidade porque dentro de mim cabe a mais doce ou a mais vil das criaturas. Troquei, doei e recebi saberes com estudantes de vida assim com eu. De certa forma ainda vivo assim porque trocar e doar são atributos da generosidade, menos que da justiça. Dentro desse esquema (trocas, doações, recebimentos) escrevo porque na medida em que faço isso me somo e me divido neste mundo que é nosso.” (Neuzamaria Kerner, cadeira 36)

Leiam alguns dos poemas inéditos de Neuzamaria Kerner que estarão em seu próximo livro: "O Livre Arbítrio das Evas - Dentro e fora do jardim".

Neuzamaria com amigos,entre eles, os confrades Abel Pereira e Dorival de Freitas

A ILHA ESCOLHIDA

Quando me bate à porta
um sentimento de orfandade
penso no meu mundo conhecido
e no meu mundo imaginado.
Em meu socorro
do Morro do Pernambuco vem a lua
derramar seu pólen luzente e santificado
sobre mim.

Um silêncio religioso
me envolve com seus véus:
ajoelho-me, cerro os olhos
e os versos viram preces na boca-poeta.

Então
num dilúvio de pólen-prata vindo dos céus
a miraculosa correnteza
conduz minha arca de volta a Ilhéus.

Neuzamaria com Jorge Amado

MATANDO SAUDADES
( para Hélio Pólvora)

Um dia
Apeei do dragão que vive na bola de prata.
Com a coragem dos ousados e loucos
tomei uma espada e cortei as amarras
que me atavam à lua de São Jorge dos Ilhéus.

Não disse adeus:
saí enquanto o silêncio vigiava o sono do céu.

Quando a saudade grita o meu nome
no frio das madrugadas
visto as asas de Ícaro
e vôo a visitar o "búfalo bifronte" de Sosígenes Costa.

Volto saciada das sedes
porque o Santo Espírito me põe na boca-alma
o bento impulso dos recomeços.

Um comentário:

  1. Cyro de Mattos, por e-mail disse: "Tocaram-me esses versos de Neuza Maria Kerner. Poeta que amadureceu na expressão, dizendo bem de seu ritual de encantamento, plasmado em cortes líricos que comovem."

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